Se, até agora, apenas um punhado de fintechs e bancos vinham mordendo uma fatia dos crescentes lucros das casas de apostas esportivas – as “bets” – no Brasil, a nova regulamentação deve incluir muitas outras no jogo.
Segundo Diego Perez, presidente da ABFintechs, a portaria que define as regras para fintechs e outras instituições financeiras operarem os recursos desse mercado sai logo depois do carnaval. A entidade vem acompanhando de perto os trabalhos da nova Secretaria Nacional de Jogos e Apostas, subordinada ao Ministério da Fazenda. Segundo Perez, o governo tem pressa.
A ABFintechs, claro, está atenta principalmente às regras que afetam diretamente as associadas, como meios de pagamento autorizados e prevenção à lavagem de dinheiro.
Depois da aprovação do PL 3.626/2023 em 30 de dezembro de 2023, o projeto virou Lei. Desde então a nova Secretaria está redigindo portarias para regulamentar o mercado. Cada portaria vai tratar de um assunto especifico.
“Primeiro vai sair a que estabelece regras para as casas de apostas serem autorizadas a funcionar, bem como o prazo para adaptação das que ja existem”, lembra Perez. Algumas já entram em vigor na hora, e outras vão passar por uma rápida consulta pública, acredita.
Plataforma e apostador
“Depois da portaria para funcionamento, as próximas trarão assuntos mais operacionais, como segregação entre o patrimônio da plataforma e do apostador”, diz. “As regras para manusear os recursos e quais instituições estarão habilitadas a operar esses recursos vêm em seguida”.
Hoje, por exemplo, existem mais de 100 fintechs reguladas pelo Banco Central como Instituições de Pagamento (IP). Mas será preciso aguardar quais outros pre-requisitos serão exigidos. Perez acredita que a regulamentação vai trazer mais segurança jurídica para o crescimento dos negócios, com mais investimentos e desenvolvimento de tecnologias para o país. Mas também defende que medidas sejam tomadas para proteger os apostadores (veja quadro).
Explosão com Pix
Segundo estudo da Gmattos de Pagamentos, o Pix movimentou R$ 52 bilhões em apostas esportivas em 2023. A preferência pelo método de pagamento instantâneo se dá pela agilidade e depósito imediato na conta do cliente. Antes, os sites enfrentavam dificuldade de aceitação, pois a compensação das transações era demorada.
“Após a introdução do Pix, houve uma explosão no número de usuários. Hoje, nas plataformas de jogos, 93% das transações são via Pix, e o restante por boleto e TED”, afirma Cristiano Maschio, CEO da Qesh. A fintech é uma IP autorizada pelo Banco Central que fornece tecnologias de pagamentos para players como Banco do Brasil.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o governo quer autorizar apenas o uso do Pix e de cartões de débito como meios de pagamento para apostas de cota fixa e jogos online. A medida também deve determinar que, no caso do sistema de pagamentos instantâneos, a chave Pix precisará estar obrigatoriamente vinculada a dados do próprio jogador. Para Perez, porém, isso seria cercear o direito de escolha do apostador – para controlar os riscos, o presidente da ABFintechs propõe outras medidas (ver quadro).
A estimativa do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) é que o mercado brasileiro some R$ 5,8 bilhões em faturamento em 2023, com R$ 84 bilhões em movimentação de apostas. Segundo o que o presidente do Instituto, André Gelfi, vem declarando na imprensa, mais de 90% do que se movimenta hoje é feito via Pix.
De olho na receita
O PL 3.626/2023 veio para regulamentar os jogos de aposta fixa, legais no Brasil desde a Lei 13.756, de 2018. Atualmente as chamadas bets, apesar de legais, por não estarem regulamentadas, não estão recolhendo tributos no Brasil. E foi exatamente de olho nessa arrecadacnao que o governo decidiu acelerar a regulamentação das bets.
Estimativas conservadoras apontam para uma arrecadação de R$ 2 bilhões em 2024 – mas podem chegar a R$ 10 bilhões por ano, segundo cálculos do relator do PL, senador Angelo Coronel (PSD-BA). A Lei prevê cobrança de 12% sobre o faturamento das empresas de apostas e de 15% de IR sobre os prêmios obtidos pelos apostadores.
O texto também obriga as chamadas bets estrangeiras a terem ao menos 20% do capital nas mãos de uma empresa brasileira. O projeto institui uma outorga inicial para autorizar os sites a funcionarem legalmente, de R$ 30 milhões, válida por cinco anos.
De acordo com estimativas da Folha de S. Paulo – que lançou recentemente uma série de reportagens sobre as “bets” no Brasil – os brasileiros apostaram R$ 43,3 bilhões no ano passado, e R$ 10,7 bilhões foram taxa de serviço pelos sites de apostas.
“O mercado de apostas esportivas é forte e queremos triplicar o faturamento por conta dessa vertical”, afirma Maschio, da Qesh.
A fintech Pay4Fun, especializada no segmento, espera dobrar seu faturamento com o mercado de apostas esportivas regulado, segundo disse seu CEO, Leonardo Baptista, em entrevista ao Finsiders no ano passado. A fintech tem uma base com mais de um milhão de usuários ativos e mais de 350 sites como clientes, entre eles, Bet365, Sportsbet.io e PokerStars. Em 2022, a empresa transacionou R$ 2,4 bilhões.
Riscos e exageros
A loteria de aposta de cota fixa é um sistema que inclui eventos virtuais de jogos on-line e eventos reais de temática esportiva, como jogos de futebol e vôlei. O apostador ganha caso acerte alguma condição do jogo ou o resultado final da partida.
O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) aprovou em janeiro o ‘Anexo X’, documento com as regras de autorregulamentação para a publicidade de apostas no Brasil.
As regras do Anexo X vinham sendo discutidas desde agosto de 2023 e entrarão em vigor a partir do dia 31 deste mês.
O objetivo é a proteção de menores de idade e restrição de ‘estímulos ao exagero ou à conduta irresponsável na prática de aposta’, bem como os alertas sobre potenciais perdas financeiras e psicológicas.
Para Diego Perez, da ABFintechs, o governo deve sim implementar medidas que controle e evite riscos de exageros – mas sem “proibições”. existem aqui em relação a cigarros e bebidas alcoólicas”.
Pesquisa Datafolha mostrou que 15% da população brasileira diz apostar ou já ter apostado de forma online. O gasto médio mensal entre o total de pessoas que apostam é de R$ 263 —equivalente a 20% do salário mínimo de 2023.
Três em cada dez apostadores gastam mais de R$ 100 por mês, segundo o Datafolha. O fenômeno é populaar em todo o país, inclusive entre beneficiários do Bolsa Família, mas tem mais força entre os jovens e homens. Quase um terço das pessoas entre 16 e 24 anos disse já ter apostado.