O que a pecuária tem a ver com a Faria Lima? Aparentemente, nada. Mas ex-executivos de grandes frigoríficos e tradings agrícolas querem mudar esse cenário. A Finpec, fundada em 2018 por Michel Torteli e Fernando Sartori, aposta na captação de investidores (institucionais e pessoas físicas) para levantar recursos para engorda de bois em confinamentos Brasil afora.
A dupla tem bagagem extensa no agronegócio. Torteli atuou na mesa de operações de mercado futuro de boi gordo da Minerva Foods e iniciou a carreira na Louis Dreyfus Company. Sartori teve passagens por Louis Dreyfus Company e foi diretor na SuperFrio Armazéns Gerais. Depois juntaram-se a eles Celso Fugolin, que fez carreira na JBS e também foi diretor da Bertin, além de Murilo Faria e Henrique Arantes (ambos ex-Companhia Sulamericana de Pecuária).
“Nossa maior tecnologia é o nosso modelo de negócio. O pecuarista tem confinamentos ociosos, fica com ativo subutilizado, sem contar que o preço do boi subiu muito nos últimos e o preço das commodities usadas na ração do boi, principalmente milho, também subiu demais”, explica Fernando Sartori, diretor-presidente da Finpec.
Ah, antes que você me pergunte… O modelo de negócio tem nada a ver com a Fazenda Reunidas Boi Gordo, esquema de pirâmide financeira que prejudicou milhares de investidores e deixou mais de R$ 3 bilhões de prejuízo. Ao contrário do Boi Gordo, que era operação de compra de fazendas, na Finpec, somente o gado é comprado.
A fintech abre filiais da empresa dentro dos confinamentos parceiros, faz um contrato de parceria com o dono do confinamento, remunerando-o pela performance. Na outra ponta, a startup capta dinheiro com investidores (institucionais e pessoas físicas) para originar a compra de boi magro e alocá-los nos confinamentos.
O preço de venda futuro é travado para não correr riscos, depois o boi fica engordando (algo que dura entre 90 e 120 dias) e, posteriormente, frigoríficos carregam os bois e fazem o abate, remunerando a Finpec, que devolve o capital com rendimento para os investidores e fica com um spread da operação.
Segundo Sartori, a margem bruta fica entre 15% e 20%, considerando a diferença entre preço de compra e venda, e eliminando os custos operacionais. Na prática, a fintech está mudando a estrutura de capital do pecuarista sem emprestar dinheiro. A empresa atua principalmente no segmento de engorda, que é a fase mais fácil de monitorar e demanda capital intensivo.
Um dos principais focos para este ano é o investimento em tecnologia. A empresa está desenvolvendo um aplicativo, que vai permitir aos investidores abrir conta, simular investimento e consultar extrato por essa ferramenta. A previsão é de lançar o app no início do segundo semestre.
Além disso, a fintech está indo atrás de novas tecnologias para monitoramento do gado — hoje, a Finpec coloca brincos nos bois com registro no Sisbov e faz monitoramento físico. Agora já começou a testar em bebedouros um mecanismo de RFID. “A ideia é evoluir para controle com imagem (foto de drone ou câmera, ou foto de satélite). Temos conversas com algumas startups”, diz Sartori.
Hoje, a Finpec está presente em dez localidades no país e detém aproximadamente 20 mil cabeças de boi, diluindo o risco entre vários parceiros, em diferentes Estados e cidades brasileiras. Sartori diz que há um total de 220 milhões de cabeças de gado em estoque no país, num valor que representa cerca de R$ 800 bilhões. O potencial a ser explorado é grande não apenas pelo tamanho do mercado, mas porque o boi é uma garantia pouco usada no mercado financeiro tradicional.
“E somos asset light. Fazemos parceria para aproveitar confinamentos com espaço ocioso. É um negócio altamente escalável.”
Na ponta da captação, a Finpec já soma 130 investidores, entre institucionais como FIDCs, Banco Ribeirão Preto, Banco Alfa e Grupo Sifra, além de pessoas físicas (principalmente, executivos de grandes empresas), que são maioria na base.
A fintech emite cédula de produto rural (CPR) financeira, com lastro em boi físico, nominal ao investidor, com vencimento em um ano e liquidez a cada 120 dias. A aplicação tem valor mínimo de entrada de R$ 50 mil e possui isenção de Imposto de Renda (IR), e o tíquete médio é de R$ 350 mil por investidor. As operações são feitas por meio da corretora parceira Nova Futura. O registro da CPR é feito pelo Banco Ribeirão Preto (BRP).
No ano passado, a Finpec também emitiu um Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) de R$ 10 milhões, com estruturação e distribuição feita pelo BRP, do qual a fintech tem se aproximado cada vez mais. Agora, o caminho natural, segundo Sartori, é estruturar um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) para diversificar as fontes de captação. A fintech já conversa com um banco para estruturar um CRA com critérios ESG.
O tema ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês) é um foco importante para a fintech neste ano, que está começando a desenvolver uma política na área.
Depois de faturar R$ 100 milhões no ano passado, a Finpec espera pelo menos dobrar a receita neste ano. O negócio é lucrativo e, por enquanto, foi bancado com recursos próprios dos sócios, sem investimento externo. A startup é uma das primeiras a participar do programa de inovação aberta Alfa Collab, do Conglomerado Financeiro Alfa.