Imagem gerada por InnerAI
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Enquanto os Estados Unidos e a União Europeia avançam na regulação da emissores de stablecoins, o Brasil adotou um caminho diferente, focando inicialmente nos intermediários que operam esses ativos. Essa abordagem, moldada pelo contexto econômico específico dos mercados emergentes, busca equilibrar a necessidade imediata de tutela dos usuários locais com um regime simplificado para emissores que desejam oferecer seus ativos no mercado brasileiro.

O modelo impõe aos emissores estrangeiros deveres de transparência para a construção de seu relacionamento com intermediários locais. Mas os livra de exigências mais onerosas perante entidades reguladoras nacionais. Dispensando, por exemplo: (a) a transferência de suas atividades para uma sociedade local (com as consequências tributárias que isso implica); (b) a obtenção de autorização de autoridade brasileira para operar; (c) a manutenção de reservas domésticas específicas; e (d) a divulgação de termos e condições específicos para os tokens oferecidos ao público brasileiro.

Talvez essa escolha se deva ao fato de que, embora as stablecoins sejam o segmento de crescimento mais rápido no universo dos criptoativos, seu lastro está fortemente concentrado em ativos denominados em dólar norte-americano e em euro, refletindo o papel dessas moedas como reservas globais. Na prática, as stablecoins lastreadas em dólar correspondem a aproximadamente 99% da capitalização total do mercado.

Assim, diante da preferência por atrelar as stablecoins a suas respectivas moedas, os Estados Unidos e a União Europeia aprovaram leis que regulam os emissores de stablecoins lastreadas em moeda fiduciária (Genius Act e MiCAR, respectivamente). Essas leis estabelecem não apenas requisitos prudenciais e de autorização, mas também regras sobre os ativos de reserva e salvaguardas para o resgate pelos detentores.

Ocorre que essa estratégia regulatória centrada no emissor não pode ser facilmente replicada por mercados emergentes como o Brasil. Como visto, há menor interesse de investidores estrangeiros e até locais pelos tokens referenciados em nossa moeda. Talvez seu uso mais corriqueiro seja justamente simplificar a esteira de conversão do real em stablecoins de dólares e vice-versa.

Fabio Kupfermann Rodarte | Imagem: divulgação
Pedro Campos Ferraz | Imagem: divulgação

Caminho diferente

Sabendo disso, o legislador brasileiro seguiu um caminho diferente. Em vez de direcionar a regulação a emissores estrangeiros ou obrigá-los a constituir entidade local, optou por concentrar obrigações regulatórias (ou deveres de gatekeeper) nos intermediários. Ou melhor, nas Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs ou VASPs, na sigla em inglês). Esses players passarão à supervisão do Banco Central (BC) a partir de fevereiro de 2026.

Essa regulação centrada nos intermediários também evita dificuldades relacionadas à chamada multiemissão de stablecoins, que decorre da dicotomia entre os limites nacionais das leis e o alcance transfronteiriço desses ativos. Os chamados regimes de multiemissão envolvem duas ou mais entidades, constituídas em diferentes países, que emitem conjuntamente stablecoins fungíveis. Esses tokens devem conceder os mesmos direitos a todos os detentores (como o direito uniforme de resgate), independentemente do local onde ocorre a emissão.

O regime brasileiro focado nas VASPs favorece essa fungibilidade. Isso porque as stablecoins de mesmo tipo deverão conferir os mesmos direitos aos detentores (brasileiros ou estrangeiros), independentemente do local de emissão.

A verdade é que, hoje, o BC sequer poderia alterar o regime jurídico aplicável ao emissor ou às stablecoins em si, em razão da decisão do legislador de adotar uma abordagem regulatória focada nos intermediários. Afastando os emissores estrangeiros das exigências regulatórias impostas a instituições autorizadas no Brasil (como emissores de moeda eletrônica, instituições financeiras e as próprias VASPs).

Os emissores tampouco precisarão manter ativos em território brasileiro para atender a pedidos de resgate. Ainda assim, do ponto de vista comercial, é comum que firmem parcerias com intermediários locais para oferecer liquidez em suas stablecoins. Ou seja, linhas de crédito previamente aprovadas. Permitindo, com isso, que esses intermediários atuem como formadores de mercado para outras VASPs ou seus próprios clientes.

Gatekeepers

Na prática, para que suas stablecoins sejam negociadas no Brasil, emissores estrangeiros precisam apenas assegurar que as VASPs locais cumpram suas obrigações como gatekeepers regulatórios. Para isso, devem atestar sua conformidade com a regulação do país de origem e disponibilizar white papers ou documentos similares que descrevam de forma clara os direitos dos detentores dos tokens. Isso inclui os procedimentos de resgate e a composição dos ativos de reserva.

Em paralelo, para evitar ônus excessivo aos intermediários, o BC deverá calibrar as responsabilidades a eles atribuídas. As normas publicadas indicam que essas entidades terão obrigação apenas a fornecer informações adequadas aos usuários de suas plataformas sobre as condições dos ativos negociados, de modo que os investidores possam tomar decisões informadas. Isso não deve ser confundido com uma responsabilização da VASP pela qualidade do investimento nos ativos em si. O seu papel é oferecer ao cliente informações que permitam a avaliação informada dos riscos associados aos ativos e sua infraestrutura subjacente.

Em conclusão, ao centrar sua regulação de ativos virtuais nas atividades das VASPs, o Brasil pretende, ao mesmo tempo, buscar a proteção imediata do consumidor e reforçar sua posição como um destino atrativo e estratégico para emissores internacionais de stablecoins lastreadas em moedas fiduciárias.

*Advogados da área de Bancário e Operações Financeiras do Levy & Salomão Advogados