Opinião

Nova ICVM 160. Finalmente Ofertas Públicas que fazem sentido – Fausto Morais/Linkapital

Fausto Morais*

Oba! Hoje é dia de feira. Você vai para lá com seu carrinho, sua lista de compras e já pensando no pastel. Vamos começar com as bananas. Estão bem bonitas, nem muito maduras nem muito verdes. Está R$ 5 a dúzia, preço bom. Você compra uma dúzia e vai para a barraca das cebolas. Também estão lindas, R$ 6 o quilo. Você escolhe, o moço pesa. Passa um pouquinho de um quilo, mas o amigo faz por R$ 6. Agora, as uvas. Você prova uma e estão realmente docinhas, mas aí começa a ficar meio estranho. As uvas têm que pesar, tudo bem, só que o feirante diz o seguinte: “Olha, essas uvas são importadas, então a balança não é em quilo, é em libra. E o preço é em dólar, tem que ver a cotação.” Eu hein… que diabo de uva complicada… Você desiste, claro, pede uma melancia e descobre que o negócio é ainda mais louco: “Aí sim! Melancia a balança é em quilo. Mas pra essas duas você escreve aqui o seu endereço, paga agora, paga também o entregador e semana que vem a gente manda lá. Ponta firme. Vai levar?” Gente, espera aí… é coisa de largar as compras, sair correndo e esquecer até o pastel: esta feira não está fazendo o menor sentido.

Por mais absurdo que possa parecer, as Ofertas Públicas do Mercado de Capitais no Brasil não são nada longe disso. Sempre que uma empresa quer se capitalizar ofertando ações ou títulos de dívida para o público ou outras empresas, deve seguir normas que são um verdadeiro labirinto de burocracia – complexas, rígidas, desatualizadas. Sem falar que as normas são diferentes entre si, cada uma com regras tão distintas que podiam muito bem ser como essa feira maluca: para cada oferta, uma balança diferente. Ruim pra quem oferta e ruim pra quem investe.

A boa notícia é que tudo isso está com os dias contados. A Comissão de Valores Mobiliários, o órgão do governo que regula o Mercado de Capitais, acaba de emitir uma nova e definitiva regra, a ICMV 160. E já não era sem tempo. Porque esta nova Instrução da Comissão de Valores Mobiliários vai entrar em vigor a partir de 1º de Janeiro de 2023 e imediatamente vai revogar todas as regras antigas, modernizando e padronizando os processos e inaugurando práticas no Brasil que colocam o país no mesmo nível de economias mais maduras, como Japão, Estados Unidos e União Europeia. Em uma palavra: uma revolução. 

Como ainda é?

Para proteger os investidores e regulamentar as empresas, a CVM organizou as ofertas públicas do Mercado de Capitais em três tipos de normas – lembrando que a CVM atua somente nas operações sem intermediação, ou seja, aquelas que não são feitas pelos bancos tradicionais. Cada uma das normas tem suas regras, limitações e obrigações e são divididas de acordo com sua complexidade, ou seja, o número de investidores que buscam atingir. O que elas têm em comum? São ultrapassadas, para não dizer arcaicas, e no fundo mais dificultam do que facilitam, dando mais trabalho, custando mais e levando mais tempo do que realmente precisa.  

Um resuminho de como são hoje:

1. Oferta Privada

·  Complexidade: Baixa

·  Registro: Não precisa

·  Investidores: Até 10 e apenas Investidores Profissionais – aqueles com investimentos acima de R$ 10 milhões

·  Materiais (papelada de apresentação, registro e divulgação): Não precisa

2. Oferta Pública com Esforços Restritos – ICVM 476

·  Complexidade: Média

·  Registro: Automático

·  Investidores: Até 50, entre Investidores Profissionais e Investidores Qualificados – aqueles com investimentos acima de R$ 1 milhão

·  Materiais (papelada de apresentação, registro e divulgação): Lâmina

3. Oferta Pública com Esforços Amplos – ICMV 400

·  Complexidade: Alta

·  Registro: Obrigatório e leva 60 dias

·  Investidores: Sem limite, para o público em geral.

·  Materiais (papelada de apresentação, registro e divulgação): Lâmina, Aviso ao Mercado, Anúncio de Início e de Encerramento, Prospecto Completo

Como vai ser?

Esqueça todas essas normas. A nova ICVM 160 está vindo para passar a régua e dar uma padronizada geral. Mais prática e mais inteligente, ela aproveita o que as regras antigas têm de bom e corrige o que têm de ruim. Os registros, por exemplo. Para títulos de Renda Fixa (debêntures, títulos de dívida, securitização) o registro é automático. Para títulos de Renda Variável (ações) de novos emissores, são 60 dias. Porém, para emissores frequentes ou altamente conhecidos, os registros dos títulos de Renda Variável voltam a ser automáticos. Qualquer oferta também vai estar disponível para o público geral e, nos materiais, outra mudança muitíssimo aguardada: a lista continua, mas agora o Prospecto pode ser um resumo de somente 10 páginas. Antes, eram calhamaços cheios de detalhes que ninguém lia e chegavam a centenas de páginas.

Outro resuminho:

Nova ICMV 160

·  Complexidade: Baixa/Média

·  Registro: Renda Fixa, automático. Renda Variável, até 60 dias.

·  Investidores: Sem limite, para o público em geral.

·  Materiais (papelada de apresentação, registro e divulgação): Lâmina, Aviso ao Mercado, Anúncio de Início e de Encerramento, Prospecto Resumido

Bom para quem faz as ofertas

A partir do 1º dia de janeiro de 2023 o Mercado de Capitais vai estar muito mais acessível para empresas que queiram oferecer ações ou títulos de dívida. O registro das ofertas de qualquer tipo nota, debênture ou instrumento de securitização como o CRI ou CRA vão ser automáticos. As operações também vão ser mais rápidas. Desde a assinatura do cliente até a liquidação final, as ofertas seguindo a ICMV-476 costumam levar 90 dias. Já com a ICMV-400, a mais complexa e gigantesca, até 2 anos. Sem falar que, com menos exigências, os custos com anúncios e advogados vão lá para baixo.

A nova ICMV 160 é uma medida democrática, que permite muito mais possibilidades para as empresas e alternativas para os investidores. Muito mais empresas vão entrar no mercado de capitais para buscar mais investimentos. E mais investimentos significam mais crescimento, para empresas, investidores e a economia como um todo. Viu? É a tal maturidade econômica que falamos lá em cima.

… e para quem investe

Se fica mais barato para quem vende, obviamente também fica para quem compra. Um processo mais justo, mais saudável, fácil e transparente. Porque, se de um lado qualquer empresa pode emitir títulos de dívida e vender ações, agora qualquer pessoa também pode comprar, não só os grandes fundos ou grandes investidores. Imagine as oportunidades que isso vai gerar, as novas opções para os investidores e as diversas possibilidades para as empresas se capitalizarem e se fortalecerem.

É realmente uma revolução – não existe palavra mais adequada. Lembra do enorme passo que foi o PIX? A nova ICMV-160 está na mesma categoria. 

*Sócio, co-fundador e CBO da LinKapital