
O modo como o mundo realiza pagamentos está rapidamente mudando, e as stablecoins são o trilho mais promissor dessa nova era. Elas reduzem custos, aceleram transações e aproximam fronteiras. Mas, no Brasil, esse trilho ainda é legalmente estreito. O Banco Central (BC) está finalizando as regras para o câmbio com criptoativos. Até lá, entre a pressa de inovar e o dever de esperar, a prudência pode ser o maior ato de inteligência empresarial.
No nosso país, as operações de câmbio são reguladas. Isso significa que só instituições autorizadas pelo BC podem intermediar a conversão entre reais e moedas estrangeiras. Ou seja, quando uma empresa oferta este serviço com o uso de stablecoins para mandar dinheiro para fora, comprando tokens lastreados em dólar aqui e sacando o valor em outro país, está fazendo, na prática, uma operação de câmbio fora do sistema autorizado. É o princípio do antigo “dólar cabo”, remessas clandestinas feitas antes da era digital, quando o dinheiro era compensado por fora, longe do radar do regulador. A diferença é que, hoje, o atalho ganhou aparência tecnológica. Mas continua sendo câmbio irregular e, portanto, ilegal.
Nos últimos meses, o mercado tem noticiado um movimento silencioso de empresas usando stablecoins para enviar dinheiro ao exterior. A promessa é tentadora: remessas mais rápidas, baratas e sem burocracia. Neste caso, o argumento da modernidade não altera o fato jurídico. A tecnologia muda a forma, mas não altera a essência do ato. E, neste caso, a essência continua sendo o câmbio. Ou seja, é uma operação regulada.
Regulação
O Banco Central já avisou que, quando a regulação sair, apenas instituições autorizadas poderão operar nesse modelo. E a ironia é que o próprio blockchain, que todos celebram como símbolo de transparência, vai deixar o rastro público de cada operação feita fora da lei. O que hoje parece inovação pode ser, amanhã, a prova de uma irregularidade.
Entre as empresas que estão se antecipando, a justificativa mais comum é a de que, como ainda não há norma específica sobre stablecoins, não há nada que as impeça de operar. No entanto, quem está se preparando há anos para esse momento sabe: ausência de regra não é ausência de dever. Fechar os olhos para o risco é, por definição, imprudência.


É o mesmo que uma casa de câmbio vender dólares todos os dias para o mesmo cliente, sem perguntar o que ele vai fazer com o dinheiro. Se algo der errado, ela também responderá pelo ato. O blockchain não muda isso. Só torna mais fácil provar quem fez o quê.
As transações em blockchain não têm fronteiras. Um token pode cruzar o planeta em segundos. E sim, isso é incrível e inovador. Porém, também dificulta a supervisão e abre espaço para brechas. E o BC sabe disso. Nas consultas públicas recentes, o órgão enfatizou que a integração entre câmbio, pagamentos e cripto exigirá coordenação entre autoridades monetárias, fiscais e de segurança. O objetivo não é travar a inovação, mas impedir que ela seja usada como canal de fuga para práticas ilícitas.
Governança
A regulação que vem aí certamente vai tratar disso, e deve exigir o mesmo padrão de governança que já vale para o sistema financeiro tradicional: autorização, compliance e rastreabilidade real das operações. Quem se antecipa à regulação está apostando contra o tempo e contra a lei. O que o setor precisa agora não é de pressa. É de maturidade.
Quem optar por esperar a regulação para iniciar este tipo de oferta seguirá um caminho mais seguro. A tecnologia e a infraestrutura necessárias para viabilizar pagamentos internacionais via stablecoin já estão disponíveis no mercado. E há um movimento crescente de instituições se preparando para operar dentro das regras, com provedores globais de liquidez e suporte jurídico especializado.
O blockchain registra tudo. Inclusive os erros. Por isso, esperar as normas do Banco Central não é inércia, é planejamento. É garantir que o próximo passo seja sólido o bastante para durar. O câmbio via cripto vai acontecer, disso ninguém duvida. A questão, então, é quem chegará lá com legitimidade. No fim das contas, o verdadeiro diferencial competitivo é saber equilibrar visão e prudência. A pressa pode parecer inovação, mas é a paciência que constrói permanência.
*Edisio é fundador e CEO do Z.ro Bank e presidente do Conselho da ABCripto; Marcelo, diretor Jurídico e de Riscos do Z.ro Bank