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Por que as favelas brasileiras estão na mira das fintechs

Mesmo com o movimento de R$ 200 bilhões por ano nas comunidades brasileiras, população ainda enfrenta barreiras de acesso a produtos

Fintechs como o G10 Bank avançam nas favelas - Imagem: Divulgação
Fintechs como o G10 Bank avançam nas favelas - Imagem: Divulgação

Se a migração descontrolada dos rincões para os grandes centros do país levou à formação das favelas brasileiras e a problemas como a desigualdade de renda e baixo nível de escolaridade nas décadas de 1970 e 1980, hoje a realidade é outra. Ainda que muitos dos gargalos sociais persistam, a renda da população movimentada nas comunidades gira em torno de R$ 200 bilhões por ano, segundo dados do Data Favela divulgados em 2023. Se fosse um estado, este grupo seria a 6ª maior massa de renda do Brasil.

Atualmente, as favelas possuem um contingente de 16 milhões de moradores, em 6,6 milhões de domicílios. Empoderados, sonham em comprar a casa própria (6,5 milhões de pessoas) ou em adquirir móveis para as residências (7,9 milhões). Seja por necessidade, seja desejo de conquistar a independência financeira, esses espaços contam com 5,2 milhões de empreendedores.

De acordo com dados do estudo “Persona Favela”, da NÓS – Pesquisa, 61% dos moradores de favelas e bairros periféricos do Brasil possuem ao menos uma conta digital, enquanto 59% têm conta corrente. No geral, 77% relatam abrir o aplicativo dos bancos todos os dias. Além disso, 89% preferem acessar sua instituição financeira no ambiente online.

Desafio do crédito

Esse avanço foi possível, em parte, por conta da ampliação do acesso a serviços financeiros. Com a chamada ‘fintechzação’ do mercado bancário brasileiro nos últimos anos, os residentes das comunidades passaram a contar com serviços que até então estavam disponíveis apenas para os moderadores do asfalto, como pagamentos, transferências e crédito (ainda que tímido).

“Essas pessoas têm conta, porém, crédito é um pouco mais difícil. Tem uma mudança relacionada à localidade onde ela mora e, segundo, onde está o produto que ela tem acesso. O caso das fintechs de pagamentos está associado basicamente ao uso do Pix“, argumenta Eduardo Diniz, pesquisador do Centro de Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getulio Vargas (Cemif/FGV).

Na visão do pesquisador, quatro serviços financeiros são essenciais para uma vida satisfatória de um cidadão: pagamento, crédito, poupança (ou outro tipo de investimento com este fim) e seguros. Em termos de dimensões para o uso do dinheiro, três são importantes: acesso a serviços, uso do dinheiro e uso com qualidade.

Excluídos

Segundo a série Cidadania Financeira, publicada pelo Banco Central, 84% dos brasileiros adultos tinham conta financeira em 2021. No recorte da parcela da população com renda mais baixa (os 40% mais pobres), esse patamar passou de 57%, em 2017, para 82% naquele ano. Entre as pessoas com renda mais alta (os 60% mais ricos), 85% possuíam conta em banco no mesmo período.

No caso do crédito, uma dificuldade ainda persistente é a falta de CEP das pessoas, aponta Eduardo, do Cemif/FGV. Esse problema é ainda mais grave em comunidades mais carentes de infraestrutura. E ter endereço é um requisito do Banco Central para a abertura de conta em banco. 

Nesse sentido, a G10 Favelas, por exemplo, fechou uma parceria com o Google para fazer o endereçamento digital de Paraisópolis. Por meio de geolocalização, a funcionalidade gera um código a ser inserido no Google Maps para gerar a localização precisa de determinado lugar. Isso pode ser empregado na hora de abrir conta em banco ou em compras online, por exemplo.

De acordo com Hugo Tadeu, professor da Fundação Dom Cabral (FDC), a dificuldade de alcançar mais pessoas com crédito está atrelada, ainda, aos juros elevados no país. Com a Selic historicamente acima de dois dígitos, o custo de capital fica mais caro.

Há boa parte da população economicamente ativa sem acesso ao sistema financeiro. Isso é um gargalo, porque se eu tenho pouca gente acessando o mercado financeiro, por consequência isso significa que eu tenho um ambiente econômico e, obviamente, com potencial para geração de riqueza, com uma certa limitação.”

Hugo Tadeu/Fundação Dom Cabral

Apesar dos avanços no acesso a serviços financeiros no país nos últimos anos, muitas dessas soluções não chegam à população nas favelas. É essa dor que fintechs e bancos digitais como G10 Bank, F Bank e Conta Black se propõem a resolver.

Em fevereiro deste ano, o G10 Bank, por exemplo, abriu sua primeira agência física para atender aos moradores da favela de Paraisópolis, em São Paulo. Já o novato F Bank prevê lançar uma série de soluções, que incluem seguros, antecipação de FGTS e INSS. E a Conta Black mira chegar ao primeiro milhão de usuários em três anos.

Veja mais detalhes nesta outra reportagem.

*Especial para o Finsiders Brasil