
Ele é ágil, inclusivo, barato e muito popular. Presente na rotina de mais de 170 milhões de brasileiros, praticamente a totalidade da população adulta do País, e cerca de 20 milhões de empresas, o Pix, sistema de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central (BC), completa cinco anos no domingo (16/11). O presente é ser reconhecido como o mais bem-sucedido caso de inovação pública do Brasil.
Esse sucesso se reflete em números que impressionam até mesmo os servidores do BC. A quantidade de transações feitas com Pix passou de 9,4 bilhões, registradas em 2021, para 63 bilhões no ano passado.
“Temos números muito chocantes. Em 2021, foram R$ 5 trilhões movimentados, e, no passado, R$ 26,4 trilhões. Para se ter uma ideia, o PIB [Produto interno Bruto] do Brasil em 2024 foi cerca de R$ 11 trilhões. Essencialmente, dois PIBs e meio foram movimentados via Pix em 2024. É realmente um volume fantástico”, ressaltou Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, na “LiveBC” sobre os cinco anos do Pix na terça-feira (11/11).
Muito longe de ser uma concorrente do sistema bancário, a presença do Pix no dia a dia dos brasileiros impulsionou o lançamento de produtos em bancos e fintechs, sobretudo no crédito. Também exerceu um papel social ao permitir permitiu a inclusão de grande parte da população que não tinha acesso ao Sistema Financeiro Nacional (SFN), conhecidos como desbancarizados.
Gomes destacou que muitas pessoas não usavam a conta bancária, subutilizam, muito superficialmente. Elas sacavam todo o dinheiro da conta. Com o surgimento do Pix, a conveniência de fazer pagamentos pelo celular estimulou uma mudança de relacionamento com a conta bancária. “O grande inimigo do Pix é o dinheiro em espécie”, ressaltou.
Inovações e funcionalidades
Para o diretor do BC, o Pix permitiu às instituições financeiras ganhar clientes e conhecer a vida financeira deles. E, a partir da integração com o Open Finance, oferecer novos produtos. Desde o lançamento, em 16/11/2020, o Pix entrou no modo acelerado de inovações e expandiu funcionalidades. As formas de utilizar o Pix ultrapassaram rapidamente as transferências instantâneas entre pessoas e pagamentos com QR Code, um ano depois do lançamento.

Em cinco anos, o BC lançou Pix Cobrança, Saque, Troco, Agendado, Automático, por Aproximação. Além disso, aprimorou o Mecanismo Especial de Devolução (MED), com a versão 2.0. O recurso – que vai permitir seguir o caminho do dinheiro em fraudes – passa a valer no próximo dia 23/11 de forma facultativa às instituições. Será obrigatório a partir de 2/2/2026.
Gomes destacou o papel da integração do Pix com o Open Finance no desenvolvimento da iniciação de pagamentos no comércio eletrônico, estimulando transações via celular. “Este ano, tivemos o Pix por aproximação, em fevereiro, que permite aproximar o celular da maquininha para realizar pagamentos na boca do caixa, disse ele. “O Pix Automático, lançado também neste ano, traz débito automático para o mundo do Pix, uma evolução dos pagamentos recorrentes”, ressaltou.
Em conjunto com o mercado
Desde os primeiros passos do processo de concepção do Pix, iniciados em 2018, o Banco Central desenhou o novo sistema de pagamentos como um facilitador da inclusão financeira no Brasil. O modelo provou ser bem-sucedido ao se transformar em sinônimo de revolução na forma como os brasileiros fazem seus pagamentos.
A advogada e professora Fernanda Garibaldi, doutora em Direito Comercial (USP) e diretora executiva da Zetta, acompanhou de perto essa jornada. Participou dos grupos de trabalho que envolveram a sociedade no processo de criação do Pix. Ela destaca o espírito vanguardista do regulador. “Houve inovação pública claramente. O Estado fez o que a iniciativa privada não estava fazendo ou iria fazer com dificuldade, ou cobrar por isso. O Banco Central criou um arranjo de pagamento público que virou um sucesso”, diz.
Outro acerto do regulador no processo de desenvolvimento do Pix, na visão da advogada, foi incluir o mercado nas discussões, sobretudo tecnológicas e de governança, desde o início. Fernanda destaca o foco do Banco Central no caminho da inovação pública, com custo considerado baixo para o tamanho da inovação. Segundo o BC, foram cerca de 4 milhões de dólares. “O regulador pegou a caneta e falou: vou criar esse negócio. Instando o mercado a desenvolver a solução”, diz ela.
Avanço nas regras
A criação do Pix está diretamente associada a regulamentações que mudaram a atuação de arranjos e instituições de pagamento no Brasil desde o início da década de 2010. Fernanda cita, por exemplo, a importância da Lei nº 12.865 (a “lei das IPs”), de 9/10/2013, que conferiu ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao BC a atribuição de supervisionar e coordenar processos de autorização das Instituições de Pagamento (IPs) e dos arranjos de pagamento.
Karine Oliveira, advogada da área de Bancário, Meios de Pagamento e Fintechs do FAS Advogados, destaca a agenda de evolução contínua do Pix desde 2020. “O arranjo evoluiu significativamente, incorporando novas funcionalidades como cobranças com vencimento, Pix Saque, Pix Troco e a iniciação de pagamentos via Open Finance”, diz.

Outro acerto na operação do Pix reconhecido pelo mercado está na arquitetura do sistema de APIs abertas. Karine diz que, no lado dos recebedores, a disponibilização da API desde o início da operação foi essencial para integrar e automatizar processos. “Ela possibilita a emissão e o controle de cobranças, o acompanhamento da liquidação, a conciliação de pagamentos e a execução de devoluções”, afirma.
API é a sigla em inglês para interface de programação de aplicação. Na prática, é um conjunto de regras, definições e protocolos que permite a comunicação entre diferentes sistemas, serviços ou aplicativos.
Passaporte para inclusão financeira
Especialista em meios de pagamento, Edson Santos credita ao Pix a revolução que permitiu promover a inclusão financeira em massa no País. “Muitos analistas dizem que pandemia de covid-19 promoveu uma inclusão a partir do momento em que o governo passou a pagar os incentivos financeiros por uma conta digital. Mas não foi isso”, afirma.
Na visão do sócio-fundador da consultoria Colink, o Pix levou as contas digitais para um patamar semelhante às contas bancárias. “As contas digitais existem desde outubro de 2013, mas não podiam ser comparadas a contas bancárias. Para colocar dinheiro na conta digital, era preciso imprimir um boleto e pagar esse boleto. O Pix igualou esse jogo, a conta digital se tornou tão importante como uma conta bancária”, diz.
Esse impacto, observa ele, mudou a vida de cerca de 50 milhões de brasileiros, que, para além da inclusão financeira, passaram a ter uma conta digital. “Agora estão digitalmente incluídos também”, ressalta.
Nova onda de mudanças
A combinação do Pix com o Open Finance promoveu outro salto na oferta de crédito, avalia Edson. Com base na movimentação da conta, uma pessoa que não tinha condições de apresentar um histórico bancário, pode agora ter acesso a produtos de crédito. “A pessoa que só usava papel moeda agora tem um histórico. Isso é o impacto marcante do Pix”, diz.
Com o avanço das modalidades, como os mais recentes Pix Automático e Pix Aproximação, Edson enxerga uma nova onda de mudanças puxadas pelo arranjo de pagamento instantâneo para estimular a concorrência. No chapéu de diretora executiva da Zetta, Fernanda Garibaldi diz que as fintechs exerceram um papel fundamental na adesão do Pix.
“Durante a pandemia, as pessoas tinham um celular e uma conta digital. Se estivéssemos em um cenário restrito a bancos maiores para oferta de contas, a maioria da população não poderia fazer uma transação bancário. Como associada da Zetta, vejo claramente o quanto as fintechs colaboraram nessa difusão”, afirma.
Segurança desafia regulador e mercado
Mas a thread do Pix não coleciona somente sucessos. À medida que a plataforma digital expande seu papel para provocar o aumento da competição nos mercados financeiro e de pagamentos, crescem os desafios, e na mesma velocidade. Em 2025, esteira de inovações contínuas do Pix foi obrigada a reduzir a marcha e pegar atalhos por conta de ataques hackers, que colocaram em xeque a segurança do ecossistema.
Durante a “LiveBC” sobre os cinco anos do Pix, Renato Gomes, diretor do BC, destacou que o sistema do Pix sempre foi muito seguro. No entanto, como todo arranjo de pagamento, está sujeito a fraudes e golpes, a maioria originado pela engenharia social. Para reforçar a segurança do Pix, o diretor fez uma comparação com as fraudes nos de outros arranjos de pagamento. “Se comparamos o Pix com outros arranjos de pagamento, o volume de fraudes é bem menor. A cada 100 mil transações, o Pix apresenta, em média, sete fraudes. Outros arranjos de pagamento vão apresentar números mais elevados”, disse.
Por outro lado, Gomes fez questão de passar a mensagem sobre a proatividade do BC para reforçar a segurança do sistema Pix. “O Banco Central tem que estar sempre estudando o mercado, ver que cadeia merece um fortalecimento e alocar mais supervisão, fazer revisões normativas. Esses aperfeiçoamentos são contínuos e vão continuar”, afirmou.
MED 2.0
Para proteger a reputação do Pix, e manter os sistemas de segurança vigilantes e mais robustos, o BC tem tomado medidas como exigir que informações do titular associada a uma chave Pix coincidam com dados do cadastro da Receita Federal. Outa medida que o BC comemora é a mudança no MED, com a evolução para o MED 2.0.

A nova funcionalidade vai permitir a atuação de rastreamento do caminho do dinheiro recebido pelo fraudador em camadas. “Vamos poder bloquear os recursos com mais facilidade. Vai aumentar a eficiência do instrumento”, disse Gomes. O diretor ressaltou ainda a criação do botão do MED para contestar operações originadas por golpes ou fraudes.
Proteção do consumidor
Na ponta de quem olha para os direitos e a proteção do consumidor, Viviane Fernandes, consultora do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), avalia que as comunicações sobre as funcionalidades de segurança do Pix devem ser ainda mais claras e abrangentes. Para Viviane, o Pix certamente cumpriu o papel de inclusão financeira, mas agora é preciso analisar como esses consumidores estão se relacionando com o sistema de pagamento e garantir mais mecanismos de proteção.
“Defendemos a criação de estruturas de comunicação mais transparentes para o consumidor. É preciso deixar protocolos de segurança mais claros e eficientes para garantir que o consumidor reconheça quais são as instituições mais e menos confiáveis. As pessoas estão perdendo as economias da vida inteira; então, é preciso o melhor dos mundos em mecanismo que consigam reaver o dinheiro de forma rápida”, diz.
>> Acompanhe nos próximos dias e semanas uma série de reportagens especiais sobre a evolução e e os novos passos do Pix.
*Especial para o Finsiders Brasil