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Novo ciclo de alta da Selic afeta as fintechs já no curto prazo

Com a alta dos juros, fintechs aumentam taxas dos empréstimos e os preços dos serviços como as taxas das máquinas de cartão sobem

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O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), iniciou um ciclo de alta de juros na reunião mais recente, de 18/09. A elevação da Selic foi de 0,25 ponto percentual. Para fintechs, isso significa captação de recursos mais cara, com reflexos que começam já no curto prazo.

Este foi o primeiro aumento da Selic no governo Lula III, que passou de 10,50% para 10,75% ao ano. No comunicado, o Copom anunciou que a decisão, que foi unânime, deu início a um ciclo de alta de juros. Mas não deixou claro qual deve ser o ritmo de aumento nas próximas reuniões, nem qual é o limite almejado. A próxima deliberação será em 6 de novembro.

Com a taxa básica de juros mais alta, o custo de captação do crédito fica mais caro. “Toda vez que a Selic aumenta, as fintechs começam a pagar mais juros para captar o mesmo valor para conseguir emprestar”. A explicação é de Carlos André, analista de modelagem na REAG Investimentos.

Com o dinheiro mais caro, as taxas dos empréstimos sobem, e os serviços como as taxas das máquinas de cartão também. A própria oferta tende a diminuir, limitando o acesso a condições mais vantajosas para os clientes finais.

Esse é o maior impacto sentido pelo setor já nos primeiros dias após a alteração da taxa. Os reflexos do aumento no custo de captação vêm depois, em cascata, explica o economista Hugo Queiroz, sócio-fundador da L4 Investimentos.

“[Há] reflexo no crescimento da empresa, pois desacelera a demanda devido ao crédito mais caro, então diminui também a receita. Eventualmente, surgem alguns reflexos de uma atividade um pouco mais fraca. Aumenta o risco efetivo dessas companhias, que pode se materializar em diminuição de rentabilidade”, explica Hugo.

Repasse X market-share

O aumento do custo de crédito é repassado ao cliente final em momentos diferentes, de acordo com a estratégia adotada pela fintech em questão e também conforme a dificuldade encontrada pela empresa conforme seu modelo de negócio.

O desafio, de olho em ganhar market-share, é absorver a alta dos juros, mesmo que comprometa as margens da empresa pelo período, explica Leonardo Moreira Gomes, CEO da Paytime, que atua com contas digitais e no ramo de adquirência.

“Normalmente, quem ganha mais mercado nessa hora é quem consegue esperar mais para subir a taxa. Se conseguirmos segurar de duas a três semanas, ganhamos espaço no mercado, já que nossas taxas estão mais atrativas. Obviamente, isso é feito em troca de perda de margem.”

Porém, Hugo destaca que, mais cedo ou mais tarde, o repasse se torna inevitável devido à pressão nas margens de lucro e rentabilidade.

“Se for [ciclo] de alta relevante, as fintechs vão repassar cada vez mais em termos de magnitude e velocidade. Se for um cenário que começa, sobe, estabiliza e depois começa a cair, eles não vão repassar cem por cento, até para não impactar na demanda futura, na perspectiva de crescimento de crédito e concessão deles”, diz o analista.

Eduardo Silva, CEO do Edan Financial Group, que atua como correspondente bancário, diz que o limite para absorver as altas em sua fintech gira em torno de 1 p.p. em 12 meses. “Acima disso, começa a ficar difícil, porque encarece a cadeia como um todo e torna-se naturalmente prejudicial [absorver o aumento]”, diz.

“Por isso, as fintechs precisam se diferenciar por meio de inovação e valor agregado em seus produtos, em vez de competir apenas por preço”, aponta Leonardo, da Paytime.

Demanda X inadimplência

A demanda por crédito tende a esfriar durante ciclos de alta de juros, diz Hugo, mas o setor ainda é favorecido pelo perfil do cliente brasileiro, que depende do crédito por falta de poupança privada. “A nossa população economicamente ativa vai pelo lado de, se a parcela couber no orçamento, pega-se o crédito. Ela só vai efetivamente suspender se perceber o risco iminente de perda de renda”, comenta.

A curto prazo, neste quesito, o setor não deve sofrer grandes impactos. Apesar do aumento da Selic na última reunião e a perspectiva de novas altas nas próximas, a economia brasileira segue aquecida, com níveis baixos de desemprego — a taxa de desemprego ficou em 6,6% no trimestre encerrado em julho, a menor taxa para o período na série histórica desde 2012. Os dados são do IBGE.

Hugo também afasta a correlação direta entre aumento da Selic e inadimplência no setor. “A inadimplência é um risco da atividade de crédito. Ela em si não é decorrência da alta de juros, especificamente”, defende.

Portanto, o aumento da inadimplência viria como consequência de fatores macroeconômicos. Com a desaceleração, há o aumento do desemprego e, aí sim, se perde a capacidade de pagar e honrar com as dívidas, quando por fim se teria aumento de inadimplência, explica.

“É um reflexo secundário, vamos dizer assim”, completa, afirmando que esse cenário não será visto a tão curto prazo e que é preciso monitorar o ritmo da economia para acompanhar esses movimentos de renda disponível e estimar pontos de riscos.

Investidores retraídos

Por outro lado, o apetite do investidor varia conforme a definição da Selic. Quando está alta, tende a reduzir o interesse de investidores por fintechs e direciona o capital para investimentos mais seguros, o chamado custo de oportunidade, aponta Carlos, da REAG Investimentos.

Dentro deste cenário, debêntures, fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) emitidos ficarão mais caros, mas os investidores devem demandar taxas maiores para fornecer o funding do que o incremento da Selic, antevendo o aumento do risco futuro. De toda forma, esse risco é repassado na taxa de juros para o cliente, dizem os analistas ouvidos.

O valuation também é afetado, mas não diretamente — e sim dentro de uma série de outros reflexos em ‘efeito dominó’ — de acordo com a precificação dada pelo mercado e pelos investidores. “Se você tem uma taxa de desconto mais alta por conta de risco e por conta da exigência de prêmio, naturalmente se tira esse valor das companhias”, explica Hugo. E isso afeta não só as fintechs, mas os investimentos de risco em geral.