Por Pedro Barreiro*, exclusivo para o Finsiders
Bancos tradicionais e fintechs parecem muitas vezes caminhar em sentidos contrários, ainda que os seus ‘core business’ sejam semelhantes. A explosão das fintechs nos últimos anos pôs em xeque a hegemonia dos grandes bancos, e um cenário de concorrência se instaurou no mercado global de serviços financeiros desde então. Mas essa realidade competitiva está mudando com a crescente colaboração entre ambas as partes — inclusive no Brasil.
Não é que a competição tenha deixado de existir. Passado o estranhamento inicial, tanto bancos como fintechs agora percebem que têm a ganhar ao fazerem parcerias com a outra ponta.
Os grandes bancos, confrontados com a realidade de que as fintechs continuarão a conquistar espaço, fecham colaborações com elas para fornecer serviços especializados que existem fora de suas ofertas principais e da velocidade e capacidade que as fintechs têm de escalar serviços e produtos. As fintechs, por outro lado, também ganham com a escala e expertise dos bancos e com a capacidade de trabalhar em conjunto para desenvolver novos produtos e serviços.
Apesar de seguirmos para um cenário de menos atritos, ainda existem algumas diferenças que tornam as parcerias um desafio.
As exigências regulatórias e de capital aplicáveis para cada lado são alvo de um longo debate no setor, e o Banco Central (BC) está discutindo e analisando para trazer a proporcionalidade de tratamento regulatório aplicados às fintechs, especialmente àquelas que têm tantos clientes quanto os grandes bancos tradicionais.
Os grandes bancos alegam que há uma assimetria regulatória, enquanto representantes das fintechs defendem a regulação proporcional, que considera o tamanho e a complexidade da operação.
A disparidade de visões quanto ao dia a dia operacional das empresas também representa um entrave à colaboração. As fintechs precisam ser pragmáticas, enquanto os bancos operam sob regulamentações rígidas. Inevitavelmente as fintechs que trabalham com os bancos podem enfrentar procedimentos morosos, várias avaliações de risco e muitas perguntas. Esse processo não é fácil, mas é esperado, e se frustrar com ele não traz resultados.
Fintechs emergentes podem se assustar com contratos cujos tamanhos rivalizam com uma edição de Ulisses (romance do escritor irlandês James Joyce) — e que funcionam para bancos, mas prendem a equipe jurídica de uma pequena fintech por meses.
O tratamento contratual também tem uma grande disparidade onde, na balança, o peso para os bancos e a inflexibilidade na alteração dos modelos podem se tornar um impeditivo para o negócio ou então, ainda pior, uma submissão das fintechs ao poderio financeiro dos bancos.
Para melhorar a relação
Os bancos precisam considerar o que uma parceria realmente significa. Se eles estão procurando por soluções padrões, então uma relação tradicional de serviço com outra empresa resolveria. Mas se desejam entregar algo único e inovador, devem buscar necessariamente uma parceria, e não um relacionamento comercial sem uma troca de ideias mais profunda.
Formar uma parceria significa trabalhar juntos, explorar opções e ser aberto, compartilhando pontos fracos, sucessos e objetivos. Ela não deve envolver processos de aquisição rígidos, que negam aos bancos os benefícios da flexibilidade das fintechs e sua capacidade de criar as melhores soluções para os problemas dos clientes.
Soluções prontas podem não existir para alguns problemas, mas novas soluções podem ser formadas se ambos os lados tiverem clareza sobre seus problemas e necessidades.
Meta e propósito compartilhados
Acima de tudo, é preciso haver honestidade. As fintechs precisam ser honestas sobre o estágio em que estão, as capacidades que têm e as que planejam construir. Exagerar nas credenciais só leva a problemas no futuro.
Os bancos, por sua vez, precisam ser claros sobre seu estágio de preparação: se já existe um projeto com um orçamento aprovado ou se estão apenas explorando opções. Sem essa clareza, as fintechs correm o risco de largar tudo para trabalhar em um negócio para só então descobrir que qualquer trabalho potencial está a três anos de distância.
Talvez o mais importante seja que bancos e fintechs compartilhem um objetivo comum. Os bancos não podem colaborar com uma fintech porque é o que está “na moda”, e as fintechs não devem estabelecer um relacionamento com bancos só porque querem um caminho rápido para crescer em escala. A união deve trazer algum benefício tangível para os clientes e melhorar a experiência geral.
Algumas perguntas ajudam a guiar essa parceria. Trabalhando juntos, um banco e uma fintech podem criar algo inesperado? Eles podem fornecer um serviço de uma maneira única? E eles podem fazer isso de uma maneira conveniente e fácil para os clientes? Se a resposta for sim, e houver um propósito claro para o trabalho, então ela pode funcionar.
A Wise, por exemplo, formou uma parceria com o banco N26 na Europa para oferecer transferências internacionais mais rápidas, convenientes e baratas para os clientes do banco, diretamente no aplicativo do N26. A colaboração funciona porque as duas empresas têm um propósito em comum: a transparência. O cliente está sempre no centro das decisões, que são guiadas pelo objetivo compartilhado, tornando o acordo mais sólido e proveitoso.
A iminência do Open Finance, que facilitará a troca de dados tanto entre as instituições financeiras como com os consumidores, também põe o cliente como prioritário. Instituições dos dois lados devem buscar soluções que agreguem valor ao cliente — um processo que depende da colaboração de todos os players do setor para ser bem-sucedido.
Um propósito compartilhado pode diminuir até mesmo as diferenças culturais mais difíceis, atraindo o foco e a atenção das pessoas envolvidas. Sem um propósito, pequenos mal-entendidos e imperfeições podem crescer, irritar e, eventualmente, fazer ambos os lados se questionarem por que eles estão passando por tudo isso juntos.
As diferenças são importantes e tornam as parcerias fortes, mas não podem atrapalhar o objetivo em comum. Os dois lados têm capacidade de agregar com perspectivas distintas — e nenhum deles será o mesmo depois da colaboração. Trabalhando juntos, fintechs e bancos podem aprimorar a experiência dos serviços financeiros no mundo todo.
*Pedro Barreiro é head de expansão da Wise no Brasil, fintech de remessas internacionais.
As opiniões neste espaço refletem a visão dos especialistas e executivos de mercado, e não a do Finsiders.
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