
Se em 2023 a Inteligência Artificial (IA) Generativa (GenAI) começava a aparecer nos bancos, em 2025 ela já se espalha por praticamente todos os departamentos. A tecnologia, que inicialmente ganhou tração em canais de atendimento e chatbots, agora já é usada também em áreas como auditoria, desenvolvimento, infraestrutura, automação de testes, onboarding de empresas e apoio à tomada de decisão de executivos.
Durante a Febraban Tech 2025, diretores de Tecnologia da Informação (CIOs, na sigla em inglês) de Banco do Brasil (BB), Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa, Santander e BTG Pactual relataram casos concretos com resultados expressivos — especialmente em produtividade, economia de tempo e ganho de eficiência. A GenAI já impacta desde o desenvolvimento de softwares até o desenho de ofertas personalizadas para clientes. Mas escalar essas soluções continua sendo um desafio técnico e cultural, e o sucesso depende cada vez mais de governança, controle e capacitação.
Da agência ao backoffice — e além
Os casos mais visíveis de GenAI seguem nos canais de atendimento. O Bradesco, por exemplo, já atende 3 milhões de clientes com a BIA em versão generativa, com taxa de resolução de até 90%. O BB aplica IA para sugerir melhores produtos financeiros com base no comportamento individual, o que tem resultado em altíssima aceitação: “De cada dez clientes, nove aceitam a sugestão de produto quando explicamos com clareza”, contou Marisa Reghini, vice-presidente de Negócios e Tecnologia do BB.
O Santander desenvolveu o Pitchmaker, que ajuda assessores a preparar conversas com investidores, reunindo dados de mercado, portfólio e perfil do cliente — tudo em segundos. Já na Caixa, a automação de processos como os do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) permitiu que analistas passassem de uma ou duas análises diárias para até 20. O BTG Pactual criou um assistente inteligente via WhatsApp para clientes. Além disso, aposta em ferramentas para desenvolvedores usarem IA no ciclo completo de desenvolvimento, com liberdade para escolher modelos conforme o caso de uso.
“Hoje usamos GenAI em praticamente tudo: atendimento, engenharia de software, onboarding, finanças, ouvidoria, CRM, testes automatizados e até resiliência de sistemas”, disse Richard Flavio Silva, CIO do Santander e CEO da F1RST.
Escalar ainda é um desafio
Apesar da ampla adoção, todos os CIOs foram enfáticos ao afirmar que escalar essas soluções para grandes volumes, com segurança e governança, ainda é o maior desafio. “Testar em um laboratório é fácil. Mas escalar para 100 mil usuários ou 80 milhões de clientes exige outro nível de cuidado”, explicou Edilson Reis, CIO e diretor-executivo das áreas de Inovação e Sistemas do Bradesco.
A complexidade aumenta com a velocidade das mudanças tecnológicas. “A gente fala hoje de um modelo, mas amanhã ele já está ultrapassado. Isso exige uma capacidade de adaptação contínua que nunca vivemos antes”, comentou Pedro Pedrosa, diretor executivo da Caixa. “Não dá mais para planejar um projeto para três anos. Em três meses, tudo já mudou.”
Negócio x tecnologia
Os bancos também afirmaram que a transformação provocada pela GenAI inverteu a lógica tradicional nas empresas. Antes, cabia à tecnologia entender o negócio. Agora, o negócio precisa não apenas entender, mas dominar a tecnologia.
“Estratégia de IA agora é responsabilidade do negócio também. Não é mais algo exclusivo da TI. Cada executivo precisa entender como a IA pode resolver seus problemas”, defendeu Christian Flemming, CTO e COO do BTG Pactual.
A visão é compartilhada por Marisa, do BB: “A tecnologia não é mais responsabilidade só da TI. No BB, formamos mais de 25 mil pessoas com nossa academia de IA, e 92% nunca tinham trabalhado com tecnologia antes.”
A próxima revolução
Os CIOs apontaram os agentes autônomos — sistemas que executam ações de forma independente — como a próxima revolução. Mas, por ora, ainda são vistos como promissores, mas não maduros. “Os agentes vão mudar tudo, mas ainda exigem cuidado. Não é apertar um botão e ir treinar trialtlo enquanto a IA trabalha”, brincou Edilson, do Bradesco.
Esses agentes devem permitir hiperpersonalização, com interações únicas e dinâmicas em tempo real, integrando dados de várias fontes. Isso exige estruturas novas, tanto técnicas quanto culturais. “Imagine times com pessoas físicas e agentes trabalhando juntos. É uma transformação completa”, disse Marisa, do BB.
Por outro lado, o uso de GenAI amplia riscos, como fraudes e alucinações. Para evitar abusos e garantir segurança, os bancos apostam em governança de dados, guard rails técnicos, modelos “juízes” que auditam as saídas de outros modelos e plataformas de controle unificado.
O papel humano
Apesar dos ganhos reportados — como redução de 40 horas de trabalho para 7 minutos em alguns casos — ainda há dúvidas sobre qual é o retorno real sobre os investimentos em IA. Os custos operacionais e computacionais não são triviais, e erros em larga escala também podem ser dispendiosos.
Por isso, o ser humano continua essencial. “A IA pode ser o copiloto, mas o piloto é sempre o humano”, lembrou Richard. Todos os executivos reforçaram que o sucesso da adoção depende de treinamento, experimentos controlados, multidisciplinaridade e uma visão estratégica clara.
Uma das estratégias mais discutidas no painel para garantir segurança no uso da GenAI foi a adoção de IAs especialistas que funcionam como “juízes” de outros agentes de IA. Esses modelos atuam como validadores das respostas geradas, avaliando se há coerência, precisão e aderência às regras da instituição. A ideia é que, antes de uma resposta ser entregue ao cliente ou de uma ação ser executada automaticamente, um segundo agente — treinado para analisar riscos, compliance ou veracidade — revise e aprove a decisão.
“Estamos construindo estruturas em que um agente cria, mas outro agente, com outro objetivo e base de conhecimento, avalia se aquilo faz sentido. É uma segunda camada de inteligência, voltada ao controle e à confiança”, explicou o CIO do Santander. Essa abordagem reforça os chamados guard rails, fundamentais para evitar alucinações, vieses e possíveis fraudes, especialmente em um ambiente que começa a caminhar para maior autonomia das máquinas.
Testes
O uso da GenAI na automação de testes tem se mostrado uma das aplicações mais eficazes e de retorno imediato nas instituições financeiras. Com o apoio da GenAI, os times de tecnologia conseguem gerar casos de teste automaticamente, simular comportamentos complexos de usuários e até detectar falhas em códigos antes mesmo da execução formal dos testes.
“Antes levávamos semanas para desenhar cenários de teste, agora a IA gera em minutos, com cobertura mais ampla e precisão maior”, afirmou Christian, do BTG Pactual. A tecnologia também permite criar ambientes de teste sob demanda, com dados sintéticos e controle de variáveis, o que acelera a homologação de produtos e reduz riscos operacionais. Trata-se de uma aplicação estratégica para acompanhar a velocidade de entregas exigida pelo mercado — sem comprometer a segurança e a qualidade dos sistemas bancários.
Cases
Na Caixa, o uso de GenAI já trouxe ganhos expressivos de produtividade em áreas tradicionalmente burocráticas. Um dos principais exemplos está no processamento do FCVS, onde analistas que conseguiam revisar um ou dois processos por dia agora são capazes de concluir até 20 análises diárias com o apoio da IA. Isso representa uma economia de tempo superior a 90%, liberando equipes para se concentrarem em tarefas mais estratégicas e contribuindo para a redução de gargalos históricos em áreas operacionais críticas do banco.
No Santander, a aplicação prática da GenAI vem transformando processos de atendimento interno e externo. Um dos cases mais emblemáticos é o uso de agentes para agilizar o onboarding de empresas e processos de backoffice, que antes levavam até 40 horas de trabalho humano e agora são executados em apenas sete minutos, com custo de “poucos dólares”, segundo Richard.
Outro exemplo é o Pitchmaker, ferramenta que prepara automaticamente reuniões comerciais para assessores de investimento, cruzando dados de mercado, perfil do cliente e histórico de relacionamento. Com isso, o tempo de preparação caiu de dias para minutos, além de aumentar a assertividade nas propostas comerciais, gerando eficiência operacional e vantagem competitiva direta.