O Open Finance, considerado um dos movimentos mais ambiciosos do sistema financeiro brasileiro, chega a uma fase decisiva. Com a expansão para dados de investimentos, seguros e previdência, o projeto caminha para um ecossistema financeiro mais integrado e inteligente. No entanto, à medida que avança, revela também uma série de desafios técnicos, regulatórios e, principalmente, culturais. O maior deles talvez seja compreender que o consentimento do usuário deixou de ser uma exigência burocrática e passou a ser, de fato, o ativo mais estratégico dessa nova era financeira.
Ainda que o setor tenha feito avanços relevantes em segurança e interoperabilidade, muitos players continuam tratando o consentimento como um mero clique formal para atender a regulações. Esse é um erro que compromete diretamente a adesão dos usuários e o potencial de geração de valor do modelo de finanças abertas. A baixa disposição das pessoas em compartilhar dados não nasce da falta de interesse, mas da incapacidade do mercado em demonstrar, de forma clara, quais benefícios reais estão atrelados a essa decisão. Enquanto prevalecer uma jornada opaca, burocrática e desconectada, o consentimento continuará sendo visto como risco, e não como oportunidade.
O problema se agrava diante de um cenário de complexidade técnica crescente. As constantes atualizações exigidas, somadas aos prazos regulatórios rígidos e à fragmentação dos sistemas legados, tornam o processo ainda mais desafiador. Algumas instituições, especialmente as maiores, enfrentam dificuldade em visualizar retorno financeiro direto e imediato, o que gera resistência na priorização de experiências mais centradas no usuário. Fica evidente que, sem mudança de mentalidade, a nova infraestrutura financeira corre o risco de ser apenas um cumprimento de normas, sem entregar o valor transformador que promete.
Sinais claros
Por outro lado, há sinais claros de que o caminho para superar esses desafios existe, e já está sendo testado. Jornadas de consentimento mais inteligentes, interativas e didáticas, com uso de simulações, gamificação e dashboards, mostram aumento expressivo nas taxas de conversão. Quando o usuário enxerga controle, clareza e, sobretudo, valor, sua disposição em compartilhar dados muda radicalmente. O desafio, portanto, não é convencer o usuário a aceitar, mas fazer com que ele queira participar.
Além disso, tecnologias como Inteligência Artificial (IA) e plataformas modulares surgem como ferramentas indispensáveis para escalar esse modelo de sistema financeiro aberto centrado no usuário. A IA permite personalizar ofertas e criar experiências verdadeiramente sob medida, enquanto a modularidade reduz a complexidade na integração de parceiros e serviços. Isso não só facilita a expansão do ecossistema, como também melhora exponencialmente a percepção de valor para o usuário final.
Em resumo, o futuro das finanças abertas não pertence às instituições que simplesmente cumprem regras, mas àquelas que entendem o consentimento como uma construção contínua de confiança, transparência e benefício mútuo. Transformar burocracia em experiência, obrigação em valor e dados em soluções personalizadas é o que definirá quem lidera, e quem fica para trás, nesse novo mercado financeiro. A chave está em deixar de enxergar o consentimento como um entrave regulatório e começar a tratá-lo, de fato, como o ativo mais valioso da nova economia de dados.
*CEO do Banco Útil