Por Thiago Rolli e Gabrielle Hernandes*
Muito se discute sobre o processo de transformação de ativos físicos em ativos digitais por meio do processo de tokenização. Esse processo vem considerando, inclusive, as diretrizes regulatórias da lei n° 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD) e da resolução do Conselho Monetário Nacional 4893/2021 sobre segurança da informação, assim como o Padrão de Segurança de Dados da Indústria de Pagamento com Cartão (da sigla em inglês, PCI) e a Diretiva de Serviços de Pagamento Revisada, da União Europeia (da sigla em inglês, PSD2) que estabelecem orientações relacionadas aos temas de privacidade, segurança de informação e do segmento de cartões como meios de pagamento e serviços.
Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamentou, em 2021, por meio da resolução 29, a criação do sandbox regulatório, um ambiente experimental em que as pessoas jurídicas participantes podem receber autorizações temporárias para testar modelos de negócio inovadores e ofertá-los ao mercado de valores mobiliários com a supervisão do regulador.
Esse movimento foi reforçado pela aprovação de lei de ativos digitais nº 14.478/2022 que estabelece diretrizes para prestação de serviços de ativos virtuais e iniciará um conjunto de normas infralegais para contextualizar como esse mercado deverá ser estruturado, em termos de protocolos.
A infraestrutura de blockchain e sua adoção no mercado financeiro abrem diversas oportunidades devido ao potencial de simplificar o processo de aquisição e registro desses ativos, reduzindo o custo operacional nas operações de investimentos tradicionais, além de aumentar a oferta de produtos alternativos e inovadores.
Estima-se que a utilização de blockchain pode reduzir o custo de infraestrutura bancária em até 30%, de acordo com o relatório “Blockchain nos bancos: uma análise de valor para bancos de investimento“ (Banking on Blockchain: A Value Analysis for Investment Banks), da consultoria McLagan.
O crescimento da tecnologia de blockchain tem sido alavancado pelo aumento da complexidade dos processos de privacidade de dados e segurança de informação, sendo uma solução que não requer a ampliação de funcionalidades de uma instituição e não demanda a contratação de terceiros para suportar as operações de sustentação.
Os principais pontos a serem endereçados para que o blockchain se torne uma tecnologia de uso massivo são os seguintes: velocidade de desempenho; interoperabilidade; custos; definição de regulamentações a fim de estabelecer diretrizes claras e colaboração. Além disso, exige alinhamento com os reguladores acerca da dinâmica dos contratos inteligentes e de transações internacionais, que abrem oportunidades para investimentos e identificação de casos de uso.
Os benefícios, para o ecossistema financeiro, da integração tecnológica no contexto de blockchain por meio da tokenização extrapolam para novos modelos de negócio. Eles estimulam o desenvolvimento de projetos que envolvem tokenização de valores mobiliários e instrumentos financeiros, provocando também uma mudança no perfil de profissional apto a atuar nesse cenário, com competências que envolvem desde a análise de dados (a fim de agregar valor ao cliente por meio da personalização das soluções ofertadas que atendam às suas necessidades) até conhecimento sobre regulação e mercado financeiro.
De acordo com um estudo realizado pela Anbima, em 2022, intitulado “Tokenização de ativos: conceitos iniciais e experimentos em curso”, a expectativa é que o avanço desse processo de ativos financeiros e valores mobiliários leve os intermediários da indústria a demandarem um meio de pagamento digital que possibilite a liquidação diretamente via blockchain.
Nesse contexto, os projetos de emissão de moedas digitais emitidas pelos bancos centrais, por meio de registro descentralizado, despontam como uma possibilidade de liquidar as transações via blockchain, com a estabilidade e a segurança jurídica das moedas fiduciárias.
Além disso, a Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central (Fenasbac) mantém o programa Next, com o intuito de avaliar a viabilidade de modelo de negócios inovadores e escaláveis que se relacionem ou envolvam novas tecnologias. Esse projeto se baseia não apenas nas questões relativas a soluções de transformação digital, mas orientadas para o futuro da internet e o empoderamento do usuário, baseadas em blockchain, tokenização, descentralização e identidades autos soberanas.
Há casos de uso, no contexto de serviços financeiros — a exemplo do modelo em que o pagamento de uma moeda só é efetuado após a transferência de outra moeda, de modo a garantir ganhos em termos de liquidez por meio da compensação prévia — (Payment versus Payment) — em que a liquidação do título ocorre apenas mediante o pagamento (Delivery versus Payment).
Nesse sentido, notamos que, além das diretrizes regulatórias que precisam ser observadas e outras que ainda estão em processo de definição, os players de mercado necessitam avaliar seus modelos operacionais. Tudo isso deve incluir os aspectos de tecnologia e segurança de informação de forma a realizar as adaptações necessárias e, assim, suportar o desenvolvimento de novos formatos de negócios.
A ideia é contemplar a oferta de produtos e serviços financeiros, bem como a forma de entrega aos clientes finais, com o objetivo de se posicionarem estrategicamente nesse ecossistema e aproveitarem os benefícios que essas transformações estão trazendo para o mercado.
*Thiago Rolli é sócio de consultoria e Gabrielle Hernandes é sócia-diretora de consultoria, ambos da KPMG no Brasil.
As opiniões neste espaço refletem a visão dos especialistas e executivos de mercado. O Finsiders não se responsabiliza pelas informações apresentadas pelo(a) autor(a) do texto.
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