Bruno Balduccini/Pinheiro Neto (no púlpito); sentados: Carol Conway/Abranet, Felipe Comparsi/BC e Lucas Freire/PGBC | Imagem: Eduardo Tarran
Bruno Balduccini/Pinheiro Neto (no púlpito); sentados: Carol Conway/Abranet, Felipe Comparsi/BC e Lucas Freire/PGBC | Imagem: Eduardo Tarran

As novas exigências de capital mínimo impostas pelo Banco Central (BC) devem provocar uma “saída organizada” de fintechs que não conseguirão cumprir os novos patamares. A avaliação foi feita por Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto Advogados, durante o “Retrospectativa regulatória de 2025”, evento realizado na terça-feira (2/12) pela Associação Brasileira de Internet (Abranet) na sede do escritório de advocacia.

“A verdade é que a gente sente que [essa movimentação] já começou no escritório. [Tivemos] três ou quatro clientes já nos dizendo: ‘olha, não tem condição, quero vender, tem alguém interessado?”, revelou o advogado. “Então, a gente vai começar a ter uma saída organizada de vários [players] que não vão conseguir cumprir essa nova meta de capital. E também abre oportunidade para alguns.”

Há um mês, o Banco Central (BC) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovaram uma nova metodologia para o cálculo do capital mínimo de instituições financeiras, de pagamento e demais autorizadas. Agora, a definição dos valores mínimo de capital social e de patrimônio líquido (PL) das instituições passa a levar em conta, principalmente, as atividades efetivamente exercidas, e não mais o tipo específico de instituição. As medidas já estão em vigor imediatamente, mas haverá um cronograma de transição.

Aumento “na veia” para SCDs e IPs

A nova regra impacta principalmente as instituições não bancárias – o que inclui fintechs que operam como Instituições de Pagamento (IPs), Sociedades de Crédito Direto (SCDs) e Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEPs). Hoje, elas são cerca de 500, de um universo de 1,8 mil instituições, informou o BC em coletiva de imprensa na ocasião do anúncio da medida.

Balduccini contextualizou a mudança lembrando que as regras de capital mínimo estavam desatualizadas há anos – para todos os tipos de instituições, inclusive bancos. Para o especialista, o aumento dos valores foi “na veia” para IPs e SCDs. “Passou, em média, de R$ 1 milhão para R$ 10 milhões, ou de R$ 2 milhões para R$ 14 milhões, R$ 15 milhões – por baixo. Então, obviamente, é um nível muito alto”, afirmou.

A regra prevê uma transição gradual, disse Balduccini. Assim, a cada ano, as empresas devem cumprir um quarto da diferença entre o capital atual e o exigido. Empresas que não cumprirem os novos patamares enfrentarão fiscalização e possível intervenção. “Lembrando também, que se você estiver abaixo do capital, você vai chamar fiscalização, risco de eventual intervenção. A gente está num momento mais delicado. Não deixe isso acontecer”, alertou.

‘Tsunami regulatório’

O movimento de aperto nas regras pelo BC faz parte do que o advogado classificou como um novo “tsunami regulatório”. Balduccini comparou o volume de normas editadas pela autarquia em 2025 ao ano de 2013, quando o setor financeiro e de pagamentos passou por mudanças estruturais profundas. Naquele ano, por exemplo, foi aprovada a famosa Lei 12.865, que regulamentou as atividades dos arranjos de pagamento e IPs e, assim, proporcionou o desenvolvimento de grande parte dos bancos digitais e fintechs no País.

Os números reforçam a avaliação. De acordo com Carol Conway, presidente do conselho da Abranet, o BC editou 0,7 norma por dia útil em 2025. “Até agora, nós temos quase uma norma por dia do Banco Central”, comentou.

Um dos alvos dessa “nova fase” do regulador é a modalidade de “contas bolsão“. Segundo Balduccini, as novas regras do BC buscam combater o uso irregular desse instrumento. “Mas conta bolsão não é proibida. Não é isso que diz a norma”, ressaltou ele. O advogado citou exemplos de uso legítimo: empresas de cobrança que recebem em nome de bancos, assim como credenciadoras que oferecem pagamento via Pix aos estabelecimentos comerciais. “Desde que identifique origem, beneficiário, motivo de pagamento, não me parece que deveria ser uma conta proibida”, argumentou.

Pêndulo entre competição e segurança

Para os especialistas, o ambiente atual reflete um “pêndulo” entre foco total na competição e preocupações com segurança e arrumação do mercado. Isso porque, desde 2013, o BC promoveu uma intensa agenda de fomento à concorrência e inovação do setor, facilitando a criação das IPs e fintechs em geral. No entanto, com a onda de ataues cibernéticos, fraudes e golpes, o que ocorre agora é um “período de arrumação”. Isso se traduz no conjunto de regras publicadas nos últimos meses pelo BC, disse Balduccini.

Felipe Comparsi, consultor do Departamento de Competição e Estrutura de Mercado (Decem) do BC, reforçou a mudança de foco da autarquia. “A gente tem que lembrar que o Banco Central está num momento em que o pêndulo da competição e segurança está tendendo para o lado da segurança”, afirmou. Segundo ele, após dez anos de atuação com foco em competição, que resultou em “um mercado gigantesco de pagamentos, de inclusão financeira”, o BC agora prioriza aspectos de segurança.

Lucas Freire, procurador-geral adjunto do BC, destacou o processo de inclusão financeira desde 2013, impulsionado de 2020 para cá com o lançamento do Pix. Cerca de 70 milhões de pessoas foram incluídas no sistema financeiro. “Isso traz consigo alguns desafios, como segurança cibernética e fraude”, afirmou. Para ele, as normas do BC em 2025 buscaram estabelecer um equilíbrio “entre inovação e eficiência do mercado de um lado, e segurança e estabilidade do outro”

Carol, da Abranet, comentou que a segurança se tornou uma preocupação coletiva do setor financeiro. “É um tema que atingiu todo o mercado. Olhando para os bancos tradicionais, mais de 50% dos episódios visaram a atacar os bancos tradicionais. A outra metade, bancos nativos digitais”, disse. A executiva citou estudo da EY que aponta que a maior parte das vulnerabilidades vem do usuário. Cerca de 30% dos casos envolvem engenharia social, 21% são relacionados a “contas laranjas” e 14% a roubo de identidade. Para ela, “segurança não é tema de concorrência, mas de compartilhamento, de colaboração”.