RISCOS

Novas regras de estorno de cartões de crédito dividem bancos e bandeiras

O texto que altera o gerenciamento de riscos nos arranjos de pagamento sairá da Consulta Pública nº 104, encerrada em 30/11

Cartões | Imagem: Freepik
Cartões | Imagem: Freepik

Encerrou no fim de novembro a consulta pública do Banco Central (BC) para rever a gestão de risco dos arranjos de pagamentos, incluindo as regras para estorno de cartões de crédito, também conhecido como chargebacks. Nas sugestões, diferentes pontos de vista sobre prazos, responsabilização e situações extraordinárias (como falências e recuperações judiciais) foram enviados para análise do regulador. 

O chargeback permite que o consumidor conteste ao emissor cobranças indevidas no cartões de crédito. Os motivos mais comuns são fraude, falha de processamento e desacordo comercial. Atualmente, os prazos ficam a cargo dos instituidores de arranjo de pagamento (IAPs) e há brechas que chegam a 540 dias.

O texto que altera o Anexo I da Resolução BCB nº 150/2021, sobre o gerenciamento de riscos nos arranjos de pagamento, está na Consulta Pública nº 104, cujo prazo de contribuições acabou em 31/11. Ainda caberá ao BC avaliar todas as contribuições encaminhadas formalmente antes de definir qualquer alteração na Res.150.

Propostas

  • Prazo para responsabilização. Para solicitações até 120 dias após a transação de pagamento, os participantes do arranjo – por exemplo, adquirentes e emissores – são os responsáveis. Após, a responsabilidade passa a ser exclusiva do instituidor do arranjo, dentro do limite máximo que ele define para aceitar as disputas. A proposta permite que os instituidores de arranjo de pagamento (IAPs) ofereçam prazos superiores para solicitação de chargebacks, a seu critério, responsabilidade e risco;
  • Novos critérios para situações extraordinárias. O texto define que os IAPs devem definir o regulamento para lidar com situações como falência, insolvência civil ou recuperação judicial do recebedor.

As sugestões levadas na consulta pública ficaram restritas aos prazos e responsabilizações dentro do modelo. Isso, sem tocar em definições mais gerais e padronizadas que poderiam atingir o consumidor final, que entra com a solicitação do chargeback. A avaliação é de Fabrício Winter, consultor e sócio da Fábrica de Fintechs, especialista em meios de pagamento.

“As discussões maiores estão em cima da responsabilização de cada um e do prazo de contestação [inicial], e não [do prazo total] de resolução. É muita discussão para mudar muito pouco no setor, e com poucos benefícios tangíveis para o consumidor final na maioria dos casos”, analisa Fabrício.

Sugestões

Distinção para tipos de compra

A Associação Brasileira de Empresas de Cartão de Crédito e Serviços (Abecs), em ofício assinado pelo vice-presidente executivo Ricardo de Barros Vieira, sugeriu que a comunicação dos arranjos de pagamento deveria incluir mais informações. Como exemplo, cita a data estimada de entrega do produto ou serviço, para levar em consideração no cálculo do prazo de contestação.

A Abecs também se posicionou a favor de uma distinção nos prazos de contestação em casos de desacordo comercial em estabelecimentos comerciais de entrega diferida. O objetivo, neste caso, é reduzir o prazo. “Em eventual cenário de crise em segmentos que ofertem produtos ou serviços de entrega diferida no tempo, credenciadores e sub credenciadores (ou outros participantes) podem não ter a capacidade de gerir uma quantidade inesperada de disputas (chargebacks) de consumidores”, justificou.

Prazo apertado

Do outro lado, o Nubank também é a favor de um prazo maior para eventual segregação de risco. “Ao responsabilizar financeiramente o instituidor por todos os chargebacks acima de 120 dias, sem considerar eventuais prazos diferentes em função de um possível impacto setorial, a medida pode gerar um desequilíbrio nos custos do arranjo”. O diretor de Políticas Públicas Eduardo Alcebiades Lopes e o diretor de Tesouraria Cesar Augusto de Oliveira Gonçalves assinam o ofício do Nubank.

Como exemplo, o banco digital cita as companhias aéreas, em que a transação se concretiza com a viagem no futuro. “Muitas vezes, inclusive, após o prazo de 120 dias”.

“A proposta parece deslocar a responsabilidade pelo risco, isentando parcialmente credenciadores e sub credenciadores, que são responsáveis por garantir a confiabilidade e segurança do lojista por meio dos processos de Know Your Client (KYC)”, criticou.

Credenciadoras devem ficar de olho em fraudes

Em outra sugestão, o Nubank aborda a inclusão na norma da obrigação, por parte das credenciadoras. Ele cita “controlar fraudes realizadas por estabelecimentos comerciais, bem como a implementação de mecanismos de responsabilização para aquelas que mantenham relação comercial com estabelecimentos que apresentem alto percentual de transações com indícios de fraudes ou golpes, cuja gestão de risco tenha sido pouco efetiva”.

“Poupança” para chargebacks

O Nubank também sugeriu a possibilidade de criação de uma reserva financeira para cobrir os chargebacks ordinários. Isso inclui casos após o prazo de 120 dias, a partir da agenda futura de recebíveis do lojista. Ainda, a limitação da oferta de antecipação de recebíveis para estabelecimentos que atuam com entrega diferida, para evitar o ônus ao arranjo em situações extraordinárias.

Chargebacks em situações extraordinárias

A Cielo também participou da consulta pública. Na sugestão enviada para análise do BC, a gerência jurídica regulatória da adquirente defendeu que permitir chargebacks em casos de recuperação judicial ou falência criaria privilégios para consumidores que utilizaram cartões de crédito em detrimento de outros consumidores que usaram outros meios de pagamentos.

Na proposta de revisão, a Cielo inclui “a suspensão do curso do chargeback” em situações extraordinárias como falência, insolvência e recuperação judicial, e a situação deverá ser subordinada à legislação brasileira aplicável. Nisso, os valores já liquidados e repassados devem ser habilitados no processo de recuperação judicial ou falência como créditos sujeitos ao concurso de credores e, quanto às parcelas vincendas, estas deverão ser suspensas ou canceladas antes do vencimento.

A Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag) foi na mesma linha, ao escrever que casos recentes demonstraram que clientes que usaram cartões de crédito para comprar em empresas em processo de recuperação judicial ou falência tiveram vantagem em relação a quem usou outras formas de pagamento, “perpetrando comportamentos lesivos à preservação da empresa e ao princípio da paridade de credores, premissa da recuperação judicial”.

Já a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) se posicionou a favor de que o próprio regulador estabeleça regras padronizadas para o setor nestes casos extraordinários.