Nascido em Israel e radicado há tempos no Brasil, o cientista de computação Michel Cusnir herdou de seus patrícios o pendor pelo empreendedorismo e a inovação. Parceiro de Fabrício Floisi (leia-se Movile e iFood) em uma startup de vida breve criada há 28 anos na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp), Cusnir resolveu, em meados de 2016, encerrar uma longa trajetória como executivo no ramo de telecomunicações e tirar do papel um novo negócio pra chamar de seu.
O projeto resultou na Diletta Solutions – tema da terceira reportagem da série especial do Fintechs Brasil sobre o ambiente de inovação em Campinas (SP). A Diletta tinha por meta, na origem, fornecer softwares operacionais para startups de diversos segmentos e acabou por se tornar, a pedidos, uma linha de produção em série de bancos digitais.
“Por volta de 2018, começaram a surgir demandas crescentes de interessados em ingressar no setor financeiro, como reação tardia à regulamentação, em 2013, dos arranjos de pagamento”, conta Cusnir. “O que mais ouvíamos eram solicitações do tipo: ‘Sabe o Nubank? Quero um igual!’”
Os aspirantes a “banqueiros” tornaram-se, então, prioridade absoluta da jovem empresa. Para atendê-los, foi lançado o Diletta On, um serviço 100% customizado. Como, no entanto, o desenvolvimento de softwares sob medida tem preços bem salgados – incluindo gastos ao redor de R$ 2,5 milhões só para a criação de um aplicativo –, a opção, que segue no menu da casa, rendeu, de início, apenas cinco contratos, todos firmados com peixes graúdos. A democratização do acesso ao mercado financeiro só foi viabilizada com a apresentação, em 2020, do Diletta Pay.
“Trata-se de uma plataforma white label que permite colocar em operação, em poucas semanas, um banco digital completo, com aplicativos IOS e Android, Pix, conta garantida, cartão de crédito pré-pago, emissão e pagamento de boletos, envio de TEDs, recarga de celular etc.”, explica o fundador e CEO da Diletta. “O custo é bem acessível: o set up de uma versão pouco customizada do Diletta Pay sai por cerca de R$ 20 mil. Além disso, cobramos R$ 2 mensais por conta.”
A ferramenta, que oferece instrumentos de “calibragem” de tarifas e spreads a seus adeptos, vem garantindo boas receitas à desenvolvedora de softwares. O Diletta Pay já contabiliza 30 clientes, casos do Noodle, fintech que presta serviços financeiros à comunidade artística, e do Liveb Bank, ligado ao grupo homônimo de Ribeirão Preto (SP), voltado aos segmentos imobiliário e de construção civil. A carteira de usuários, tudo indica, deve crescer de forma exponencial nesta temporada, já que a startup de Campinas mantém negociações com outros 200 candidatos.
“O pipeline do Diletta Pay vai muito além de fintechs e outros negócios atrelados ao mercado financeiro, que respondem por não mais do que um sexto dos usuários da plataforma”, diz Cusnir. “Boa parte da nossa clientela é formada, por exemplo, por cooperativas e redes de varejo.”
Desde o lançamento, o carro-chefe da Diletta vem ganhando, regulamente, novos acessórios. Um dos destaques mais recentes são terminais POS, desenvolvidos em conjunto com um subadquirente, para clientes focados em pessoas jurídicas. A próxima funcionalidade a sair do forno será, tudo indica, o crédito consignado, em parceria com um agente tradicional no segmento. “Em paralelo, estamos intensificando contatos com nomes de prestígio em crédito, investimento e câmbio”, diz Cusnir, que é só otimismo. “O Diletta Pay tem potencial para reunir milhares e até dezenas de milhares de clientes até o fim da década. Acreditamos muito na ‘cauda longa’, ou seja, empresas a partir de médio porte sem vínculos diretos com o universo financeiro.”
Para expandir a capacidade de atendimento, a Diletta vai recorrer a capitais de terceiros. Cusnir já toma providências a respeito, mantendo contatos com fundos de investimento. O objetivo traçado é captar R$ 10 milhões em uma rodada de investimento a ser realizada até fim do primeiro semestre. Se efetivada, a injeção de recursos servirá para reforçar, de forma considerável, a equipe do Diletta Pay, que conta com cerca de metade dos cem profissionais da software house. “A meta é fechar o ano com um time na faixa de 200 a 300 profissionais dedicados à plataforma. A área de desenvolvimento terá prioridade no preenchimento dessas vagas“, diz Cusnir.
Apoio acadêmico e empresarial à inovação
Graduado na turma de 1998 do Instituto de Computação (IC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Michel Cusnir mantém firmes os elos com o seu berço acadêmico. Além de ter instalado a Diletta Solutions na Cidade Universitária Zeferino Vaz, o empresário atua como conselheiro e investidor na Inova Venture Participações (IVP), sociedade de participações criada há 12 anos com o apoio da Agência de Inovação da Unicamp, a Inova, do Núcleo Softex Campinas (NSC), que reúne empresas de software e de base tecnológica de ponta, e da rede de empreendedores Unicamp Ventures, formada por ex-alunos e ex-professores da universidade.
“A abertura de um escritório na Cidade Universitária não é uma tarefa das mais simples: os candidatos precisam ter vínculos com a Unicamp e contar com caixas reforçados, já que os aluguéis não são baratos”, diz Cusnir. “O esforço, no entanto, vale a pena. O ambiente é muito rico, permite contatos e interações constantes com alunos, professores e pesquisadores.”
Baseado na excelência da Unicamp, listada entre as 350 melhores universidades do planeta pelo Center for World University Rankings (CWUR), o ecossistema de inovação de Campinas conta ainda com a firme colaboração do setor privado. Várias das 1.061 “empresas filhas” da Unicamp garantem recursos e mentoria a novos negócios criados por alunos da universidade. “O apoio aos negócios surgidos na Cidade Universitária, que já tem história, foi uma tradição inaugurada, entre outros empresários, por Carlos Neto, da Matera. A IVP tem a mesma proposta”, diz Cusnir.
O exemplo segue gerando frutos. Há dois anos, três jovens engenheiros graduados na Unicamp criaram a rede UniAngels, formada por empreendedores, mentores e investidores conectados à Unicamp. O grupo já soma mais de 400 associados, dos quais 170 investidores, e aportes em dez startups, caso do Diesel Bank, tema da primeira reportagem do Fintechs Brasil sobre fintechs campineiras.
“A UniAngels surgiu para suprir a carência de investimentos-anjo em Campinas e região”, diz a diretora e fundadora Elisa Pereira, que, assim como seus pares, trabalha de forma 100% voluntária para a rede. “Startups ligadas ao ecossistema da Unicamp têm, portanto, preferência na análise e avaliação. Mas estamos abertos a propostas de inovação de outros pontos do país.”
A programação da rede para 2023 é ousada. As principais metas estabelecidas são a duplicação da carteira de investidas e o início dos trabalhos de mentoria, inclusive para startups ainda não contempladas pelos investidores ligados à UniAngels. Outra novidade é a oferta de um pacote de serviços e produtos para novos e promissores negócios de viés tecnológico. “Já temos parcerias nas áreas jurídica e contábil. A ideia é ampliar o leque e cobrar os menores valores possíveis das startups”, diz Elisa, que atua na empresa de venture capital 39A Ventures, de São Paulo.