Depois de atuar fortemente junto ao Banco Central (BC) na construção do Pix, que hoje é referência para diversos países, Carlos Netto, CEO da Matera, está envolvido com outra inovação que promete transformar o mundo de pagamentos, em escala global. Conhecido no mercado como “TK”, o executivo participa de um grupo ligado à ANSI (uma espécie de INPI dos Estados Unidos) para a criação de um QR Code padrão, que reconheceria diferentes sistemas de pagamentos instantâneos – até mesmo o Pix.
“O mundo está cheio de padrões: soquetes das lâmpadas, USB-C, wi-fi, bluetooth. Por que não ter um QR Code multimoedas, que aceite Pix, FedNow [um dos trilhos de pagamentos instantâneos dos EUA], UPI [sistema de pagamento instantâneo da Índia], Visa Direct, USDC [stablecoin da norte-americana Circle]?”, questiona TK.
O grupo internacional, que inclui a Matera, grandes bancos globais, varejistas e empresas de tecnologia, iniciou os trabalhos no ano passado. Segundo TK, a primeira demonstração do QR Code será em julho, com as redes de pagamentos instantâneos norte-americanas FedNow e RTP. “Estou otimista que até o fim do ano a gente tenha esse padrão aprovado. E a ideia da ANSI é levar [o QR Code padrão] para a ISO [organização que publica normas internacionais]”, diz o executivo.
Concorrência entre trilhos
Apesar do andamento da iniciativa, o mercado já vem desenvolvendo testes com soluções baseadas no ‘draft‘ atual. A própria Matera é um exemplo disso. “Queremos estar em produção com uma solução no Canadá até o fim do ano. Surgiu uma oportunidade lá”, revela TK, sem dar mais detalhes.
Na essência, explica TK, o QR Code funciona como um Payment Request, ou pedido de pagamento. Ele carrega informações simples: quem vai receber, quanto deve ser pago e em qual moeda. Mas, diferentemente dos QR Codes atuais, que são vinculados a um sistema de pagamento específico, esse novo padrão não está preso a nenhuma rede. “A ideia é permitir concorrência de trilhos [de pagamento], e o consumidor escolhe qual deseja usar”, diz ele. “Se amanhã tiver pagamento por telepatia, o QR Code padrão vai aceitar”, brinca TK.
O executivo faz um paralelo com os setores de telefonia e internet anos atrás. “Você tinha que pensar se a ligação era nacional ou internacional; precisava digitar o código de DDI, contratar cartões de chamada”, lembra. “E pagamento vai ser pagamento, independentemente do país. A gente está saindo de uma era de bancos locais para bancos e moedas globais”, prevê TK.
Stablecoin USDC
Ainda no que ele chama de “cruzada” da Matera para extrapolar as fronteiras brazileiras, TK lembra que a empresa fechou uma parceria com a Circle, emissora da stablecoin USDC, uma moeda estável pareada no dólar norte-americano na proporção de 1:1. Com uso da tecnologia da Circle, os clientes da Matera – bancos e fintechs, por exemplo – poderão oferecer o USDC como opção de saldo em suas plataformas. Isso permitirá, então, que os clientes finais dessas empresas enviem, recebam e realizem pagamentos com USDC em qualquer lugar do mundo, como se estivessem usando moeda local.
“Estamos inaugurando uma nova camada de infraestrutura bancária global. A interoperabilidade entre stablecoins e contas em moeda local deixou de ser um experimento, agora faz parte do coração do sistema financeiro. É uma virada de chave para bancos e fintechs que desejam atuar globalmente, com liquidação instantânea e custos reduzidos”, diz o executivo.
TK não esconde que a parceria tem caráter estratégico para os planos da Matera: “Se queremos ser uma empresa global, faz todo sentido trabalhar com uma moeda global”. Além desse acordo, o executivo diz que o foco da internacionalização está na América do Norte. “Nos Estados Unidos e no Canadá, também é possível encontrar integradores que são globais. E quando você faz parceria com eles, automaticamente já está indo para outros países”, afirma.
Fundada há mais de três décadas em Campinas (SP), hoje a Matera tem mais de 280 clientes. No total, soma mais de 90 milhões de contas e processa 6 bilhões de transações via Pix por ano, de acordo com informações em seu site. Há cerca de um ano, a empresa recebeu R$ 500 milhões da gestora norte-americana de Private Equity Warburg Pincus para acelerar a expansão tanto no Brasil quanto em outros mercados.