Nos últimos meses, o Banco Central (BC) vem publicando uma série de regulamentações e consultas públicas que impactam o ecossistema de fintechs no Brasil. As regras incluem novidades na agenda evolutiva do Pix e do Open Finance, as infraestruturas “joias da coroa” criadas pelo regulador e referências mundo afora. Mas as mudanças recentes também envolvem temas quentes no setor, como Banking as a Service (BaaS) e cripto.
“O Banco Central é um regulador extremamente atuante, trazendo consultas, regulamentação e debates para dar solidez ao sistema”, disse Ricardo Binnie, sócio do Pinheiro Neto Advogados, no evento “Wrap up Regulatório”, realizado na segunda-feira (18/8) pela Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) em parceria com o escritório de advocacia.
Veja abaixo as principais mudanças regulatórias recentes apresentadas por ele e Maria Luiza Kjekshus Mansur, advogada associada no Pinheiro Neto:
1. Inovações no Open Finance
Neste ano, entraram em vigor regras importantes para a evolução do Open Finance, por meio das resoluções BCB 406 e 407. Entre as principais novidades está a implementação da Jornada Sem Redirecionamento (JSR), que viabiliza o Pix por Aproximação e por Biometria. Além disso, houve novas exigências para Iniciadores de Transação de Pagamento (ITPs), como capital mínimo de R$ 2 milhões.
Outra mudança relevante foi na governança do sistema, com a criação da estrutura definitiva, liderada pela Associação Open Finance, com direito a CNPJ próprio. O BC também passou a obrigar a participação de instituições com mais de 5 milhões de clientes no compartilhamento de dados. “A ideia do regulador, justamente, é enriquecer a qualidade de dados e trazer essas instituições para dentro do Open Finance”, afirmou Ricardo.
2. Novas soluções de Pix
No caso do Pix, as novidades dos últimos meses incluem o Pix por Aproximação, cuja regulamentação saiu em 2024 e passou a valer em fevereiro de 2025. “Para esse tipo de pagamento por aproximação, o limite máximo é de R$ 500, mas o usuário pode configurar o próprio limite conforme ele entender melhor”, explicou Maria Luiza, do Pinheiro Neto.
Outra estreia foi a do Pix Automático, em junho deste ano. A modalidade pode ser usada apenas por empresas com CNPJ ativo há mais de seis meses e sem indícios de fraude. “Essas mudanças, de modo geral nas regras do Pix, reforçam os requisitos de segurança e melhoram a experiência do usuário, além de tentar reduzir o risco de fraude”, disse ela.
3. Novas regras para financeiras (SCFIs)
Com entrada em vigor em setembro, a nova regulamentação para as financeiras (as chamadas Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento, SCFIs) consolidou regras dispersas e antigas sobre esse tipo de instituição em uma única norma, explicou Ricardo. Entre as novidades está a permissão para as financeiras atuarem como credenciadoras (adquirentes) e o acesso a mais fontes de recursos, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e captações externas.
A norma (Resolução CMN nº 5.237) cria, ainda, incentivos para que Instituições de Pagamento (IPs) e fintechs de crédito migrem para a licença de financeira, o que já vem ocorrendo de forma natural no mercado. “Tem muita fintech que opera como SCD [Sociedade de Crédito Direto] e planeja evoluir para financeira, ou seja, dar um ‘upgrade‘. É um passo natural”, disse Ricardo.
4. Recuperação e resolução de instituições
Os advogados comentaram também sobre as novas regras para planejamento da recuperação e da resolução de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC. As mudanças estão nas resoluções CMN 5.187 e BCB 440. Conforme explicaram os advogados, as regras seguem recomendações do Financial Stability Board (FSB) e substituem legislação de 1974.
As normas, na prática, criam “mais ferramentas para o próprio Banco Central lidar com situações extremas”. “Mesmo depois da crise de 2008, a gente vê que há necessidade de modernizar a legislação que trata esses temas”, afirmou Ricardo. Segundo ele, o BC antecipa mudanças via resoluções enquanto aguarda um projeto de lei em tramitação no Senado.
5. Remuneração de administradores de IPs
A Resolução BCB 432 estabeleceu política de remuneração para administradores de instituições como as de Pagamento (IPs), trazendo regras que já existiam para as instituições financeiras, explicaram os advogados. “Para as instituições dos segmentos 1, 2 e 3, ainda é obrigatório a criação de um comitê de remuneração”, disse Maria Luiza. As mudanças entraram em vigor em janeiro de 2025.
“Tem a necessidade de ter a política até o final deste ano para valer a partir do 1º de janeiro de 2026. Então, chamo a atenção para aqueles que ainda não começaram a pensar sobre isso”, disse Ricardo. Além disso, segundo ele, a regra traz várias disposições em termos de remuneração variável. “Mas o que está por detrás dessa regra é sempre a solidez do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). É tentar trazer a accountability para os diretores que estão dirigindo o caminhão”, disse o sócio do Pinheiro Neto.
6. Interoperabilidade de registradoras de recebíveis
Com a Resolução BCB 472, o regulador padronizou os eventos de interoperabilidade passíveis de cobrança, além de estabelecer os limites para os valores dessas tarifas, cobradas entre as registradoras de recebíveis. A norma passou a vigorar no começo de junho deste ano.
A medida busca garantir tratamento igualitário entre as Infraestruturas de Mercado Financeiro (IMFs), explicou Ricardo. “A regra procura fazer com que você tenha um tratamento igual”, independentemente de qual IMF você se pluga.”
Consultas públicas
No evento, os advogados comentaram ainda sobre as Consultas Públicas (CPs) abertas nos últimos meses, que devem resultar em novas regulamentações ainda em 2025 ou no começo de 2026. Entre as principais estão:
- Banking as a Service, BaaS (CP 108): busca regular modelos de parceria na prestação de serviços financeiros, focando em transparência, controles internos e responsabilização. “É algo extremamente aguardado. O Banco Central vem vendo com muito cuidado toda essa parte de BaaS”, disse Ricardo. A expectativa é que as regras para esse modelo de negócio saiam até o fim do ano.
- Denominação de instituições (CP 117): Proíbe uso de “bank” e similares por instituições que não têm a licença de banco, para evitar confusão do público. Espera-se a publicação das normas no final do segundo semestre de 2025 ou início de 2026, disse o advogado.
- Tokenização de carteiras (CP 118): Analisa criação de modalidade específica para prestadores de serviço de iniciação via tokenização de carteiras digitais (chamados de solicitantes de token).
- Ativos virtuais (CP 122): A única consulta pública aberta atualmente estabelece critérios contábeis para reconhecimento de criptoativos por instituições reguladas. Prevê mensuração mensal pelo valor justo, exceto NFTs e tokens de utilidade, com exigência de divulgação em notas explicativas sobre variações e mercados utilizados.