REPERCUSSÃO

Regulação de BaaS vai "arrumar a casa", dizem especialistas

Na proposta, dois temas em particular chamaram a atenção: pagamento internacional (eFX) e subcredenciamento

Serviços bancários digitais
Serviços bancários digitais | Imagem: Adobe Stock

A regulamentação do Banking as a Service (BaaS) no Brasil pelo Banco Central (BC) chega para “organizar a casa” de um modelo de negócio que cresceu de maneira expressiva nos últimos anos. A expectativa é que esse segmento continue em expansão, mas com regras claras para todos os participantes, principalmente em relação às responsabilidades de cada instituição. Com o nivelamento dos players, espera-se também um aumento de fusões e aquisições (M&A), o que aponta para certa consolidação do mercado.

Na prática, o BaaS permite que empresas de diferentes setores possam oferecer produtos e serviços financeiros, sem necessariamente ter uma licença junto ao BC. Quem fornece a infraestrutura para isso, porém, precisa ser uma instituição regulada. Essas parcerias se dão por meio de contratos privados e, como não há regras padronizadas, dificulta a fiscalização e supervisão por parte do regulador. Por isso, o BC colocou em consulta pública até o fim de janeiro de 2025 uma proposta de regulamentação para o BaaS.

Para José Luiz Rodrigues, sócio-fundador da consultoria JL Rodrigues e presidente do conselho da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), a falta de regras claras gerou opacidade no mercado. Assim, dificulta a supervisão regulatória.

“É meio consensual que precisava ‘arrumar a casa’. Tem que permitir concorrência e inovação, mas com segurança, definindo responsabilidades na cadeia e colocando limites.” – José Luiz Rodrigues, da JL Rodrigues

Segurança jurídica

Na visão do especialista com cinco décadas de atuação em regulação bancária, em nenhum momento o BC disse que quer proibir o mercado. A ideia é organizá-lo de modo que não fiquem “zonas cinzentas”.

Assim como houve um aumento substancial de players na última década, com a abertura para Instituições de Pagamento (IPs) e Sociedades de Crédito Direto (SCDs), naturalmente as novas regras tendem a tirar do mercado aquelas empresas que não operam de forma correta, avalia José Luiz. “Com a consulta pública, o próprio regulador quer entender o tamanho desse mercado.”

De modo geral, a regulamentação trará maior segurança jurídica para o BaaS, define Alessandra Rossi Martins, sócia do Machado Meyer Advogados responsável pela área de fintechs do escritório. A advogada enxerga um nivelamento e uma reorganização do mercado, abrindo espaço inclusive para operações de M&A. Em conjunto com outros assuntos que vêm movimentando o regulador, como apostas online (bets) e cripto, Alessandra vê no horizonte até um provável novo boom de pedidos de licenças ao BC.

Para Pedro Mac Dowell, CEO e co-fundador da QI Tech, com a regulamentação do BaaS, vai aumentar o custo de observância, ou seja, o quanto as instituições desembolsam para cumprir as obrigações regulatórias. Por outro lado, a definição das regras para esse mercado também traz mais segurança, na visão dele. “A consulta traz a necessidade de os players se organizarem no processo como um todo, desde o onboarding“, disse, em evento da Fitch Ratings no dia 6/11. “Minha cabeça é que seja algo que ajude o mercado a evoluir e a ficar mais sólido”, defendeu.

Surpresas

Na proposta de regulamentação do BaaS, dois temas em particular chamaram a atenção dos especialistas: pagamento e transferência internacional (eFX) e subcredenciamento (ou subadquirência). “Esses dois universos estão sendo trazidos para a regra e foram surpresas”, diz Alessandra. No caso da atividade de subcredenciamento, a advogada lembra que o BC tem feito esforços para definir obrigações para essas instituições, que não são reguladas. “Na Consulta Pública 104, o BC já traz o papel dos subcredenciadores na cadeia de liquidação.”

Na seara do BaaS, o regulador estuda uma possível regra que limite a atuação das subcredenciadoras como tomadoras de serviços de BaaS. De acordo com o BC, o serviço atualmente é prestado por instituições autorizadas, porém vem sendo desempenhado por entidades não autorizadas. Conforme o regulador, caso a medida seja adotada, as empresas que contratam serviços de credenciamento junto a um BaaS poderão atuar exclusivamente por meio de um credenciador autorizado. Elas terão que seguir tanto as regras do modelo de BaaS quanto a regulação dos arranjos de pagamento.

No caso dos facilitadores de pagamentos e transferências internacionais (eFX), José Luiz explica que essas empresas atuam como intermediárias entre merchants e consumidores. “Elas aproximam partes, sem mexer no dinheiro, só agregando tecnologia”, diz.

De acordo com Alessandra, o mercado já está se movimentando para tentar entender quais seriam os impactos, se o serviço de eFX fizer parte do escopo do BaaS. “Hoje, os facilitadores de pagamento contratam bancos para fechar as operações de câmbio. A novidade é como adaptar esse modelo para uma relação de BaaS.”

A advogada destaca, ainda, que a consulta pública fala em prestação de serviços de BaaS não apenas por Instituições Financeiras (IFs) e Instituições de Pagamento (IPs), mas também pelas “demais autorizadas” a funcionar pelo BC. Ou seja, a futura regulamentação pode impactar instituições em outros mercados, por exemplo, crédito, câmbio e investimentos.

Visão das entidades

Em nota, a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) considerou uma “medida necessária e positiva para o fortalecimento do setor”. Para a entidade, com mais de 700 associados, a proposta do BC tem como objetivo atribuir responsabilidades específicas a cada parte nos contratos de BaaS. Dessa forma, evitaria “ambiguidades que possam gerar insegurança para os usuários e o mercado”.

Para a Zetta, que representa fintechs como Nubank, Mercado Pago e PicPay, a proposta aborda um tema de alta relevância, “sobretudo para os novos participantes do mercado”. Com isso, busca promover “maior segurança jurídica” e mitigar “eventuais riscos em prol da higidez do mercado e do sistema financeiro nacional”.

Já a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) definiu a regulamentação do BaaS como “essencial para garantir os mais altos níveis de transparência e a segurança nas operações financeiras”. Para a entidade, a consulta pública chega em “momento oportuno diante do crescimento da prestação desse tipo de serviço nos últimos anos”.