CENÁRIO

Como o pacote fiscal pode afetar as fintechs

Com quadro de incerteza, empresas do setor podem ser impactadas por consequências indiretas; choque de juros também preocupa

Economia brasileira
Economia brasileira | Imagem: Adobe Photoshop

O pacote de ajuste fiscal apresentado pelo Ministério da Fazenda promete cortar R$ 72 bilhões de gastos até 2026, mas o mercado já escancara o mau humor mesmo enquanto as medidas ainda passam por negociação no Congresso. Para especialistas ouvidos pelo Finsiders Brasil, essa volatilidade pode pintar um cenário de incerteza para as fintechs — e o momento é de “esperar para ver”.

Essa rejeição se deve às dúvidas sobre a execução das medidas, analisa Bruno Diniz, especialista em inovação financeira e sócio da consultoria Spiralem. “Isso acaba sendo uma espiral que leva à desconfiança do mercado, consequentemente uma inflação que perdura e há elevação da taxa de juros. Tudo isso, de certa forma, acaba levando ao enfraquecimento do Real e ao afastamento dos investidores”, diz Bruno.

Os reflexos estão sendo observados, por exemplo, no movimento do dólar. Em meio à preocupação com as questões fiscais no País, a moeda norte-americana disparou e vem se mantendo acima de R$ 6, mesmo com as intervenções do Banco Central (BC) no câmbio. Já a taxa básica de juros da economia (Selic) atingiu 12,15% ao ano, e o Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou outros dois aumentos na mesma magnitude para o início de 2025.

Efeitos

Na avaliação de André Galhardo, economista-chefe da consultoria Análise Econômica, as medidas de ajuste fiscal, em si, pouco mudam as condições para as empresas do sistema financeiro. No entanto, elas acabam sofrendo com consequências indiretas.

Um ponto de destaque, de acordo com o economista, é um impulso fiscal menor em 2025. “Impulso fiscal é mais gasto pelo governo. A gente teve um impulso fiscal muito grande neste ano e, a partir do ano que vem, será menor”, afirma. “Isso pode tirar um pouco do ímpeto da atividade econômica e mexer no resultado das empresas de modo geral.”

“De maneira geral, as empresas terão um crescimento menor, assim como devem apresentar problemas relacionados às margens de lucro. Mas nada que, por ora, necessite de alertas”, pondera André.

Juros e dúvidas

Para o economista, há uma preocupação com o choque de juros. “Está caro demais pegar crédito no Brasil”, diz André. Nesse sentido, as empresas financeiras de modo geral podem sentir uma alta da inadimplência — o que levará a “um aumento no pedido de recuperações judiciais”, destaca ele.

Bruno diz que a maior dúvida dos agentes do mercado financeiro é de como o governo irá colocar o plano em prática. Tendo isso definido, haverá uma reação e, dela, “não é possível escapar”.

“Então, se o que está sendo apresentado de pacote já não anima o mercado, fica mais complexo [escapar dos efeitos]. Vejo um contexto de espera. E, como estamos envolvidos no contexto econômico, não há muito o que pode ser feito”, resume.

Dívida privada e IPOs

Na análise de Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), o mercado de dívida privada pode ser impactado positivamente com os juros mais altos no País. Por outro lado, o custo de captação também fica mais elevado.

Diego acrescenta que, ao invés de levantar recursos junto a instituições financeiras, as empresas tendem a recorrer ao mercado de capitais, na busca de investidores com maior apetite ao risco. “Contratar um empréstimo ou uma estrutura de financiamento bancário estará mais caro”, justifica ele.

Já as ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) também estão ameaçadas, no cenário de juros elevados. Vale lembrar que o Brasil vive uma seca de IPOs – a última abertura de capital foi em agosto de 2021. “Quando a taxa de juros fica elevada, o capital migra para títulos de renda fixa. Assim, o recurso disponível para investir em novas empresas é menor”, explica Diego.