A Dock, empresa de tecnologia para pagamentos e banking que atua em 11 países da América Latina, começou a adaptar o motor de Inteligência Artificial (IA) da Ant Financial, braço financeiro do grupo chinês Alibaba, para avaliar crédito no País. A parceria foi anunciada no final de 2024. A ferramenta, conhecida como Ant Credit Engine, já opera em mais de dez países do Sudeste Asiático. E já é a responsável por aproximadamente 45% do mercado de empréstimos pessoais na China por meio do Alipay.
As informações são de Henrique Casagrande, diretor de Operações da empresa, nesta quinta-feira (14/8), durante o evento “RPE Summit 2025“. A adaptação da tecnologia está em fase de testes e, segundo o executivo, deverá ser oferecida ao mercado em breve. O sistema promete decisões instantâneas: qualquer cadastro leva no máximo três minutos e a resposta sai em um segundo. Tudo isso sem intervenção humana, conceito que a Ant batizou de “Experiência 310”.
Henrique diz que o modelo atual de concessão de crédito é ineficiente para analisar milhões de brasileiros. Dados da própria Dock mostram que 75% das transações negadas por limite insuficiente correspondem a compras de até R$ 50. Mas essas transações representam cerca de 20% do volume total processado pela empresa. “Será que realmente a gente deveria rejeitar todas essas transações?”, questionou. Para ele, a abordagem tradicional “obedece a lógica de um País que já mudou” e precisa dar lugar a uma análise mais granular e em tempo real, capaz de reabilitar pequenas compras e clientes sem histórico bancário.
Excluídos
O universo de potenciais excluídos é enorme. O executivo lembrou que cerca de 40 milhões de brasileiros vivem de trabalhos na chamada gig economy – motoristas e entregadores de aplicativos – e que há outros 2 milhões de caminhoneiros autônomos. Esses trabalhadores não têm holerite ou contracheque, mas nem por isso deixam de ter renda. No modelo tradicional, contudo, são vistos como arriscados e acabam pagando juros altíssimos – ou nem são vistos e acabam ficando sem crédito. Para reverter a situação, a Dock fala em conceder “crédito consciente” usando dados alternativos e algoritmos avançados.
No evento, Henrique citou o caso do Bcash em Bangladesh para ilustrar o potencial da tecnologia. O Bcash, que ele comparou a um “Nubank de Bangladesh”, conta com aproximadamente 70 milhões de clientes num país de 170 milhões de habitantes. A fintech concede empréstimos de US$ 5 a US$ 250 sem depender de birôs de crédito sofisticados: usa dados da conta de luz para estimar o valor do imóvel pelo CEP e inferir se o consumidor tem uma geladeira, dois aparelhos de ar‑condicionado e um micro‑ondas. “São tíquetes baixos devido ao perfil da economia de Bangladesh”, afirmou. Essa inteligência, baseada em cruzamento de dados e modelos estatísticos, alimenta o Ant Credit Engine que a Dock agora tenta tropicalizar.
Open Finance
A capacidade de adaptação é um dos motivos apontados para a escolha da Ant Financial. Henrique disse que a Ant tem tecnologia “com capacidade de operar em geografias diferentes da geografia nativa”. Além do domínio na China, está expandindo na Ásia. Ao trazer a ferramenta para o Brasil, a Dock pretende montar um “marketplace de dados”. Ele vai agregar informações de birôs, registros transacionais, boletos, dados de Open Finance, DDA e contas de serviços públicos, tudo processado em tempo real. Nas palavras do executivo, “um motor de crédito sem combustível, que são os dados, não consegue operar sozinho”; por isso, a empresa também investe em uma infraestrutura com alta capacidade de processamento para alimentar o algoritmo.
A estratégia inclui usar informações que pouco aparecem nos relatórios de crédito tradicionais. A empresa pretende cruzar dados sobre aplicativos instalados – diferenciar, por exemplo, quem usa apps de investimento de quem usa sites de apostas – nível de bateria e rolo de câmera para inferir poder de consumo e comportamento. A velocidade de deslocamento do celular, o endereço onde o telefone “dorme” e o Wi‑Fi utilizado podem revelar se o usuário é estudante, motorista de aplicativo ou mora perto do trabalho. Henrique ressaltou que o algoritmo combina milhares de variáveis para identificar padrões e recomendar ao gestor de crédito a melhor combinação de dados.
O Open Finance, destacou o executivo, é uma peça-chave para conhecer clientes que não têm contracheque. Ele mencionou dados do Banco Central que mostram que bancos digitais como Nubank e Mercado Pago são os maiores receptores de dados de cartões, contas e empréstimos, o que mostra que esse universo já concentra boa parte da população informal. Ao integrar informações de Open Finance ao motor de crédito, a Dock espera reduzir o custo do crédito e torná-lo mais eficiente.
iFood Pago
Henrique apresentou o caso do “iFood Pago”, cartão corporativo voltado a restaurantes processado pela Dock. Segundo ele, 70% do crédito que o iFood hoje concede a restaurantes antes era negado por modelos tradicionais. Com o uso de dados alternativos e algoritmos sofisticados, esses restaurantes conseguiram limite para comprar insumos e crescer. O exemplo, argumenta, mostra como a combinação de alta capacidade computacional e novas fontes de dados pode destravar crédito reprimido e gerar negócios.
A Dock aposta que o casamento com a Ant Financial e a adoção do Ant Credit Engine no Brasil pode inaugurar um novo capítulo na concessão de crédito. A empresa pretende usar a avalanche de informações disponíveis para substituir os critérios excludentes e manuais do passado por modelos dinâmicos e inclusivos. Se os projetos‑piloto confirmarem os números apresentados, as decisões em segundos e a incorporação de trabalhadores informais ao sistema financeiro podem se tornar realidade nas próximas rodadas de crédito.