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Os planos de três fintechs para avançar nas favelas do Brasil

G10 Bank, F Bank e Conta Black desenvolvem soluções financeiras para atender as necessidades de moradores das comunidades pelo país

Sérgio All e Fernanda Ribeiro/Conta Black - Imagem: Divulgação
Sérgio All e Fernanda Ribeiro/Conta Black - Imagem: Divulgação

Os moradores e moradoras de favelas pelo Brasil estão cada vez na mira de fintechs e bancos digitais. De acordo com especialistas, a oportunidade é grande, principalmente para ampliar o acesso a crédito para pessoas que historicamente são ‘invisíveis’ ao sistema financeiro tradicional.

Conheça as histórias e estratégias de G10 Bank, F Bank e Conta Black:

G10 Bank combina digital com agência física

Primeiro banco digital para o nicho, o G10 Bank nasceu na esteira da criação do G10 Favelas, iniciativa de empreendedores de impacto social e líderes locais das 10 maiores comunidades do país, em 2019. Em fevereiro deste ano, a empresa abriu sua primeira agência física para atender aos moradores da favela de Paraisópolis, em São Paulo. 

De acordo com Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas e CEO do G10 Bank, o caráter social foi um motor importante para tirar os planos do papel.

“Parece que vivemos sob uma espécie de embargo econômico, onde os aplicativos de entrega não chegam, o e-commerce nos bloqueia e os ‘bancões’ nos negam crédito. Ou quando dão crédito, é aquele crédito bem pequeno, com juros muito altos.”

Gilson Rodrigues/G10 Bank

Para viabilizar a operação, o G10 Bank fechou parceria com a Dock, um dos principais fornecedores de banking as a service no Brasil. Em uma das frentes, foi desenvolvido um totem que recebe depósitos em dinheiro. Em outra, os empreendedores têm à disposição “A Patroa”, uma maquininha de cartões sem taxas e com funções de crédito, débito e vouchers — como vales-alimentação –, e Pix integrado. Além disso, uma parte das receitas geradas com o uso da adquirente pelos lojistas é usada pelo banco para conceder microcrédito aos moradores. 

Os usuários do G10 Bank utilizam produtos como Pix, transferências, pagamentos e cartão pré-pago da bandeira Visa atrelado à conta e ao aplicativo. Além disso, em parceria com a Mapfre, também há seguros tanto para os negócios, quanto para a vida dos usuários.

Atualmente, o G10 Bank tem apenas 4,8 mil contas. Com a abertura de outras quatro agências físicas no segundo semestre, nas comunidades de Heliópolis (SP), Sol Nascente (DF), Casa Amarela (PE) e Aglomerado da Serra (BH), a perspectiva é somar 200 mil clientes até dezembro.

“A gente sabe que a realidade da comunidade ainda é dinheiro. Então, não adianta você querer chegar e falar: ‘agora é tudo digital’, porque não funciona”, diz Antonio Soares, CEO da Dock. Nesses espaços, ele explica que a agência física tem um papel de curadoria e orientação para o consumo dos produtos bancários. 

A escolha por agência física não é por acaso. Apesar da digitalização significativa dos serviços financeiros, um estudo divulgado no final de 2023 pelo Datafolha e pela TecBan, dona da rede Banco24Horas, identificou que 54% dos brasileiros fazem saques em dinheiro. Ao todo, 29% dos entrevistados usam dinheiro físico como uma das principais formas de pagamento no dia a dia, o que evolui para 32% entre as classes C, D e E. 

F Bank aposta em cruzamento de dados

Funcionando em projeto piloto desde março do ano passado, o F Bank saiu do papel pelas mãos de Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (CUFA) e CEO da Favela Holding, em sociedade com José Renato Hopf, fundador da Getnet e da venture builder 4All.

Ainda na fase piloto, a fintech soma 30 mil contas, já realizou 290 mil transações e movimentou R$ 21,8 milhões. Com lançamento oficial previsto para março de 2025, a meta para os próximos dois anos é ambiciosa: formar uma carteira com 5 milhões de usuários.

Para conquistar tal feito, a aposta passa pelas empresas da Favela Holding, controladora do F Bank. Fazem parte do conglomerado 27 companhias, por exemplo, o Data Favela e a Favela LLog (de delivery para fazer a última milha dos produtos de e-commerces). Em outras palavras, a ideia é cruzar dados para conhecer melhor o perfil de consumo dos moderadores dos morros do país e atender às suas necessidades de maneira mais personalizada. 

Ao todo, 5 mil gerentes estão cadastrados para operar nas comunidades, dos quais 100 já estão atuando. Os colaboradores são favelados que recebem treinamento para falar sobre produtos financeiros aos usuários locais, o que muda a perspectiva de atendimento ao cliente, conforme diz o CEO Rubens Gil Filho (Ex-GetNet e Rede).

“O nosso grande diferencial é ser criado na favela, para a favela, com um linguajar ímpar. É do jeito que a favela fala, senão a gente não vai ter legitimidade.”

Rubens Gil Filho/F Bank

No catálogo de produtos, há opções similares a outros bancos digitais, como transferências, pagamentos e recarga por celular. O pipeline no lançamento prevê, ainda, seguros, telemedicina, mobilidade urbana, antecipação de FGTS e INSS e crédito com foco nos microempreendedores. 

Entretanto, Rubens explica que a educação financeira entra como importante pilar da estratégia. “Quando você pensa em pessoa jurídica, além da conta e maquininha, é preciso produtos que apoiem na capacitação desse pequeno e médio empreendedor. Não adianta só dar o crédito, é o crédito com responsabilidade”, diz.

Na intenção de avançar em termos de acesso a produtos, o F Bank também planeja estruturar um marketplace, em um modelo em que as fintechs e ‘bancões’ tradicionais deixam de ser meros concorrentes, para figurar como parceiros. Num momento em que conversas estão em curso para angariar investimentos, o F Bank emitiu debêntures conversíveis junto ao Banco Pan, do BTG Pactual. 

Conta Black e a educação financeira

Um terceiro a atuar nas periferias é a Conta Black, fintech com foco nas pessoas negras. O projeto para a empresa fundada por Fernanda Ribeiro e Sérgio All surgiu no final de 2017, depois que Sérgio teve uma solicitação de crédito negada. À época, ele era dono de uma agência de publicidade. Portanto, tinha funcionários, folha de pagamento e era consumidor de produtos e serviços bancários – um perfil que dificilmente seria negado por scores tradicionais para brancos na mesma situação. Ao conversar com outros empreendedores pretos, notou que as histórias eram parecidas.

No início, a plataforma nasceu com um arranjo de pagamentos que contava com um cartão pré-pago vinculado. A partir deste ano, a conta digital passou a contar com Pix, pagamentos e transferências entre contas. Em parceria com a Genial Investimentos, a plataforma permite investimentos a partir de R$ 10 em CDBs, assim como aportes maiores em fundos.

Nesse sentido, a educação financeira e o relacionamento são parte importante da experiência. “Temos um time de assessores negros e uma metodologia própria que constrói esse investimento baseado em sonhos e nas expectativas dessas pessoas, o que reforça o nosso compromisso de proximidade”, afirma Fernanda, CEO da operação.

“É muito importante que, de fato, essa base se sinta segura porque muitos deles estão investindo pela primeira vez. Há um processo de aculturamento.”

Fernanda Ribeiro/Conta Black

Dessa forma, a base alcançou em torno de 60 mil clientes, entre pessoas físicas e jurídicas, em que a maioria é empreendedora. A faixa etária varia entre 24 e 44 anos, nas classes C, D e E. Em três anos, a ideia é chegar no primeiro milhão de usuários, “mas de clientes que consumam nossos produtos de maneira saudável”. A CEO não abre detalhes, mas a fintech está em tratativa com investidores para acelerar o passo em growth.

Uma das barreiras durante esses anos, conta Fernanda, foi a dificuldade de acesso a capital. Isso porque a Conta Black só conseguiu ter acesso a seu primeiro investimento-anjo depois de quase dois anos no mercado. Foi um investidor negro, mas estrangeiro. “Quando a gente olha os dados sobre as startups lideradas por mulheres e pessoas negras, elas são automaticamente as que menos recebem investimentos”, ressalta.

Leia também: Por que as favelas brasileiras estão na mira das fintechs

*Especial para o Finsiders Brasil