Imagem: Canva
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Componente importante de um amplo pacote para aliviar o bolso da parte mais desassistida da população brasileira, o “Crédito do Trabalhador” foi anunciado, em março, pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma das promessas, com a criação do novo consignado privado, é disponibilizar juros e condições similares para os funcionários do setor público aos trabalhadores celetistas. A ideia tinha como pano de fundo produzir um efeito similar à reformulação do consignado público. O produto ganhou força na primeira gestão do petista, em 2003, trazendo juros reduzidos para a tomada de recursos de servidores públicos e aposentados.

Apesar da perspectiva otimista do governo e das instituições, as taxas cobradas na modalidade permanecem altas. Dados do Banco Central (BC) entre os dias 27/10 e 31/10, compilados pelo Finsiders Brasil, mostram que embora a mediana dos juros anuais para o crédito não consignado seja muito superior (64,6% ao ano), o patamar para consignado privado (46,3%) é praticamente o dobro da taxa em comparação com o consignado público (24%) e para aposentados do INSS (23,8%). Enquanto a taxa anual mais alta praticada para este tipo de crédito alcançava 25,2% para aposentados do INSS e 117,8% para funcionários públicos, os juros mais altos para colaboradores celetistas chegavam a 122,4% ao ano no mesmo período.

No mercado, a aposta é que os juros devam ser menores para os tomadores, ainda que não se saiba quando esse novo cenário deva se concretizar. Como leva algum tempo até calcular o real risco para a operação, os juros cobrados nesses primeiros meses são mais altos, aponta Rodolfo Takahashi, CEO da GooRoo Crédito, fintech de crédito consignado para funcionários CLTs de Pequenas e Médias Empresas (PMEs).

Ajustes

“De início, a melhor maneira de se precaver é colocando uma taxa um pouco mais alta, para garantir que você não vai tomar prejuízo. Porque se a gente começa a tomar prejuízo, naturalmente você fica um pouco mais restrito e o programa não voa, não decola, como é o objetivo”, detalha o executivo. Ele acredita que levará entre seis meses e um ano para que o mercado tenha uma percepção “bastante considerável” de redução dos juros.

Rodolfo Takahashi/GooRoo Crédito | Imagem: divulgação
Rodolfo Takahashi/GooRoo Crédito | Imagem: divulgação

Para Gabriel Ramalho, idealizador do Corban360, evento nacional voltado a
correspondentes bancários (os “corbans”), os juros mais elevados cobrados neste momento se devem a uma equalização da inadimplência ainda em curso. “São ajustes sistêmicos para que a taxa seja cada vez menor”, afirma ele. Nos próximos anos, ele acredita que as taxas podem variar entre 3% e 4% ao mês. “Hoje, algumas instituições ainda estão trabalhando com uma taxa um pouco maior em virtude desses ajustes e de alguma inadimplência que há nesse produto.”

Além desses fatores operacionais, outro desafio a ser superado tanto pelos bancos como pelo governo é o desconhecimento sobre a modalidade. Uma pesquisa da Creditas feita em parceria com a Opinion Box, junto a 1.083 trabalhadores com carteira assinada (CLT, domésticos e rurais) de todo o País, mostrou que ainda que 85% tenham ouvido falar sobre o “Crédito do Trabalhador”. Já 42% disseram possuir um conhecimento apenas superficial sobre a modalidade. Outros 25% dos profissionais consideram uma “opção interessante, mas pouco divulgada”. Para a Creditas, isso aponta para uma falta de compreensão e na comunicação dos benefícios.

Migração de contratos antigos

No final de outubro, o governo divulgou que o processo de migração dos antigos contratos das empresas para o sistema Dataprev vem avançando rapidamente. De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), já houve a conversão de mais de R$ 37 bilhões, referentes a 2,3 milhões de contratos antigos do consignado, para a plataforma do “Crédito do Trabalhador” em sete meses. Restariam, portanto, outros 1 milhão de contratos, a maioria com valores menores. Dessa forma, o programa já movimentou R$ 82,1 bilhões desde o seu início, em março. Ao todo, são 12,2 milhões de contratos para mais de 7,1 milhões de trabalhadores, com juros médios de 3,07% ao mês, ressalta o MTE.

Gabriel Ramalho/Corban 360 | Imagem: divulgação
Gabriel Ramalho/Corban 360 | Imagem: divulgação

No alvo do governo, está um contingente nada dispensável: 47 milhões de pessoas com carteira assinada, o equivalente a um quarto da população do País. Estão nesse público, por exemplo, trabalhadores domésticos, rurais, além de empregados MEIs e entregadores de aplicativos – todos excluídos do modelo consignado em vigor até então. Além deles, o modelo também amplia a oferta a funcionários da iniciativa privada. Antes, o acesso a esse crédito era condicionado a convênios entre as empresas empregadoras e os bancos. A perspectiva é incluir 25 milhões de pessoas no consignado em quatro anos.

Competição

Esse tom otimista também reverbera no ecossistema financeiro. Ainda assim, existem dúvidas sobre quando o modelo deve, de fato, ganhar tração. Com a substituição das empresas empregadoras pela Dataprev como player responsável por avaliar se o tomador possui a margem de 35% sobre o salário para receber os recursos, ocorreu a simplificação do processo. A visão é de Amilcar Chaves, diretor da vertical de Crédito da Matera, empresa de tecnologia especializada em soluções para o sistema financeiro.

Amilcar Chaves/Matera | Imagem: divulgação

O resultado é a possibilidade de a pessoa ter acesso a mais ofertas, com diferentes condições de pagamento e taxas de juros menores, incentivando a competição. “O programa retirou da empresa o poder de dizer se pode ou não pode oferecer crédito para o funcionário. Para o trabalhador, ele pode abrir a Carteira de Trabalho Digital, entrar no leilão e receber propostas de vários bancos. Ele passou a ter liberdade de escolher um empréstimo de qualquer banco”, diz Amilcar.

Na análise do executivo, o controle de margem de cada usuário também evolui com a centralização dos dados na Dataprev. “O novo cenário que isso apresenta é que nenhum funcionário vai conseguir pegar mais do que 35%. Havia o risco de um banco ou dois emprestarem e ultrapassarem esse limite.”

Uso do FGTS

Além do maior controle sobre a margem, o fato do trabalhador pode usar até 10% do saldo do FGTS e até 100% da multa rescisória, em caso de demissão sem justa causa, são aspectos que podem ajudar a reduzir o custo desse crédito. “São fatores que dão maior segurança para as financeiras”, diz Amilcar. Embora o empregador não seja consultado (a empresa só é notificada para fazer o desconto em folha), um ponto para a personalização da oferta é o porte e a solidez da empresa. “Segmentos em que há uma grande rotatividade são sempre mais arriscados”, completa.

O porte da empresa é um dos fatores que compõem a análise de risco, mas não é o único, de acordo com Rodolfo, da GooRoo. Ele explica que a “humanização” na análise para o pedido de recursos é importante. Isso se traduz no tempo existência de determinado negócio. São exemplos pequenos comércios familiares, em que a geração mais nova sucede a anterior. “Se eu avalio, por exemplo, uma padaria no centro de São Paulo, que existe há 50 ou 60 anos, a probabilidade dessa empresa continuar existindo durante muito tempo é grande”, diz. Criada em 2022, a GooRoo já concedeu mais de R$ 400 milhões em consignado privado.

*Especial para o Finsiders Brasil