ANÁLISE

Novas regras para apostas on-line traz assimetrias entre instituições

Para especialistas, norma cria diferenças entre instituições financeiras (IFs) e de pagamento (IPs) que causaram estranheza

Apostas on-line, bets - Imagem: Freepik
Apostas on-line, bets - Imagem: Freepik

Em abril, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF) publicou a Portaria Normativa nº 615, estabelecendo novas regras para as transações de pagamento realizadas por agentes autorizados a operar loterias de apostas de quota fixa no Brasil. Em outras palavras, apostas on-line ou ‘bets‘.  

A portaria representa um avanço significativo na regulamentação das transações de pagamento no setor de apostas on-line. As medidas visam assegurar a transparência, segurança e integridade das operações financeiras. Contudo, a exclusão das instituições de pagamento (IPs) das prerrogativas de investimento dos saldos decorrentes da custódia dos recursos abre espaço para debates e possíveis ajustes na regulamentação, buscando evitar assimetrias no mercado.

Isso porque o normativo cria diferenças entre instituições financeiras (IFs) e instituições de pagamento que causaram estranheza. Não ficou claro porque as IPs, dentre as quais figuram algumas das maiores fintechs do setor, ficaram excluídas da prerrogativa de se beneficiarem dos ganhos decorrentes das aplicações dos recursos dos apostadores mantidos em custódia pelos agentes operadores. Detalhamos sobre isso a seguir.

Segurança e controle do fluxo financeiro

Entre as regras estabelecidas pela portaria estão algumas, visando a segurança das movimentações financeiras e dos apostadores. Para tal finalidade, ficou estabelecido, por exemplo, que tanto a conta cadastrada quanto a conta transacional devem ser mantidas em instituições financeiras ou de pagamento autorizadas a funcionar pelo Banco Central (BC).

Ainda com o objetivo de preservar a segurança dos apostadores, a regra estabeleceu que os valores mantidos nas contas transacionais constituem patrimônio separado do operador. A ideia é prevenir a confusão patrimonial, isto é, que os valores dos apostadores acabem sendo “misturados” com o patrimônio do agente operador.

A norma prevê, ainda, que o agente operador poderá investir o saldo diário total ou parcial das contas transacionais em títulos públicos federais. Além disso, é vedado o compartilhamento dos ganhos decorrentes dessas aplicações com os apostadores. Porém, somente se tais contas forem mantidas em instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo BC. Ou seja, as IPs, dentre as quais se incluem várias fintechs, foram excluídas dessa prerrogativa.

Considerando que as IPs autorizadas pelo regulador — em particular aquelas que oferecem contas de pagamento (emissores de moeda eletrônica) — já realizam a aplicação de recursos sob sua custódia em títulos públicos federais, essa assimetria regulatória entre instituições financeiras e IPs causa estranheza. Até porque o investimento desses recursos certamente constituiria relevante fonte de receitas para as fintechs, desejosas de atuar nesse segmento que movimentará bilhões de dólares nos próximos anos.

Nessa mesma linha, as instituições de pagamento também foram excluídas da possibilidade de viabilizar o investimento em títulos públicos federais da reserva financeira mínima de R$5 milhões que os agentes operadores devem constituir. Tais diferenciações entre instituições financeiras e IPs certamente serão objeto de questionamento por parte das fintechs.

Diferentes tipos de contas

Apesar dessas falhas, a portaria normativa introduz conceitos importantes para o setor. Por exemplo:

  • Aposta em aberto: aposta em evento esportivo, real ou virtual, que ainda houve liquidação financeira;
  • Conta cadastrada: conta de depósito ou de pagamento pré-paga, pertencente ao apostador. É dela que partem os aportes financeiros e para onde vão os prêmios recebidos;
  • Conta gráfica: conta virtual fornecida pelo agente operador, permitindo ao apostador gerenciar suas apostas e recursos;
  • Conta transacional: conta de depósito ou de pagamento pré-paga do agente operador. Ela serve para manter os valores das apostas em aberto ou os prêmios recebidos pelos apostadores.

Importante notar que, ao criar a conta gráfica, a norma coloca a custódia dos recursos financeiros realizada pelo agente operador fora do alcance regulatório do BC. Isso porque não caracteriza essa conta como “conta de pagamento”, tampouco esses recursos como “moeda eletrônica”. Do contrário, os agentes operadores precisariam obter, além da autorização da SPA, outra licença, dessa vez do próprio Banco Central.

Meios de pagamento

Além disso, os aportes e retiradas entre a conta cadastrada do apostador e a conta transacional do agente operador dever ocorrer via transferência eletrônica, incluindo Pix, TED, cartão de débito ou pré-pago e book transfer. É proibido o uso de dinheiro em espécie, boletos, cheques, ativos virtuais ou outros tipos de criptoativos, transferências provenientes de contas não cadastradas, transferências de terceiros, cartões de crédito ou outros instrumentos pós-pagos.

Para reduzir o risco de endividamento dos apostadores, os agentes operadores estão proibidos de permitir apostas sem prévio aporte financeiro. Além disso, não podem conceder adiantamentos, antecipações, bonificações ou vantagens prévias para apostas. Outra proibição é firmar parcerias para facilitar o acesso a crédito ou operações de fomento mercantil para apostadores. Também não podem promover ou permitir acesso, pelos apostadores, a entidades que concedam crédito ou realizem operações de fomento mercantil.

Em resumo, a portaria traz importantes avanços na regulamentação de transações de pagamento no setor de apostas no Brasil. No entanto, são necessários ajustes que sanem as assimetrias criadas entre instituições financeiras e instituições de pagamento.

*João Fernando A. Nascimento é sócio do CSMV Advogados e escreveu o artigo em colaboração com a advogada Priscila Delanesi Guedes e o estagiário João Pedro Bértoli, ambos do escritório.