Dario Palhares
O Diesel Bank, que oferece a caminhoneiros contas digitais gratuitas, cartões de débito e cashback em compras de diesel em postos credenciados, acaba de receber a chancela de uma gigante global da indústria automotiva, a Mercedes-Benz.
A fintech de Campinas (SP) começou a ser acelerada pelo programa Movemos o Mundo, tocado pela montadora no Brasil, onde é a segunda maior fabricante de caminhões (22,25 mil unidades nos nove primeiros meses do ano). A plataforma de inovação aberta Liga Ventures também é parceira.
Em sua segunda edição, o projeto da dupla contempla outras três startups, de diferentes ramos: a capixaba 2Solve, a paulista Qexpert e a gaúcha Allexo. “Somos a primeira fintech a participar do Movemos o Mundo”, afirma o cientista de computação Lucas Rodolfo, de 28 anos, CEO e cofundador do Diesel Bank.
Expertise em finanças não falta à subsidiária local da montadora alemã. Seu braço no segmento, o Banco Mercedes-Benz (BMB), constituído há 26 anos, opera com financiamentos de veículos, crédito direto ao consumidor (CDC), seguros, leasing e detinha, em setembro, uma carteira de empréstimos de R$ 15 bilhões, 23% a mais do que o montante registrado em igual período da temporada anterior.
Apesar de todo esse know-how, a montadora se declarou disposta, no edital de convocação da segunda rodada do Movemos o Mundo, a promover “experiências diferenciadas” para “todos os clientes das cadeias de transportes de passageiros e cargas” (…) “através de soluções de meios de pagamentos e serviços financeiros diversos”.
Da teoria para a prática, esse enunciado se traduziu na apresentação ao Diesel Bank do desafio para o equacionamento de um problema específico do mercado de logística. A fase de ideação da proposta, já em andamento, termina em novembro. A partir daí, a fintech terá pouco mais de três meses para desenvolver uma ferramenta capaz de descascar o abacaxi que lhe foi entregue.
“Só posso dizer que a solução em questão, que abrange caminhões e ônibus, não está em nossa plataforma e nem na da Mercedes”, diz Rodolfo, que sonha em se tornar fornecedor da montadora. “A possível compra da nossa ferramenta será discutida após o fim da aceleração.”
A participação no programa Movemos o Mundo, a partir de um convite da Liga Ventures, ocorre em um momento singular da trajetória do Diesel Bank – que inaugura a série de reportagens especiais de Fintechs Brasil sobre as startups de finanças de Campinas.
Hoje com mais de 20 mil correntistas, cerca de 150 postos credenciados e um volume de operações de R$ 250 milhões nos últimos 12 meses, a fintech se encontra em expansão. No início de 2022, por exemplo, estendeu seus serviços para transportadoras, oferecendo-lhes antecipações de fretes.
“Desde janeiro, já liberamos mais de R$ 30 milhões para cerca de 240 empresas de logística”, diz Rodolfo. “O mercado de fretes movimenta mais de R$ 300 bilhões por ano, mas as transportadoras enfrentam problemas crônicos de fluxo de caixa, já que recebem somente 30 dias após a prestação dos serviços e, de quebra, dispõem de poucas opções de financiamento.”
O cardápio da casa vai ganhar mais reforços em breve. O pacote inclui contas digitais para transportadoras, cujas operações estão concentradas em grandes bancos, e produtos voltados às famílias dos caminhoneiros, como crédito estudantil e assistência de saúde. Para o seu público-alvo principal, os 800 mil motoristas de caminhão autônomos em atividades no país, que gastam de R$ 40 a R$ 50 mil por mês só com combustível, o Diesel Bank prepara três novidades.
“Daqui a seis meses vamos lançar o cartão de crédito dos caminhoneiros. Além disso, estão previstos uma linha de crédito pessoal livre de garantias e seguros para os celulares dos motoristas, que são muito visados por assaltantes”, diz Rodolfo, que traça grandes metas para o negócio. “Em 2024, pretendemos contar com 150 mil correntistas e um volume de R$ 1 bilhão.”
A ampliação da cadeia credenciada de 150 postos de combustíveis, que garante cashbacks de até dez centavos por litro de diesel adquirido, terá papel fundamental na execução desse plano. Hoje espalhada por Maranhão, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Piauí, a rede – que conta ainda com nove salas vips, onde os motoristas podem tomar café, descansar, acessar a internet e, claro, conhecer os serviços prestados pela fintech – ganhará novos pontos nas regiões já atendidas e em quatro grandes corredores de escoamento da produção de grãos: Rondonópolis – Santos, Rondonópolis – Paranaguá, Luís Eduardo Magalhães – Salvador, e Rio Verde – Vitória.
“Vamos credenciar mais dez postos só em Rondonópolis, alguns dos quais estão entre os maiores vendedores de diesel do país. A ideia, até 2024, é contar com mais de 500 postos e 35 salas vips”, conta Rodolfo, que também segue em busca de preços mais camaradas para seus clientes em outras frentes. “Estamos negociando descontos em pedágios com a concessionária CCR”.
Para bancar a expansão, a startup, que recebeu meses após a sua largada um aporte de R$ 2,5 milhões, programa uma nova injeção de capital. Até o fim do ano, deverá ser realizada uma rodada de investimentos para a captação de pelo menos R$ 10 milhões. Outras estão previstas a médio prazo, para sustentar o projeto de internacionalização, que já começa a ser rabiscado.
“Até 2025, pretendemos colocar o pé em outros pontos da América Latina. Argentina, Chile e México serão as prioridades na região”, diz Rodolfo. “Ainda temos, porém, muito trabalho pela frente para digitalizar as finanças do mercado de transporte de cargas no Brasil. Seriam necessárias 200 fintechs como o Diesel Bank para dar conta, mas só há quatro ou cinco.”
Nascida no asfalto
Há três anos na estrada, o Diesel Bank guarda fortes vínculos com o asfalto. A fintech buscou confirmar a viabilidade de sua proposta durante um “estágio”, por assim dizer, do cearense Lucas Rodolfo e dos outros sócios-fundadores, o paulista João Victor Fernandes e o maranhense Filipe Marinho Moura, em um posto de combustíveis da família dos dois primeiros, que são primos, no Maranhão. A intenção era avaliar a disposição dos caminhoneiros a digitalizar suas finanças.
“Entrevistamos pelo menos cem motoristas, que, além de se mostrarem interessados na nossa ideia, chamavam colegas e amigos para prestar depoimentos”, conta Rodolfo. “Um deles, lembro bem, disse que nem andava com cartão. Centralizava todas as suas operações no celular.”
A experiência no posto do Maranhão, no fim de 2019, rendeu outras lições à startup. Por sugestão dos entrevistados, Rodolfo e seus sócios decidiram deixar de lado o nome original do negócio, CargoPag, que lembrava aos caminhoneiros o oneroso cartão frete, uma das ferramentas de remuneração pelos seus serviços. “Desde então, eles viraram nossos consultores”, diz o CEO. “A rede de postos credenciados, por exemplo, foi formada com base em suas indicações.”
De volta a Campinas, onde Rodolfo e Fernandes haviam se graduado em ciência da computação na Unicamp, os sócios do Diesel Bank (denominação adotada em fevereiro de 2020) encontraram terreno fértil para fazer vingar a sua proposta. Além de uma injeção de capital de R$ 2,5 milhões, viabilizada pela Rede UniAngels, ligada ao ecossistema Unicamp, eles receberam orientação de Carlos Netto, fundador da Matera, fintech campineira de ponta. Conhecido como TK, Carlos lhes indicou como mentor Juliano Dutra, ex-sócio do iFood e também graduado em ciência da computação pela Unicamp, que se tornou investidor e membro do conselho do Diesel Bank.
“O ambiente de inovação em Campinas, que tem a Unicamp como ponto central, é extraordinário. Além de profissionais de altíssimo nível, ele se destaca pela intensa cooperação”, diz Rodolfo. “O Diesel Bank, por sinal, já contribui para manter viva essa tradição: dos nossos 30 funcionários, dos quais 80% são ex-alunos da Unicamp, surgirão, com certeza, novos empreendedores.”