Nova regulação das IPs começa a ter efeito

Em sua coluna, Carlos A. de Oliveira reflete sobre os primeiros efeitos que as mudanças regulatória das IPs já vem provocando no mercado

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Em março, o Banco Central (BC) divulgou — com muito barulho — novas regras para o enquadramento das fintechs, com o objetivo de oferecer aos clientes dessas instituições de pagamento (IPs) mais segurança em suas operações.

Embora a implementação seja gradual (a entrada em vigor se inicia em janeiro de 2023 e o ciclo se completa em janeiro de 2025) para dar o tempo necessário às IPs adequarem seus controles internos e estrutura patrimonial, eles começam a gerar efeitos no planejamento estratégico em função dos seus impactos.

A nova regulamentação das IPs

Resultado do sucesso e crescimento do movimento de inovação e diversificação das startups financeiras, o objetivo das medidas foi claramente enquadrar as fintechs que, em função do porte, aumentaram a complexidade dos seus modelos de negócio nos últimos anos, preservando por outro lado o estimulo para os novos entrantes e mantendo o processo de disrupção da indústria financeira.

Com isso, as regras para IPs passariam a variar conforme porte e complexidade, sendo aplicadas de forma proporcional aos riscos da estruturação do negócio, seguindo um modelo já aplicado ao mercado tradicional bancário.

Um desafio complexo e delicado – muitas vezes mal compreendido – de reagir com um timming adequado para mitigar o risco do mercado, equilibrando com o estimulo a inovação e, portanto, mantendo apetite a novos riscos, mas fornecendo um ambiente de confiança e estabilidade jurídica mínima aos players do mercado para atração dos investidores e empreendedores que tanto propiciam a evolução da indústria.

Carlos A. de Oliveira, CEO da Certdox (Divulgação)
Carlos Augusto de Oliveira, CEO da Certdox (Divulgação)

Neste sentido, existe um princípio empírico, e não totalmente consensual, que conforme as IPs e fintechs crescem, sofistica-se o modelo de governança e o risco vai se aproximando ao verificado nos bancos.

Assim sendo, as novas regras de funcionamento para IPs aumentam as exigências aplicadas às fintechs que se desenvolveram no país, estabelecendo normas mais duras para as empresas de maior porte e complexidade neste segmento, com aumento dos requerimentos de capital para absorção de perdas em situações de estresse financeiro, adequando as exigências conforme os riscos de cada tipo de atividade de pagamento ou financeira.

Entre as mudanças, foi ampliada a exigência de qualidade do capital requerido para funcionamento dessas instituições. Para isso, serão deduzidos desse cálculo os ativos que possuem pouco ou nenhum valor para manutenção do funcionamento da instituição em situações de estresse, como bens intangíveis e créditos tributários.

Foi criada a parcela dos ativos ponderados pelo risco de serviços de pagamento (RWASP), englobando as fintechs com atividades de credenciamento, emissão de moeda eletrônica e iniciação de transação de pagamento.

As novas regras também adequaram o requerimento de capital em conformidade com os riscos combinado entre as duas atividades (fintech ou banco) para empresas que estão dentro do mesmo conglomerado.

O pacote alcança, portanto, companhias que tiveram forte crescimento no país nos últimos anos, como Nubank, PagSeguro, Stone e PicPay, que terão que seguir com uma regulamentação dura, semelhante à dos grandes bancos, pois o entendimento do BC é que, nesse processo, “parte desse segmento criou subsidiárias financeiras e passou a assumir novos riscos, sem requerimentos prudenciais proporcionais”.

Efeito mais imediato

As regras simplificadas continuam valendo tanto para novas empresas que ainda não atuam no segmento quanto para os conglomerados que são liderados por IPs, mas não integradas por instituição financeira em função do seu baixo risco.

No entanto, um dos principais objetivos desse pacote de medidas foi justamente o de fazer com que as ‘fintechs – conglomerados’ – que antes só atuavam no segmento de pagamento e passaram a se posicionar como instituição financeira devido à ampliação de serviços oferecidos – respeitem as mesmas regras já existentes e válidas para os bancos tradicionais na medida que a operação se aproximam destes incumbentes.

Chama, portanto, atenção este ponto fundamental da nova regulamentação, que foi a criação de uma categoria especifica para “conglomerado prudencial liderado por instituição de pagamento e integrado por instituição financeira ou outra instituição autorizada a funcionar pelo Bacen”, classificado como tipo 3, com o objetivo então de enquadrar exigências prudenciais para essas empresas sejam aplicadas de forma agregada a todo o conglomerado prudencial – repito, como já é realizado com os bancos tradicionais.

Leia mais: Novas regras para IPs mantêm bancos e fintechs em posições contrárias

Isto foi cuidadosamente estruturado porque muitas fintechs, apesar de passarem a contar com o recurso de possuir uma licença bancária, decorrente do crescimento de atuação da operação, utilizava-a até então de forma marginal e conveniente, e sem os encargos normalmente exigidos de reporte e capital prudencial.

Precisarão, daqui em diante, rever seus processos e encorpar os seus controles, pois passam a ter requerimentos equivalentes aos bancos do mesmo porte.

Além disso, baseado no porte, as fintechs classificadas como “tipo 3” passam a ser enquadradas e distribuídas entre as categorias S2 e S5, seguindo o tradicional critério e exigências prudenciais crescentes, já aplicado às instituições bancárias.

Por que, então, vale a pena agora virar banco?

Ser banco sempre significou ter acesso a um custo de captação reduzido por poder utilizar o saldo em deposito à vista dos clientes — o que em um cenário transitório como o atual de alta juros torna esta atratividade ainda maior –, mas que sempre significou custos adicionais, decorrente de um pacote de controles rígidos, fortalecimento da estrutura de governança e dezenas de reportes complexos assim como envio de informações diárias ao BC.

O caminho para a transformação em banco envolve, portanto, um trade-off complexo que, por isso, sempre foi no mínimo adiado pelas fintechs, embora várias delas possuíssem licença bancária.

Ao equalizar e elevar as exigências, enquadrando os requerimentos pelo conglomerado financeiro, o BC acaba provocando uma revisão nestas avaliações, impulsionado indiretamente o uso da plataforma bancaria.

Caso PicPay pode se tornar uma tendência

Um caso exemplar é o do PicPay, que societariamente está ligado à J&F (também dona do Banco Original), mas se utiliza da plataforma de banking as a service (BaaS) da instituição, se beneficiando dos serviços oferecidos domesticamente e evitando os ônus burocráticos bancários.

Como grupo, já possuía internamente uma outra licença bancária praticamente ociosa (Banco Original do Agronegócio) e dado agora o inevitável enquadramento e ônus regulatório, nada mais natural então que passar a utilizá-la e, então, ao menos usufruir dos seus interessantes benefícios e alavancar a sua crescente operação de crédito, sendo renomeado recentemente como PicPay Bank.

Em função desta nova dinâmica, podemos esperar que outras fintechs de grande porte sigam o mesmo caminho, incorporando o uso do veículo e passem a operar como bancos, se beneficiando do saldo de depósitos dos clientes para melhorar a eficiência da operação.

Com o início da entrada da nova regulamentação a partir do próximo ano, quanto maior for a fintech, ela terá que se enquadrar em maiores e novas exigências, mas também melhores são os estímulos e benefícios para usar plenamente a plataforma bancaria.

Neste caminho, além do Nubank, fintechs como Mercado Pago e PagSeguro, entre outros, que possuem licença bancária mas atuam predominantemente como IP, devem brevemente começar a se posicionarem como bancos (ainda que mantendo a pegada totalmente “digital”).

Dessa forma, gradativamente a mudança regulatória irá moldando um novo cenário, reduzindo assimetrias da indústria e garantindo, com o crescimento da fintech, um ajuste de melhoria na governança da operação. E como consequência, fornecendo maior solidez e controle regulatório ao mercado.

As opiniões neste espaço refletem a visão dos colunistas, e não a do Finsiders.

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Carlos A. de Oliveira é CEO da Certdox e integra o pool de fintechs da Bossanova Investimentos. Consultor, conselheiro e investidor-anjo, foi CIO do Banco Original e diretor do Itaú Unibanco. Escreve bimestralmente no Finsiders.

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