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"Até o regulador será substituído por IA"

Enquanto o setor financeiro acelera a adoção de modelos preditivos e ferramentas de IA generativas, reguladores correm para criar legislação

Da esq. para a dir.:Paulo Portinho/CVM, Antonio Marcos Guimarães/BC, Fábio Marques/EcommIT e Giancarllo Melito/BTLaw | Imagem: Léa De Luca
Da esq. para a dir.:Paulo Portinho/CVM, Antonio Marcos Guimarães/BC, Fábio Marques/EcommIT e Giancarllo Melito/BTLaw | Imagem: Léa De Luca

Enquanto o setor financeiro acelera a adoção de modelos preditivos e ferramentas generativas, o Brasil corre para construir uma regulação possível. Uma que não engesse a inovação, mas também não entregue decisões complexas à tecnologia, sem supervisão. Mas a missão está longe de ser simples.

“Estamos falando aqui da regulação da Inteligência Artificial (IA). Mas eu já acho que até a gente, regulador, vai ser substituído por ela. Quando eu digo isso, não significa que a gente não vai mais ser importante. Mas é porque eu não tenho ilusões. A IA vai nos superar em tudo que for parametrizável. O que restará será o autoconhecimento e a consciência ética.”.

O alerta veio de Paulo Portinho, gestor de inclusão e Educação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), durante evento sobre o tema realizado em São Paulo nesta quarta-feira (25/6). Ele participou com Antonio Marcos Guimarães, consultor no gabinete do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central (BC), Giancarllo Melito, sócio do BTLaw e uma das principais referências jurídicas em meios de pagamento, Pix e Open Finance e Fábio Marques, diretor na EcommIT, de um painel para discutir o atual estágio de aplicação da IA no setor financeiro – e o que os reguladores estão fazendo para regular o assunto mantendo espaço para inovação.

Abordagem

O Projeto de Lei 2.338, atualmente em tramitação, prevê a criação do Sistema Nacional de Governança de IA (CIA), com cinco órgãos, entre eles a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), o BC e a CVM. A proposta original previa que a ANPD tivesse poder de regulação em todos os setores, o que foi contestado por autoridades setoriais. O BC defendeu — e conseguiu — a preservação das competências regulatórias setoriais.

Antonio explica que o BC propõe uma abordagem baseada em risco, inspirada em experiências anteriores, como a prevenção à lavagem de dinheiro. A supervisão humana é destacada como essencial em determinados contextos, mas a exigência generalizada é considerada impraticável. “Fintechs analisam até 5 mil propostas por dia. Se cada usuário exigisse falar com um humano, o sistema colapsaria”, disse.

Entre os principais pilares da proposta do BC, segundo ele, estão a supervisão humana – recomendada apenas em casos críticos, diante da inviabilidade operacional de aplicá-la a todas as interações automatizadas; explicabilidade e transparência dos sistemas – inspirada no modelo europeu, mas adaptada à realidade nacional; e interoperabilidade técnica – tratada com cautela, diante do risco de onerar inovações ainda incipientes.

Regulação e inovação

Fábio, da EcomIT, destacou que muitas regulações, como a europeia, sufocam a inovação. “A lei expulsou startups para fora da Europa. Não devemos copiar esse modelo”, disse. Ele defendeu que o foco da regulação esteja na governança de dados e na curadoria de modelos, ressaltando a importância de saber o que a IA está fazendo e de onde os dados vêm. Portinho concorda: para ele, educação é cada vez mais importante dentro desse contexto.

Ginacarlo, porém, acredita que não se deve demonizar a regulação. Segundo ele, a regulação bem feita promove confiança, atrai investimentos e consolida o mercado. “Se olharmos para o mercado de pagamentos antes e depois da regulação, veremos que ela foi essencial para o crescimento sustentável do setor”, afirmou. Para ele, “o importante é que a regra venha depois do entendimento técnico, não antes”, disse.

IA no mercado financeiro

“O Brasil tem um dos sistemas financeiros mais avançados do mundo. Podemos ser líderes também na regulação de IA para o mercado se fizermos isso com inteligência, sem arrogância e ouvindo os envolvidos”, disse o consultor do BC. Ele informou que a autoridade monetária deve apresentar em outubro os resultados de um estudo com 612 instituições , representando cerca de 97% do mercado financeiro nacional em termos de ativos. O estudo buscou entender como a IA vem sendo aplicada no setor, quais riscos estão sendo enfrentados e que medidas de controle estão em vigor.

Segundo ele, a pesquisa indicou que o uso de IA já é realidade em diversos segmentos — de fintechs a cooperativas —, muitas vezes utilizando variáveis não tradicionais para prever inadimplência, como o número de cliques do usuário ou o horário da solicitação de crédito.

A CVM também se movimenta. Segundo Paulo, um sandbox regulatório específico para inteligência artificial está nos planos próximos. A proposta é abrir espaço controlado para testes de soluções envolvendo IA na análise de investimentos, no relacionamento com o investidor e na automação de compliance — sempre com monitoramento.