OPINIÃO

O fim do “soft power”: novas regras para Instituições de Pagamento não autorizadas

Momento exige outra abordagem: colocar no radar e sob vigilância do BC aquelas entidades que operam sem licença

Golpes financeiros | Imagem gerada por IA/Adobe
Golpes financeiros | Imagem gerada por IA/Adobe

O Banco Central (BC) tem desempenhado, ao longo dos últimos anos, um papel central na modernização do sistema financeiro nacional. Com uma agenda regulatória marcada pela digitalização de processos, simplificação de trâmites e incentivo à inovação, a instituição aplicou o que muitos chamaram de soft power regulatório. A lógica era clara. Ou seja, estimular a entrada de novas Instituições de Pagamento (IPs) no mercado. E ainda reduzir barreiras burocráticas e permitir que fintechs experimentassem modelos de negócio inovadores antes mesmo de buscar a licença definitiva.

Esse movimento trouxe ganhos inegáveis. A Resolução BCB nº 81/2021 consolidou os processos de autorização de funcionamento das IPs. Desde então, vimos avanços como protocolos digitais, padronização de documentos e prazos mais transparentes de análise. Para as novas entrantes, a mensagem era de abertura e acolhimento, um marco que democratizou o acesso ao mercado financeiro e impulsionou a competição.

“Carbono Oculto”

No entanto, acontecimentos recentes mudaram o tom da supervisão. A Operação Carbono Oculto, que expôs fragilidades no uso de estruturas societárias de fachada para fraudes financeiras, e os ataques cibernéticos ao ecossistema Pix, que evidenciaram vulnerabilidades operacionais, acenderam o alerta vermelho. O BC reagiu com firmeza. Em 5/9, editou as Resoluções BCB nº 494, 495, 496 e 497, impondo prazos claros e requisitos mais rigorosos para instituições ainda não autorizadas.

A mensagem é inequívoca: todas as IPs, independentemente da modalidade, devem obter autorização prévia para atuar. Não há mais espaço para operar indefinidamente “à sombra” do sistema regulatório. As que iniciaram atividades sem licença terão de protocolar seus pedidos de autorização entre 1º e 31 de maio de 2026, sem exceções baseadas em volume ou porte. Quem perder o prazo poderá funcionar por apenas mais 30 dias e, em seguida, terá de encerrar suas operações.

Daniel H. C. Alvarenga/Franco Advogados | Imagem: LinkedIn

Além disso, IPs não autorizadas que atuam no Pix ou via PSTI passam a enfrentar restrições concretas: limite de R$ 15 mil por transação, salvo comprovação de controles de segurança e asseguração independente. Trata-se de um corte brusco na flexibilidade antes concedida, que agora força as empresas a se regularizarem rapidamente para evitar restrições competitivas.

Legitimidade

Sob a ótica jurídica e estratégica, os benefícios de se tornar uma Instituição de Pagamento autorizada são claros. A licença do BC confere legitimidade perante consumidores, parceiros e investidores. Além disso, elimina a insegurança de operar sob prazos temporários ou limites de transação, abrindo espaço para expansão de negócios e inovação em maior escala. Mais do que um selo regulatório, a autorização é um ativo reputacional valioso num setor em que confiança é a base da atividade.

Nosso entendimento é que o Banco Central acerta ao endurecer sua postura. A agenda regulatória de inclusão financeira e democratização do mercado deve, sim, prosseguir – fomentando novidades tecnológicas e ampliando o acesso da população a serviços financeiros digitais. Contudo, esse avanço precisa vir acompanhado de maior rigor contra as novas entrantes que insistem em não seguir as regras do jogo.

O “soft power” cumpriu sua função ao abrir espaço para o florescimento de fintechs e IPs. Mas o momento exige outra abordagem: colocar no radar e sob vigilância do BC aquelas entidades que operam sem licença, descumprindo padrões de segurança e governança. Nesse sentido, as recentes medidas não são apenas normativas; são um recado claro de que a era da tolerância acabou.

*Sócio do escritório Franco Advogados