Novas regras para IPs mantêm bancos e fintechs em posições contrárias

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(Com Alessandra Taraborelli)
Aguardada pelo mercado desde o ano passado, a nova regulação para IPs (Instituições de Pagamento) – publicada pelo Banco Central (BC) em um conjunto de resoluções na última sexta-feira (15) – está dividindo opiniões entre executivos e especialistas do setor ouvidos pelo Finsiders. O consenso é de que o impacto começará a ser sentido a partir do ano que vem, quando as mudanças entram em vigor. A implementação completa ocorrerá em janeiro de 2025.

“O BC tentou o meio-termo, equilibrando as exigências à medida que as IPs vão crescendo. É natural exigir algumas contrapartidas de risco, mas sem apertar demais porque inibiria a inovação”, avalia o colunista do Finsiders Carlos Augusto de Oliveira, ex-CIO do Banco Original, ex-diretor do Itaú Unibanco, atualmente CEO da Certdox e membro do pool de fintechs da Bossanova Investimentos.

Após a autorização para operar pelo BC, as IPs estarão temporariamente dispensadas de deduzir os ativos intangíveis do seu capital regulamentar. Essa dispensa será integral nos primeiros 12 meses, e no montante de 50% dos ativos intangíveis nos 12 meses subsequentes. Para o regulador, isso tem efeito incentivador porque uma característica das fintechs é o elevado investimento inicial em tecnologia, sistemas e softwares, que constituem importante parcela dos ativos intangíveis.

“Em parte, o regulador acertou porque não exige isso logo na partida da fintech. Por outro lado, essa gradualidade que começa no segundo ano da IP pode ter sido um aperto um pouco forte demais. O grande risco, na minha visão, é para IPs que ainda não são grandes, justamente o que a gente chama de ‘vale da morte’”, analisa Carlos Augusto. “Mas não dá para medir o impacto disso agora porque ainda haverá novas regras. Só o tempo vai dizer se foi ou não muito apertado.”

Para Diego Perez, presidente da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs), o BC surpreendeu na questão da proporcionalidade direcionada para fintechs que tenham uma instituição financeira em sua composição. “O BC procurou aproximar as fintechs dos bancos, mas os produtos são distintos, o alcance é menor, assim como a exposição ao risco. O BC pesou a mão no risco que não é alto”, defende o especialista, em entrevista ao Finsiders.

Para o executivo, a surpresa se deve porque o órgão regulador não trouxe este nível de complexidade durante a consulta pública. “O BC pesou a mão para as fintechs que têm instituição financeira”, avalia. De acordo com ele, ao contrário dos bancos que podem utilizar o dinheiro do cliente que está disponível em conta da forma que achar conveniente, as fintechs que operam como IPs não têm essa opção.

Neste caso, é necessário segregar o valor, depositar no BC ou ainda convertê-lo em títulos públicos resgatáveis com alta liquidez, não sendo possível usar os recursos para compensar uma perda, por exemplo. “Esse é um tratamento desproporcional para as fintechs que já têm um risco controlado”.

Na análise de Diego, o BC sofreu pressão dos grandes bancos para a adoção dessa medida. O fato de algumas fintechs, como Nubank e Stone, por exemplo, terem ficado grandes, incomodou os ‘bancões’. “Os bancos tradicionais foram para cima. Já que ia mexer na regra, porque não aproximar dos bancos, já que eles disputam o mesmo cliente”, argumenta o especialista.

Para ele, a autoridade monetária incentivou que as fintechs continuem existindo, mas de certa forma desincentiva que elas se tornem grandiosas ao longo do tempo. “No longo prazo pode perpetuar o poderio das grandes instituições”, avalia Diego. Por outro lado, o especialista ressalta que para as fintechs “puras” houve um tratamento proporcional esperado, diferenciado dos bancos.

“O BC entendeu que precisava ter um tratamento atípico e se distanciar da regulação que foi criada para as instituições financeiras. O tratamento proporcional foi positivo. O pequeno sendo tratado como pequeno, mas com possibilidade de virar médio”, pondera, acrescentando que a dificuldade ficou do médio virar grande.

Amadurecimento do mercado

Vale lembrar que o movimento de crescimento das fintechs no mercado brasileiro ganhou força justamente a partir da criação da figura das IPs, em 2013, e se intensificou com a regulamentação das SCDs (Sociedades de Crédito Direto) e SEPs (Sociedades de Empréstimo entre Pessoas). Tanto é que o número de pedidos de licença de SCD e IP, principalmente, vem aumentando nos últimos anos, conforme dados divulgados em dezembro pelo regulador.

Para o especialista em inovação financeira Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem, as novas normas publicadas pelo BC são um movimento inevitável e um reflexo do amadurecimento do ecossistema de fintechs nos últimos anos. “É natural esse movimento de adaptação da regulação”, diz. “Estamos sendo reféns do nosso próprio sucesso.”

O impacto, avalia Bruno, será sentido com o tempo. De imediato, o efeito foi negativo para as fintechs com ações negociadas em bolsa. Por exemplo, os papéis do Nubank – que já vinham sendo pressionados – seguiram em queda. Desde dezembro, o banco digital perdeu US$ 27,65 bilhões em valor de mercado.

“O mercado reagiu mal de cara para as fintechs. Mas lembrando que é um processo paulatino. Só o tempo vai dizer se as novas regras serão um gargalo para o ritmo de inovação no setor”, analisa o especialista.

Diego, da ABFintechs, concorda que os efeitos das novas regras para IPs começarão a ser sentidos mais à frente, especialmente a partir de 2023, quando as novas normas entram em vigor. “Ainda é muito cedo. Primeiro a gente precisa entender como o mercado vai se adaptar, se vão continuar surgindo fintechs e confirmar a tese de que, se ficar grande, vai estagnar”, avalia.

O especialista pondera que qualquer movimento tem que ser proativo e não depreciativo, no sentido de trazer estudos e alternativas que possam ser sugeridos à autoridade monetária. “É importante para o mercado inteiro poder simular o impacto, sentir qual a repercussão que vai ter em cada operação, e entregar isso para o BC para até fazer algum ajuste, se necessário”, complementa Carlos Augusto.

Na Febraban (Federação Brasileira de Bancos), as novas regras foram recebidas de forma positiva. “O novo arcabouço é um caminho natural, que reflete o amadurecimento do setor de pagamentos no país cujo crescimento tem trazido benefícios em termos de competitividade e eficiência”, diz Isaac Sidney, presidente da entidade, em nota.

O executivo pondera que as normas ainda exigem uma análise mais aprofundada, assim como lembra que outras regras serão divulgadas pelo regulador. “Em uma primeira avaliação, o Banco Central, como regulador do setor bancário, deu um passo muito importante e na direção correta”, avalia ele, no texto.

Para a Zetta — que tem algumas das maiores fintechs, como Nubank, Mercado Pago e Creditas entre os associados –, as novas regras do BC impactam negativamente a competitividade do setor. Na visão da associação, mesmo com a criação de categorias, o novo modelo equipara riscos e complexidades diferentes ao fazer referência à consulta pública 80.

“Apesar do papel fundamental das instituições de pagamento no processo de inclusão financeira, o novo modelo diverge da proposta original do Banco Central, que havia desenhado uma regulação específica, proporcional e adequada para o mercado brasileiro, e incluía bancos pequenos e médios”, argumenta a entidade, em nota.

Nubank

Em comunicado ao mercado divulgado ontem (14), o Nubank afirmou ter uma posição de capital forte e adequada à exigência do novo marco regulatório. “Considerando que o quesito de exigência de capital nunca foi considerado uma vantagem competitiva, essa alteração não tem um impacto significativo no nosso modelo de negócios ou em nossa capacidade de crescimento”, assegurou o banco digital.

De acordo com a instituição, o calendário de implementação gradual das novas regras foi estendido na comparação com a proposta apresentada na consulta pública 78, o que significa uma “exigência de capital menor em 2023 e 2024 do que nossas expectativas originais baseadas no ECP 78”.

Estimativas preliminares feitas pelo Nubank indicam em janeiro de 2025 — quando as novas normas terminam de ser implementadas — uma exigência de capital para todo o conglomerado entre 10 a 15% maior do que o nível inicialmente previsto na consulta pública 78.

“Essas estimativas preveem um aumento nas exigências de capital aplicáveis ao nosso negócio de cartões de crédito (alinhando-as com as diretrizes de Basileia III), mas mantendo praticamente inalteradas as exigências de capital para nossos demais negócios”, diz o banco digital, no comunicado, ponderando que uma avaliação mais detalhada dos efeitos da nova regulação dependerá da edição de novas normas pelo BC.

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