RISCOS

Com juros em alta, consignado CLT passa por "teste" de inadimplĂȘncia

"De verdade, o mercado ainda nĂŁo sabe qual Ă© a taxa de inadimplĂȘncia desse produto", analisa DĂ©lber Lage, CEO da SalaryFits, fintech de consignado da Serasa Experian

Délber Lage/SalaryFits
Délber Lage/SalaryFits | Imagem: divulgação

Contrariando a expectativa do Governo Federal, o novo consignado privado está com juro médio maior do que a antiga linha. Também há dúvidas sobre como se comportará a inadimplência do consignado CLT, cujos descontos na folha de pagamento começam a acontecer. A análise é de Délber Lage, CEO da SalaryFits, fintech especializada em infraestrutura de crédito consignado comprada no ano passado pela Serasa Experian.

“De verdade, o mercado ainda não sabe qual é a taxa de inadimplência desse produto”, afirma Délber, em entrevista ao Finsiders Brasil. “Dependendo da instituição financeira que você conversa, fala-se em uma inadimplência de 10% a 12%. E isso se reflete na taxa [de juros] mais alta”, diz.

De acordo com as estatísticas do Banco Central (BC), em abril, os juros médios do consignado privado atingiram 59,1% ao ano, contra 44% em março. Na prática, a expectativa do governo, de diminuição dos juros na modalidade, ainda não se concretizou. O próprio MTE reconhece isso: segundo o ministério, em maio a taxa média mensal foi de 3,43%, mas no início de junho (5/6) chegou a 3,63%.

Na comparação com o antigo consignado privado, a diferença de juros é ainda mais relevante, diz Délber, citando que a SalaryFits tem parceria com mais de 100 instituições financeiras que atuam em consignado (público ou privado). “No antigo consignado, o prazo médio [dos empréstimos] era de 24 a 48 meses, taxa média de 2,4% ao mês e tíquete de R$ 18 mil. Agora, o tíquete médio caiu para cerca de R$ 5,4 mil, com prazo de 16 a 17 parcelas e taxa de 3,5% ao mês, chegando em alguns casos a 6%.”

Lançado em 21/3, o chamado “Crédito do Trabalhador” já movimentou mais de R$ 14 bilhões em 2,5 milhões de contratos, conforme os dados mais recentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A maior parte (62,66%) das operações está concentrada em trabalhadores que recebem até quatro salários mínimos, segundo o ministério.

Incertezas e desafios operacionais

Na visão de Délber, o consignado CLT segue cercado por incertezas e ajustes operacionais. Um dos pontos de atenção é o risco do empregador, que passou a ganhar mais relevância na nova versão da modalidade. No antigo formato, as instituições financeiras já conheciam cada companhia porque a relação se dava por meio de convênios entre os bancos e as empresas. Agora, com a abertura do mercado e falta de histórico sobre as empresas, muitas instituições preferem operar com prazos curtos e valores reduzidos. Outra opção tem sido segmentar a oferta conforme conhecem ou não o empregador, diz ele.

“Boa parte do risco do consignado privado reside no risco do empregador. Imagine uma empresa com 40 mil funcionários, com 20 mil contratos de empréstimos, que amanhã entra em recuperação judicial. Ou faz um layoff e demite um terço dos colaboradores. Isso machuca a carteira [das instituições financeiras”, observa Délber. “Então, uma das incertezas é em relação ao empregador.

O novo consignado também trouxe o que ele chama de risco operacional, tanto para bancos e fintechs, quanto para as empresas de maneira geral. No modelo anterior, apenas bancos conveniados podiam ofertar o consignado, sob controle do departamento de Recursos Humanos (RH) da empresa. Agora, qualquer instituição habilitada na Dataprev pode originar o crédito. E a responsabilidade de processar, validar e lançar as informações no eSocial é toda do empregador.

“A bola operacional agora está na mão do RH”, diz Délber. Para companhias com grande volume, o desafio operacional fica ainda maior. “Temos casos [de empresas] com 40 mil colaboradores e 28 mil contratos. Isso pode exigir mil tarefas diárias só para migrar contratos antigos para o novo modelo.”

Dados da carteira da SalaryFits, por exemplo, evidenciam esses ajustes operacionais. Hoje, um quarto dos contratos do novo consignado processados na plataforma da fintech apresentam algum tipo de inconsistência, seja na parcela dos empréstimos, seja na margem consignável. “Ou, no início, a Dataprev estava calculando uma ‘super margem’ porque não estava considerando [margem] líquida. Ou o empregador no consignado antigo tinha uma regra própria para calcular margem, que está em desacordo com o novo modelo”, exemplifica Délber.

Potencial

A análise feita pela SalaryFits, com base em cerca de 2,2 mil contratos de crédito no primeiro mês do consignado CLT, traz outros dados interessantes sobre o comportamento da modalidade nesta fase inicial. Por exemplo, 5% dos empréstimos foram concedidos a trabalhadores que já tinham um contrato ativo, violando as regras do Crédito do Trabalhador. Além disso, 36% dos contratos foram feitos por instituições que nunca tiveram relação prévia com o RH da empresa, o que reforça a importância de mensurar o risco de crédito do empregador.

Mesmo com todos os desafios ainda no radar, Délber faz parte do grupo de especialistas e executivos que vê potencial para o mercado de consignado privado triplicar de tamanho. Ou seja, passar de um estoque de R$ 40 bilhões para algo como R$ 120 bilhões. Como um player de infraestrutura, que conecta sistemas de RH e bancos, a SalaryFits prevê liderar o segmento.

“A gente transforma o sistema de folha de pagamento numa plataforma de Open Banking. Trabalhamos com todas as instituições relevantes em consignado (público ou privado). Não ofertamos crédito, mas empoderamos quem dá”, afirma o executivo. Atualmente, a fintech processa dados de mais de 5 milhões de funcionários no Brasil, entre setor público e privado. Apenas no consignado público, a plataforma processa R$ 100 bilhões. A cifra é quase um terço do estoque atual de cerca de R$ 375 bilhões de consignado para servidores públicos.