Por André Bravo*, exclusivo para o Finsiders
Nos últimos tempos um assunto dominou os cadernos de Economia dos principais jornais do país, bem como a roda de conversa entre amigos: como uma empresa do porte da Americanas deixou passar um rombo bilionário em seu orçamento? Enquanto nas redes sociais circulava a piada de que o valor poderia ser por causa dos constantes furtos de chocolates nas lojas físicas, muitos especialistas correram para apontar um grande culpado: o uso indiscriminado da operação financeira conhecida como “risco sacado”.
Embora com o andar da carruagem os problemas financeiros da empresa tenham se mostrado mais sérios e complexos, para quem não era familiarizado com o termo, deve ter pensado que a operação fosse algo a ser evitada a todo custo, já que poderia trazer um problema tão grande como o da varejista.
Logo de partida, vale deixar claro de que se trata de uma operação bastante comum nas empresas (geralmente de grande porte). Apesar do nome não ser popular como o capital de giro, o risco sacado não é um bicho de sete cabeças. Principalmente quando usado de maneira responsável e por meio dos canais certos.
Para quem não é familiarizado com o termo, o risco sacado consiste, basicamente, na antecipação por parte dos fornecedores de títulos ou notas fiscais a receber de seus clientes, em que a fonte financiadora antecipa o valor a pagar para o fornecedor na data de solicitação e recebe posteriormente do cliente na data de vencimento, daí o nome um tanto polêmico. Vale ressaltar, porém, que a modalidade é segura, já que a antecipação tem um risco menor que um empréstimo convencional, justamente por apostar o risco no ‘grande player’, ao invés dos seus fornecedores — que, geralmente, são empresas menores.
Também conhecido pelos termos como ‘confirming’, ‘forfait’, desconto de recebíveis, antecipação a fornecedores ou ‘factoring reverso’, o risco sacado foi criado exatamente para atender as necessidades dos fornecedores que precisam resolver questões pontuais no seu fluxo de caixa. Durante a pandemia, a prática ajudou muitos empresários a manter seus compromissos junto aos fornecedores, que dessa forma não quebraram por atrasos de pagamento.
Trazer a valor presente seus recebíveis, mesmo com um deságio, dá fôlego ao caixa da empresa, permitindo que ela se desenvolva da maneira que julgar pertinente. A operação é importante na economia do país porque permite que empresas menores tenham acesso ao crédito e recebam dinheiro mais rapidamente, sem falar da ausência do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) quando realizada por meio de uma securitizadora ou um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
Muitas vezes, essas empresas têm dificuldades em obter empréstimos devido à falta de histórico de crédito ou à avaliação de risco negativa. Com a operação de risco sacado, uma empresa parceira de maior porte e mais confiável assume a responsabilidade pelo pagamento do título, o que reduz o risco para o mercado financeiro e facilita o acesso ao crédito para as empresas menores.
Mas quando usar? Fazer um uso demasiado da operação vai me dar dor de cabeça como no caso da Americanas? Não, como já mencionei, o problema no caso Americanas envolveu uma miríade de questões gerenciais e financeiro-contábil, mas nada decorrente do uso da operação de risco sacado em si.
Há casos de fornecedores que recorrem com frequência ao risco sacado, visto que conseguem, por exemplo, melhores condições de negociar a aquisição de matéria prima, obtendo assim um desconto muito maior que o deságio da operação. Os juros serão sempre menores quando comparados com outras opções bancárias, tornando a prática vantajosa economicamente. Também é uma forma de fortalecer laços comerciais, afinal, ninguém quer a fama de “mau pagador”.
Por isso, a recorrência da operação depende do planejamento financeiro da empresa tomadora de crédito. Aliás, o termo “planejamento financeiro” parece tão batido que muitas vezes acaba tendo seu significado diluído no lugar-comum quando o assunto é economia saudável dentro das corporações.
Ressalto, a Americanas não foi vítima de uma única prática financeira, tendo apenas errado na hora de contabilizar esses valores, a tal “contabilidade criativa”, como a imprensa apelidou o ocorrido. Há também outra questão que precisa ser levada em conta: a ganância desenfreada das instituições financeiras que não perceberam (ou não quiseram perceber) as ‘pedaladas’ da empresa. Mesmo quando ela passou a não honrar com os seus pagamentos, continuou conseguindo crédito no mercado. Porém, como ficou claro, há limites que precisam ser respeitados sendo, portanto, crucial estar cercado de informações de qualidade na hora de realizar operações bancárias complexas.
Quem não é da área, pode imaginar que há um contador atrás de uma planilha de Excel controlando à risca tudo o que acontece dentro de uma companhia. Essa visão, entretanto, está longe do que acontece de fato. A verdade é que hoje, por meio da tecnologia, com a automatização dos processos, é possível minimizar erros.
Por meio da conectividade de portais e os sistemas de gestão integrados (ERPs), ganha-se agilidade, controle, segurança e qualidade na hora de analisar os dados gerados nas mais variadas transações financeiras. As ferramentas de controle e de gestão não são mais opções, são obrigatórias no cenário econômico atual.
Por isso fica fácil perceber que o risco sacado é uma forma importante de aumentar a inclusão financeira e impulsionar o crescimento econômico, permitindo que empresas de todos os tamanhos tenham acesso ao crédito de maneira mais fácil e eficiente, além de servir como instrumento para esses ‘sacados’ otimizarem seu fluxo de caixa, aumentando o prazo de pagamento dos fornecedores, a fim de conciliar o prazo de receitas e despesas.
*André Bravo é COO e cofundador da Bankme, fintech que cria e opera mini bancos para empresas e profissionais autônomos.
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