O setor de fintechs está longe de atingir seu limite. Os investidores estão mais exigentes, mas isso não significa menos oportunidades – apenas que os critérios mudaram. Quem conseguir unir eficiência operacional, uso inteligente de dados e novas infraestruturas financeiras estará bem posicionado para atrair recursos e crescer.
Essa foi a principal conclusão do painel sobre investimentos em fintechs realizado pelo Distrito e Santander nesta quinta-feira (20/3) em São Paulo, que reuniu Piero Contezini, presidente e fundador da Asaas, Azor Barros, sócio do fundo de Venture Capital Parallax, e Camila Vieira, sócia do fundo QED Investors.
“A conversa mudou. Hoje, se a fintech ainda não é lucrativa, ela precisa ter um caminho muito claro para chegar lá. Crescimento sem eficiência não se sustenta mais”, afirmou Piero, da Asaas. A fintech recebeu aporte de US$ 150 milhões no ano passado, o segundo maior do setor na América Latina.
“O mercado não aceita mais ineficiência. O crescimento precisa ser sustentável, e a inovação precisa resolver problemas reais. Fintechs que conseguirem transformar inteligência de dados em novos produtos financeiros terão uma enorme vantagem nos próximos anos”, disse Camila, da QED.
Apetite por fintechs
O apetite dos fundos por fintechs segue alto, como mostra a volta das grandes rodadas no último trimestre de 2024. Mas os investidores agora fazem apostas mais criteriosas. “O mercado não quer mais cheques em branco. Quem ainda depende de capital externo para operar precisa provar que sabe equilibrar crescimento e rentabilidade. Sem isso, dificilmente terá uma nova rodada”, explicou Camila.
Além da rentabilidade, outra mudança estrutural foi a forma como os fundos gerenciam suas alocações. Com a saída de investidores estrangeiros do Brasil, os fundos locais passaram a assumir mais responsabilidade pelo crescimento das startups em que investem. “Antes, um fundo de early-stage fazia um primeiro cheque contando que haveria investidores para as rodadas seguintes. Hoje, precisamos avaliar se estamos dispostos a seguir com a startup por mais tempo, porque a liquidez não é a mesma”, acrescentou Camila.
O perfil dos fundadores também se tornou um fator-chave. Empreendedores de segunda viagem – que já passaram por ciclos de mercado e sabem equilibrar crescimento e eficiência – são mais valorizados. “O investidor busca quem entende que cada real investido precisa gerar retorno. Fundadores experientes sabem que precisam construir um negócio sustentável desde o começo”, afirmou Azor, da Parallax.
Futuro das fintechs
Mas se o mercado ficou mais rigoroso, as oportunidades para fintechs continuam em expansão, especialmente nas áreas de Open Finance, Inteligência Artificial e digitalização do mercado de capitais.
Segundo os especialistas, o Open Finance pode transformar a concessão de crédito, melhorar a precificação de riscos e facilitar a gestão de fluxo de caixa para empresas. “Ainda estamos longe de explorar todo o potencial do Open Finance. Quando as fintechs conseguirem usar esses dados de forma mais estratégica, veremos mudanças profundas na forma como crédito e serviços financeiros são oferecidos”, avaliou Azor.
“O impacto será ainda maior quando o Open Finance for mais amplamente adotado por empresas. Pequenos e médios negócios poderão acessar crédito com taxas melhores, porque os bancos e fintechs terão uma visão mais clara da sua saúde financeira”, destacou Camila.
Desafios de IA
A Inteligência Artificial (IA) já é amplamente utilizada no setor financeiro. O grande desafio é usar essa tecnologia para personalizar produtos e gerar novas receitas.
“No Asaas, utilizamos IA para analisar contratos de duplicatas mercantis e antecipação de recebíveis. Antes, esse processo era manual. Agora, a IA lê e interpreta os documentos automaticamente, permitindo decisões mais rápidas e seguras”, explicou Piero.
Mas a verdadeira revolução será na oferta de crédito. Com IA, será possível criar linhas de financiamento sob medida para cada usuário, com base em seu comportamento financeiro. “O desafio agora é transformar a IA em um mecanismo de precificação mais eficiente. As fintechs que conseguirem usar essa tecnologia para oferecer crédito melhor estruturado terão uma vantagem competitiva enorme”, afirmou Camila.
Outra aplicação promissora da IA no setor é a redução de fraudes e aumento da segurança digital. “Hoje, um dos maiores problemas do mercado financeiro é a segurança. O uso de IA para proteção de dados e detecção de fraudes será essencial nos próximos anos”, acrescentou Azor.
Bolsa digital
Além de Open Finance e IA, o mercado de capitais digital está se tornando uma nova fronteira para as fintechs. Nos últimos anos, surgiram plataformas que desafiam o monopólio da B3, permitindo negociações mais ágeis e acessíveis.
“Estamos vendo a entrada de novos players, como a Base, apoiada pelo Mubadala, e a CSD, que tem Santander e BTG como investidores. A tokenização de ativos com o Drex também deve movimentar o setor, permitindo a negociação de recebíveis de grandes empresas de forma digital”, explicou o sócio da Parallax.
“Com a digitalização do crédito e dos recebíveis, será possível criar mercados secundários para negociação de ativos de forma muito mais eficiente e segura. Isso pode abrir caminho para novas soluções financeiras tanto para empresas quanto para investidores”, concluiu Camila.