
Às vésperas da divulgação das regras do Pix Parcelado pelo Banco Central (BC), especialistas em proteção e direitos do consumidor defendem a criação de mecanismos para evitar superendividamento e “empilhamento” de crédito pelos brasileiros. Essa e outras novas funcionalidades do Pix foram discutidas em audiência pública nesta terça-feira (4/11) na Comissão de Defesa do Consumidor, da Câmara dos Deputados.
“Eu vou contratando vários ‘Pix parcelados’ e, quando menos espero, tenho uma dívida enorme. Não sei de onde vem aquela dívida”, alertou Osny Filho, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ele defendeu “travas” de endividamento para impedir que vários financiamentos sejam contratados sucessivamente, colocando o consumidor em posição de vulnerabilidade.
A principal preocupação apontada pelos especialistas é que a contratação de crédito “na velocidade de um Pix” leve o consumidor a perder o controle de suas dívidas. Na visão de Viviane Fernandes, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) – integrante do Fórum Pix -, mesmo com os esforços de educação financeira desde 2010, os riscos de “armadilhas” para o consumidor seguem existindo. “Há 15 anos fazemos esforço de explicar para o consumidor como regularizar as contas. E agora, na velocidade de um Pix, vai poder contratar crédito”, afirmou ela.
Transparência
Os especialistas alertaram também para a transparência das informações na adesão ao Pix Parcelado. “Precisamos tomar cuidado redobrado com os riscos informacionais. O consumidor tem que ter clareza de que está tomando crédito. Ou seja, as interfaces têm de ser claríssimas”, apontou Osny, da Senacon. Por exemplo: ao parcelar R$ 1 mil em 10 vezes via Pix Parcelado, o consumidor não pagará R$ 100 por mês, pois haverá juros, citou ele.
Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt, presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), defendeu transparência total sobre a taxa efetiva, periodicidade das parcelas e valor presente da operação. “Quando o brasileiro observa o quanto vai estar na mensalidade dele, ele talvez se iniba e não faça aquela conta.”
Para Viviane, do Idec, outra preocupação é a marca Pix, do meio de pagamento instantâneo, ser associada a parcelamento. “O nome Pix Parcelado pode induzir o consumidor a acreditar que está fazendo uma transferência parcelada quando, na verdade, está contratando um crédito e assumindo uma dívida em condições que, às vezes, não estão claras para esse consumidor”, afirmou. “Se fosse manter o nome Pix, que usasse a nomenclatura correta: ‘Pix empréstimo’, nao só parcelamento.”
Também presente na discussão, Fábio Macorin, subsecretário de Monitoramento e Fiscalização do Ministério da Fazenda, lembrou que, no caso das apostas de quota fixa (as populares bets), a legislação veda “substancialmente qualquer tipo de transação que reflita em adiantamento de valores para o apostador”, incluindo uso de cartões de crédito nas apostas reguladas. Ele revelou que atualmente mais de 90% das apostas em bets são pagas com Pix.
Concorrência e juros
Entre os aspectos positivos do Pix Parcelado, Cristiane, da ABDE, destacou o aumento da competição no crédito. Isso pode acabar reduzindo as taxas de juros. “Obviamente, o que você tem aí é que o Pix Parcelado vai acelerar a erosão do domínio tradicional dos grandes bancos porque haverá uma competição maior no crédito”, disse ela. Outro ponto a favor, na visão dela, é a democratização do acesso a serviços financeiros, impulsionada pelo avanço do Pix de maneira geral.
Osny, da Senacon, apontou outro benefício específico do Pix Parcelado para pequenos vendedores e lojistas que usam plataformas digitais. “Esse sujeito ganha agora uma facilidade de receber. Ele pode fazer aquilo que a gente chama de antecipação de recebível. Quando ele recebe do cartão de crédito, a antecipação é no 30 mais 1 [recebe em 30 dias]. No Pix, ele vai ganhar um mês importante que pode fazer toda a diferença no caixa”, explicou.
Contexto
Atualmente, diversos bancos e fintechs já disponibilizam soluções de Pix Parcelado com esse nome mesmo ou outros. A ideia do BC agora é publicar regras para padronizar a experiência e a oferta dessa modalidade. A medida vai estabelecer quais informações devem estar presentes no momento da contratação do produto, incluindo juros e IOF, além de definir procedimentos para cobrança. As regras gerais, assim como o manual de experiência e detalhamento dos procedimentos operacionais, devem ser divulgadas em breve.
Na prática, o produto permitirá que as instituições participantes do arranjo Pix ofereçam crédito de maneira mais direta, sem os intermediários tradicionais dos cartões. Hoje, no parcelado sem juros via cartão, o emissor assume todo o risco sem receber juros em contrapartida – apenas no caso de inadimplência. Assim, compromete a economia do produto. Já no Pix Parcelado, as instituições poderão cobrar taxas. Os comerciantes, por sua vez, receberão o valor integral da venda imediatamente, sem exposição a riscos de crédito ou problemas de capital de giro.