Que o agro está cada vez mais fintech, isso não é mais segredo para ninguém. De olho no potencial do setor, especialmente em crédito para pequenos e médios produtores rurais, o Alfa acaba de assinar um cheque para a E-ctare, fintech de soluções em crédito para produtores rurais e toda a cadeia do agronegócio, conforme revelou a instituição com exclusividade ao Finsiders.
O aporte — de valor não revelado — inaugura os investimentos feitos pelo conglomerado financeiro por meio do seu programa de inovação aberta, o Alfa Collab, lançado em novembro do ano passado (como o leitor do Finsiders soube em primeira mão).
Um segundo deal já foi assinado e se tornará público em breve. Até o fim do ano, a expectativa é fazer um total de seis cheques, conta Francisco Perez, diretor de novos negócios do Alfa. Hoje, o Alfa Collab já reúne 18 startups, entre elas, fintechs Fiduc, Finpec, Marvin, SMU e a insurtech 88i.
Voltando para a operação com a E-ctare… O Alfa fez um investimento em troca de uma participação minoritária no negócio, e Perez ocupará um assento no conselho da fintech. Mais do que o equity em si, o grupo financeiro passará a operar a estruturação da carteira de crédito digital da startup, com previsão de disponibilizar um funding de R$ 600 milhões até 2023.
O recurso vai permitir à agfintech acelerar a oferta de crédito para pequenos e médios produtores em sua plataforma digital, saindo de um volume financeiro atual de R$ 200 milhões para R$ 5 bilhões em três anos, explica Marcell Salgado, cofundador e CEO da E-ctare, ao Finsiders.
“Passamos de R$ 200 mil de movimentação em janeiro de 2019 para cerca de R$ 50 milhões ao final de 2020 e, neste ano, atingimos R$ 200 milhões. Agora vamos poder atender os clientes que nos últimos meses começaram a bater à nossa porta, e tivemos de segurar [a liberação de crédito].”
Fundada em 2017, a E-ctare construiu uma carteira digital, chamada de E-ctare Pay, por meio da qual os produtores têm acesso a uma série de serviços e soluções alinhadas às suas necessidades, por exemplo, antecipação de recebíveis e cotações. Além de poder fazer transações financeiras básicas no aplicativo, como transferências via TED e pagamento de boletos usando QR Code. Ainda este ano, a ideia é incluir o Pix e, no ano que vem, lançar um cartão de crédito para o produtor, revela Marcell.
“A E-ctare nasceu aqui em Minas, mas já estamos em Goiás, indo para São Paulo, Nordeste. No Sul, temos operações. Agora queremos ganhar o Brasil”, diz o empreendedor, que fundou o negócio ao lado de Francisco Lúcio Rodrigues, Ely Prado, Juliano Zani (os três da software house Agely) e Fernando Alvarenga (presidente do armazém de café Peneira Alta). Entraram depois como sócios também Eduardo Bahia e Lívia Marques.
Hoje, a equipe tem 14 pessoas, e a expectativa é ampliar o time. Com o aporte do Alfa, o plano é também investir em tecnologia e marketing, diz o empreendedor, além de acelerar a oferta de crédito.
A startup atua com as culturas de café e leite, ajudando a desburocratizar todo o processo de produção, estoque e venda dos produtos. A empresa também faz operações no mercado de pecuária de corte e planeja expandir a atuação para culturas de grãos este ano, como milho e soja.
O tamanho das operações de crédito varia conforme o segmento ou a cultura. Em café, os tíquetes vão de R$ 60 mil a R$ 100 mil, com prazos entre 60 e 90 dias. No mercado de leite, os valores são menores: entre R$ 30 mil e R$ 50 mil, com prazo de 30 dias.
Já no gado de corte, o crédito tem um tíquete mais elevado, superior a R$ 600 mil por operação, com prazo de até 180 dias. Ao contrário de outras agfintechs, a E-ctare usa como garantia não as terras ou o patrimônio do produtor, mas sua capacidade de produção. “Não olhamos terras, e sim o que produz.”
Um diferencial que está diretamente ligado à experiência de Marcell no agro. Seu pai tem uma empresa no mercado de café há 40 anos, em São Sebastião do Paraíso, município na divisa entre Minas Gerais e São Paulo.
Antes de decidir empreender, Marcell chegou a montar uma filial do negócio da família em Andradas, cidade a 463 km da capital mineira Belo Horizonte. Foi ali que começou a ter um relacionamento direto com produtores rurais. “Cheguei a abrir uma carteira com 3 mil produtores familiares em Andradas”, conta.
E ao buscar digitalizar os processos da empresa, ele conheceu a software house Agely, que depois se tornaria sócia do que viria a ser a E-ctare, inicialmente com um aplicativo de cotação do preço do café em tempo real. O negócio evoluiu para uma solução de gestão de pagamentos em 2019, e no ano passado foram iniciadas as operações da carteira digital. A inspiração? “Construímos praticamente um ‘PicPay do agro’”, brinca ele.
A capacidade de execução do time fundador, o modelo de negócio bem desenhado e a tecnologia foram decisivos para o Alfa assinar o cheque, explica Perez. Ao contrário de outras agfintechs que nasceram nos últimos anos, a E-ctare está fazendo o caminho inverso, indo do campo para a Faria Lima. Ou melhor, para a alameda Santos, na região da Paulista, onde fica a sede do Alfa. Esse foi um dos aspectos que chamaram a atenção do novo investidor, somado ao foco do conglomerado financeiro no agronegócio.
“O agro é um segmento estratégico para o Alfa. Para 2021, essa estratégia foi reforçada, mas não tínhamos uma estrutura para alcançar pequenos e médios produtores. Pelo canal da E-ctare, podemos acessar esse perfil de cliente, basicamente pequenos produtores, que têm dor muito grande e ainda são dependentes de crédito de bancos públicos”, explica Perez.
O Alfa não divulga o valor do investimento, nem a fatia que vai deter no negócio. “O que podemos dizer é que é uma participação minoritária, e fizemos questão de manter o captable orientado para novas rodadas à frente”, diz.
O fato é que a E-ctare não está sozinha neste mercado. Muito pelo contrário. Nomes como TerraMagna, DuAgro, A de Agro (antiga Agronow), Bart, Traive, Nagro e Agrolend, entre outras, vêm avançando com soluções financeiras digitais para produtores rurais.
No fim do mês passado, a Nagro, fintech especializada em crédito rural, levantou R$ 35 milhões por meio de um FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios). A próxima tranche deve sair entre dezembro e janeiro. Neste ano, a startup planeja liberar R$ 100 milhões em crédito para mais de 1,5 mil produtores. A meta é alcançar 35 mil produtores até o fim de 2023.
A A de Agro, por sua vez, projeta liberar R$ 1,8 bilhão em crédito nos próximos 12 meses, conforme o fundador Rafael Coelho contou ao Finsiders, em julho. A primeira esteira de crédito da agfintech é fruto de uma parceria com o BTG Pactual, que também é investidor da startup.
(Colaborou Giovanni Porfírio)