RECEBÍVEIS

"Digitalização das duplicatas abre um campo fértil para atuação das fintechs"

Afirmação foi feita por Ricardo Vieira, do BC, durante evento sobre o tema realizado nesta segunda-feira (30/6) em São Paulo

Ricardo Vieira/BC | Imagem: Léa De Luca
Ricardo Vieira/BC | Imagem: Léa De Luca

A transformação das duplicatas em títulos digitais em substituição ao uso de boletos abre caminho para inovação, competição e novas ofertas de crédito no mercado com base em recebíveis. Trata-se de um “campo fértil para atuação das fintechs”, como definiu Ricardo Vieira, chefe de divisão do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central (BC).

Segundo ele, a nova estrutura elimina ineficiências, cria um ecossistema interoperável e dá visibilidade a ativos antes ocultos. Ao digitalizar as duplicatas, o crédito mercantil ganha padronização, segurança jurídica e, sobretudo, espaço para soluções tecnológicas.

Vieira fez uma apresentação em evento sobre o tema nesta segunda-feira (30/6), em São Paulo, organizado pela Finnet, empresa de tecnologia para o setor financeiro. E deixou claro: “O boleto é um instrumento de pagamento, ele não é um recebível”. Isso significa que as operações hoje baseadas em boletos carecem de formalização e rastreabilidade — o que dificulta a negociação e financiamento desses créditos. “Banco não é escriturador nem registrador de duplicatas”, reforçou.

Potencial

As duplicatas escriturais serão registradas exclusivamente pelas Infraestruturas de Mercado Financeiro (IMF) autorizadas pelo BC. Isso vai criar uma separação clara entre quem gera, negocia e liquida o crédito.

O sistema de duplicatas escriturais, regulado pelas Resoluções 339 e 4815 do BC, deve reorganizar o mercado de recebíveis de ponta a ponta. “Queremos resolver dores como assimetria de informações e risco de dupla negociação”, explicou Vieira. Ele citou o caso de empresas que recebem até 40% de seus pagamentos por TED e hoje têm dificuldade de usar esses valores como colateral para empréstimos. Com a escrituração digital, todos esses recebíveis poderão ser formalizados e utilizados como garantia.

O potencial é gigantesco: estima-se que o mercado movimenta pelo menos R$ 10 trilhões por ano. “Qualquer percentual que seja formalizado já representa uma revolução no volume de negócios”, afirmou. A meta, segundo o BC, é que a duplicata escritural se torne o título padrão do crédito mercantil, enquanto boletos, TEDs e Pix sirvam apenas como instrumentos de pagamento associados.

Negociação direta e leilão

A primeira fase de testes regulatórios deve ser finalizada ainda este ano. Segundo disse Gilneu Vivan, diretor de Regulação do BC, na abertura do evento. Ele enfatizou que a nova estrutura permitirá que empresas e instituições financeiras transitem com suas garantias e negociações “em busca da melhor oferta, de forma bem mais simples”.

Vieira destacou o papel central da interoperabilidade entre os sistemas de escrituração e registro, e apontou que o sistema está desenhado para favorecer “a negociação direta, a automatização da emissão e a redução de litígios”. Ele comparou o novo ecossistema à construção de uma hidrelétrica: “Estamos criando uma infraestrutura. O que virá sobre ela é campo para criatividade empreendedora”.

Além disso, a nova regulamentação permitirá que o sacado (comprador) acompanhe todas as duplicatas emitidas contra ele, receba notificações em tempo real e tenha mais segurança ao fazer o pagamento. Um dos objetivos é justamente facilitar o fluxo de pagamento com menos fricção. “O sacado precisa ter tranquilidade de que está pagando certo, e o financiador, de que vai receber”, resumiu Vieira.

Na prática

Ivan Ajzenberg, sócio do BTG Pactual, afirmou no painel que dividiu com Breno Castellar, gerente financeiro na IPEL Papel e Márcio Peixoto, diretor financeiro no Grupo Farias, que a mudança traz uma “abertura de mercado comparável à dos cartões de crédito”. Segundo ele, o modelo atual “não é desconto de duplicata, é de boleto”.

Com a escrituração, o banco poderá precificar o risco com base no aceite do sacado — o que deve reduzir custos. “A operação com risco sacado é muito mais barata porque o risco sai do fornecedor e passa a ser do comprador”, explicou.

A expectativa do mercado é pela entrada em cena do chamado “boleto dinâmico” — um instrumento de pagamento inteligente, que identifica automaticamente a duplicata associada e direciona o recurso ao verdadeiro credor. “O boleto estará vinculado à duplicata, mas não será ela”, disse Vieira. Esse modelo deve reduzir fraudes, automatizar liquidações e integrar-se a novos meios como o Pix dinâmico.

Cronograma

A obrigatoriedade da duplicata escritural será faseada: grandes empresas em um primeiro momento, depois médias e pequenas, sempre com seis meses de intervalo entre cada etapa. “Não daremos ordens às empresas”, esclareceu Vieira. “O que diremos é: a partir de certa data, instituições financeiras só poderão negociar recebíveis via duplicatas escriturais”.

A expectativa é de que, em até três anos, o mercado de crédito seja completamente diferente. “Estamos mudando o jogo. O crédito será mais transparente, eficiente e acessível”, concluiu Vieira. A recomendação é clara: empresas devem se preparar desde já. Afinal, como resumiu o representante do BC: “A duplicata voltará a ser protagonista — agora, digital”.