Fintechs

Anomalia do ‘CréBito’ é alvo do Banco Central, mas fintechs podem se ferir - Fausto Ferraz de Arruda/Xsfeera

Fausto Ferraz de Arruda *

A possibilidade de correção do uso do “CréBito”, movimentação considerada como uma “anomalia” criada pelo mercado deve ser um dos principais efeitos das recentes mudanças anunciadas pelo Banco Central em relação à tarifa de intercâmbio (TIC) referente às transações com cartões.
Na busca por este objetivo, o órgão estabeleceu que a partir do dia 1º de abril de 2023 a TIC das operações com cartões de débito passará a ter 0,5% como limite máximo. Já nas compras realizadas com pré-pagos, o percentual máximo será de 0,7%. Essas e outras medidas foram oficializadas através da Resolução BCB nº 246 publicada no final de setembro.

A chamada operação de “CréBito” se caracteriza pela transação de pagamento feita com cartão pré-pago, mas com a utilização da “trilha” do crédito. Essa manobra permite driblar os limites outrora definidos pelo BCB sobre as taxas de intercâmbio e os prazos de liquidação para as transações a débito.

Para os estabelecimentos comerciais, a mudança anunciada pelo BC representa a possibilidade de “achatamento” da taxa de desconto (aquela aplicada pelas credenciadoras, que em grande parte, é composta pela taxa de intercâmbio) para esse tipo de transação, além da redução do prazo de recebimento (para D+2, em média), evitando que eles tenham que recorrer à antecipação de recebíveis (o que traz custos adicionais) para não prejudicar o seu fluxo de caixa.

Apesar desse benefício, existe uma preocupação com os efeitos desta medida na sobrevivência saudável de muitas fintechs, cujas ofertas de valor estão centradas em cartões pré-pagos (instrumento de pagamento mais democrático).

Isto porque essas startups têm justamente na taxa de intercâmbio (remuneração dos emissores sobre as transações de pagamento, que neste caso será limitada a 0,7%) a sua principal linha de receita. Dessa, forma, em um primeiro momento, essa mudança de percentuais pode enfraquecer a concorrência que esses desafiantes vêm impondo aos grandes bancos nos últimos anos, dentro do contexto de um mercado ainda extremamente concentrado.

Para reduzirem os impactos negativos, essas fintechs precisarão acelerar a transformação de seus modelos de negócio para se adaptarem à iminente perda de receita.

Já para os consumidores, a possiblidade de redução de preços nos produtos e serviços com a potencial redução dos custos transacionais para pagamentos com cartões pré-pagos, deve ser praticamente irrelevante ou mesmo inexistente, uma vez que pagamentos desse tipo (apesar do crescimento interessante registrado nos últimos anos), ainda são consideravelmente menores que aqueles com cartões de crédito ou débito.

Essa nova normatização já era, de certa forma, esperada pelo mercado, uma vez que ela é fruto de uma consulta pública colocada pelo BCB há alguns meses.

O problema é que talvez o remédio possa fragilizar ou mesmo matar o paciente, se olharmos para as fintechs.
E mesmo que a medida favoreça, ainda que sutilmente, os estabelecimentos comerciais, por outro lado, o consumidor talvez nem sinta qualquer influência nos preços.

O que se pode esperar é muito movimento nesse mercado e, inegavelmente, o fortalecimento ainda maior de outro meio de pagamento, o Pix, esse sim transformador.


* CEO da boutique de consultoria para o mercado financeiro e de pagamentos Xsfera