No início de novembro, o Banco Central (BC) vai organizar o Circuito Pix, um evento virtual de seis dias para “ampliar o conhecimento sobre regras e funcionamento do Pix Automático“. A modalidade tem lançamento previsto em 16 de junho de 2025. Essa é a segunda vez que o Banco Central organiza um evento com esse formato.
O primeiro Circuito Pix, organizado em quatro sessões em agosto de 2020, se destinou a tirar dúvidas de instituições em processo de adesão ao Pix, que viria a lançamento em novembro daquele ano. Diferentemente da primeira edição do evento, os grupos de trabalho do Fórum Pix seguem debatendo aspectos técnicos e operacionais do Pix Automático.
Por essa razão, nós da Labrys, centro internacional de estudos e pesquisa em design de tecnologia e políticas públicas, seguimos promovendo discussões no mercado sobre elementos cruciais para o sucesso da nova funcionalidade. A Labrys é membro do Fórum Pix e mantém uma comunidade de mais de 100 profissionais da área destinada ao debate sobre o futuro do Pix.
Em nossa última contribuição ao Fórum Pix, apontamos que “o design técnico e regras divulgadas até aqui para o Pix Automático vão na contramão das características que fizeram o Pix ser um sucesso até hoje”. Vale destacar aqui nossa profunda admiração pelo trabalho da equipe técnica do BC, especialmente em tudo que remete à construção e operação do Pix até aqui. No entanto, acreditamos que um debate amplo do mercado e da sociedade é a melhor forma de alcançar os melhores resultados para todos. Trazer à tona discussões técnicas com impacto para o acesso a melhores serviços financeiros para todos é o papel que a Labrys sempre buscará desempenhar.
Para tangibilizar melhor as nossas preocupações, consolidamos os maiores problemas que podem comprometer o sucesso do Pix Automático:
Cobranças
A funcionalidade deveria estar disponível para todos os usuários, pessoas físicas (PFs) e empresas (PJs), ou seja, ser capaz de oferecer uma experiência segura by design para todos. Limitar o acesso a funcionalidades nunca é um bom substituto à criação de balizas efetivas para o seu uso seguro. Esse tipo de estratégia apenas exclui casos de uso sem alcançar o objetivo de segurança.
A cobrança via Pix Automático somente está prevista via API ou sistema de arquivo, o que, no mais das vezes, demanda a intervenção de um intermediário, como um ERP (sistema de gestão empresarial). Não está prevista a oferta da funcionalidade via internet banking ou aplicativo, por exemplo.
A funcionalidade deveria ser de implementação obrigatória, inclusive no internet banking e apps. Assim como a de gerar QR Code Dinâmico também deveria. Contar com a API Pix para acesso a funcionalidades para PJ encarece e retarda a adoção do Pix por empresas.
Impor a participação de um intermediário dificulta a adoção dessas funcionalidades por micro, pequenas e médias empresas, por exemplo, a dona da floricultura que poderia criar uma assinatura semanal de flores diretamente pelo aplicativo do seu banco ou a lavanderia de bairro que poderia enviar uma única cobrança mensal com o valor total gasto no mês.
A importância da democratização dessa funcionalidade é ainda maior quando se considera o seu potencial de facilitar o acesso a crédito, em razão da estruturação de recebíveis fora do arranjo de cartão.
Transferências e portabilidades
O Pix Automático não permitirá que o usuário pagador transfira as autorizações de pagamentos automáticos de uma conta para outra caso deseje mudar de banco. A modalidade tampouco prevê um mecanismo para portabilidade das autorizações de cobrança via Pix Automático para simplificar a mudança de banco pelo usuário recebedor.
A falta de mecanismos de portabilidade, tanto para o usuário pagador quanto para o recebedor, pode aumentar consideravelmente o custo de troca de banco, prejudicando a concorrência no mercado.
Uma vez que todos os gastos recorrentes estão configurados em uma conta, a perspectiva de ter que voltar a registrar tudo em uma nova conta pode ser razão suficiente para permanecer no mesmo banco. Da mesma forma, não havendo uma forma nativa do arranjo para tombar autorizações de cobrança de um PSP (provedor de serviços de pagamento) para outro, usuários recebedores podem se sentir muito inseguros para mudar de PSP e correr o risco de perder autorizações de pagamento.
Bloqueio de pedidos de autorização
O Pix Automático não prevê a opção de bloqueio de pedidos de autorização de pagamento pelo usuário recebedor. O serviço não permitirá que o pagador antecipe o pagamento da cobrança automática já ativa. Também não prevê que ele possa decidir sobre o débito automático após o vencimento da cobrança, com eventuais multas e juros, nos casos em que o pagamento na data do vencimento falhar.
O usuário pagador deve ter sempre a escolha sobre se, quando e como sua conta deve ser movimentada. Isso quer dizer que o usuário pagador deveria ter a opção de:
- 1. Opt-out do Pix Automático. Isto é: determinar que seu PSP rejeite automaticamente qualquer pedido de autorização em seu nome — Rec ou SoliciRec;
- 2. Bloquear determinados usuários recebedores (CNPJs/CPFs) de enviar solicitações de autorização (block list);
- 3. Permitir o recebimento de solicitações de autorização apenas de usuários recebedores pré-cadastrados (allow list);
- 4. Antecipar cobranças já ativas,
- 5. Autorizar ou rejeitar o pagamento de cobranças após o vencimento; e
- 6. Autorizar ou recusar a liquidação pontual de uma cobrança acima do valor máximo autorizado.
Valor máximo de cobrança
O Pix Automático permitirá cobrança de valores variáveis por meio da autorização de um valor máximo de cobrança. Porém, não haverá um mecanismo para permitir que o usuário pagador autorize pontualmente uma cobrança em valor superior. Cobranças em valores superiores serão negadas automaticamente.
A definição de um limite máximo de pagamento automático autorizado sem um mecanismo de autorização de eventuais transações em valor superior vai gerar incerteza com o uso da funcionalidade. O envio de valores acima do valor máximo autorizado irá criar um risco de não-pagamento. Até porque o usuário pagador teria a expectativa de que a conta seria paga e não foi.
A reação natural será que os usuários recebedores enviem pedidos de autorização em valores acima da média do que esperam cobrar, aumentando a exposição dos usuários pagadores. Melhor, então, seria permitir um mecanismo semelhante ao challenge-response quando a cobrança enviada superar o valor máximo autorizado. Nesse caso, o usuário pagador seria provocado a revisar a cobrança recebida para autorizar ou recusar o pagamento a maior.
Periodicidades específicas
O Pix Automático somente será admitido dentro das quatro jornadas definidas em regulação e encodadas na especificação técnica. Além disso, será admitida apenas para pagamentos em periodicidades específicas. Assim, isso limita as oportunidades para inovação e evolução do padrão sem uma nova alteração da especificação técnica e da infraestrutura de todos os participantes.
A limitação dos casos de uso pela definição rígida das jornadas possíveis e das periodicidades admitidas fecha o Pix Automático para inovação. Resultado imediato dessa abordagem é que qualquer mudança na experiência ou mecanismos do Pix Automático será mais demorado e custoso. Isso porque dependerá de uma reformulação da arquitetura do Pix e do tombamento de código de todos os mais de 900 participantes.
Além disso, o design da especificação e a implementação por cada participante ficam mais complexos e sujeitos a falhas. Por fim, o espaço para o surgimento orgânico de novos casos de uso e novas maneiras para melhorar a experiência dos usuários finais se reduz muito. Preferível seria adotar um design em que se pode combinar blocos de funcionalidade de formas arbitrárias para criar experiências diferenciadas.
*Co-fundadora e CEO da Labrys