Por Jiane Carvalho, para o Finsiders
O mercado brasileiro vem registrando nos últimos anos um forte crescimento na oferta de ativos digitais, com o desenvolvimento de um importante ecossistema cripto, composto por tokenizadoras, exchanges, desenvolvedoras de softwares e até mesmo bancos tradicionais se posicionando dentro da nova realidade.
Enquanto países como Austrália, Luxemburgo e Cingapura já avançam ao criar regras que melhorem a segurança nas transações e emissão de ativos digitais, no Brasil o tema ainda patina. No Congresso Nacional, a regulamentação dos criptoativos está parada na Câmara dos Deputados. No órgão regulador do mercado de capitais, a CVM, houve recentemente algumas sinalizações relevantes sobre o tema, embora a demanda do setor seja por regras próprias para este mercado.
Na visão de agentes da indústria de criptoativos, a regulação será importante para colocar o Brasil na vanguarda do tema desde que não crie barreiras para o crescimento do setor. “Os ativos digitais, tokenizados, já são uma realidade, e não algo do futuro. Hoje, temos dois mundos que convivem, o de cripto sem regulação e outro dos ativos regulados. O ecossistema em volta da tokenização tem conseguido avançar mesmo sem regras, mas alguns movimentos que sinalizam mudanças adotados pela CVM e mesmo pelo Banco Central são positivos”, comentou Marcelo Duarte, product manager da Sinqia, acrescentando que “os tokens tendem a seguir os passos dos ativos do mundo real.”
O executivo, que participou do evento “Qual o futuro do mercado de criptoativos”, realizado na Acate, em Florianópolis (SC), se refere ao parecer emitido no dia 11 de novembro pela CVM de orientação sobre criptoativos, numa primeira abordagem do regulador do mercado brasileiro de capitais para normatizar emissões e negociações de ativos digitais. Segundo o documento, a tokenização de ativos não está sujeita à prévia aprovação ou registro da CVM, mas emissores e a oferta dos tokens estarão sujeitos à regulamentação, assim como a administração de mercado organizado.
O advogado Erik Oioli, sócio do escritório VBSO Advogados, defende uma regulação dos criptoativos como forma de proteger o mercado de situações que pesam sobre o segmento, citando a quebra da FTX que levou a prejuízos bilionários e comprometeu outros agentes do segmento de cripto. “A FTX é evidência da necessidade de regulação, um episódio ruim para o desenvolvimento dos mercados. Vejo o próprio BC, com sua agenda BC#, sinalizando que busca um mercado com mais atores, competitivos, mas sem elevar o risco sistêmico”, disse.
Para o advogado, as orientações da CVM são muito importantes ao indicar que, na ausência de regras específicas para o mercado de criptos, vale o que for equivalente na regulação para valores mobiliários. “Em todas as situações em que o token for considerado valor mobiliário, como token de ação o de debêntures, se for emitir e ofertar ao público seguem regras já existentes para ações ou debêntures. É algo que sinaliza, mas não resolve”, afirmou, acrescentando que são necessárias regras específicas. “Ativos mobiliários precisam de depósito central, a B3 por exemplo, mas será que ativo em blockchain precisa mesmo? Tudo isto tem que ser equacionado.”
O Mercado Bitcoin (MB), maior exchange da América Latina, é outro agente importante que se diz “pró-regulação”, nas palavras de Juliana Facklmann, diretora global de regulatory affairs and product design – crypto para Latam e Europa. “O mercado não ser regulado hoje é ruim, tanto que a Febraban e a ABFintechs estão pressionando na Câmara para acelerar o projeto”, lembra a executiva. “O mercado brasileiro não cresce mais por falta de regras. Países com boa regulação atraem mais investimentos e investidores institucionais em cripto com ocorre em Luxemburgo e Cingapura, por exemplo.”
Web 3.0
Outro tema importante tratado durante o evento foi o desenvolvimento da Web 3.0 e as possibilidades de utilização desta terceira fase da internet. “Se as startups nasceram na Web 2, agora é a vez da Web 3 virar realidade e distribuir conhecimento, de forma onipresente, com inteligência artificial e hiper velocidade de conexão”, defendeu Alexandre Adoglio, CEO da Sonica, acrescentando todo o contexto formado por blockchain, cripto e Web 3.0 permitem que a chegada das operações em protocolo DeFi [sigla em inglês para finanças descentralizadas].
“Com o desenvolvimento deste ecossistema, todos podem gerir suas finanças, aplicar do dinheiro, emprestar ou receber sem que tenha que estar atrelados a um banco ou gestor”, afirmou Alexandre, acrescentando que tudo ocorre de forma decentralizada, anônima e pública.
A importância da Web 3.0 e de uma nova realidade no mundo das finanças descentralizadas tem atraído também a atenção de grandes players tradicionais como o Itaú, que é um dos sócios da Liqi Digital Assets. Na visão de Daniel Coquieri, CEO da Liqi, esta é uma tendência. “Vemos o Itaú e outros players tradicionais que estão interessados em inovar, participar de toda esta revolução dos ativos digitais, do blockchain. Eles sabem que o mundo vai mudar e querem participar.”
Um exemplo desta nova realidade é a iniciativa da Débito Direto, que fornece APIs para integração na plataforma de bancos, fintechs e outras instituições financeiras. A empresa olha a Web 3.0 voltada para uma parcela da população que não está interessada na compra de tokens de ações ou desconto de duplicata, mas querem pagar boletos sem ter qualquer ligação com bancos. “Tem uma parcela gigante da população que ainda é desbancarizada. Querem continuar assim, mas se beneficiar do pagamento de diversas contas de consumo de forma digital. Queremos trazer faturas do dia a dia para a web 3.0”, afirmou Bruno Grahl, CEO da Débito Direto.
Leia também:
Febraban, ABFintechs, ABCripto e outras entidades pedem aprovação do PL Cripto
Com parecer, CVM busca dar mais transparência a criptoativos
Bolsa para startups e Open Capital Market estão na mira da CVM