Fintechs especializadas em contas bancárias digitais para empresas – só para empresas – começam a se destacar no cenário nacional e devem crescer muito em 2021. Além das que oferecem serviço para empresas de forma geral, há ainda as que nasceram para atender um público mais restrito, como é o caso da conta digital da VR Benefícios para seus clientes, que acaba de ser anunciada; e a Donus, da Ambev – só para donos de bares e restaurantes que compram produtos da marca.
As contas digitais para empresas ainda são poucas – e são um bicho diferente das fintechs de crédito para empresas, que são muitas. Stark, Cora, Conta Simples e Linker, por exemplo, não oferecem crédito, apenas serviços bancários como pagamento de contas, transferências, geração e recebimento de boletos, PIX e cartão de débito.
Mas se essas contas digitais para PJ ainda não têm operações de crédito, estão de olho e devem anunciar em breve, bem como seguros e outros produtos para completar a oferta. Afinal, são o que rentabiliza o negócio. Por enquanto, a maioria ganha apenas com um percentual sobre os cartões de débito e pré pagos, e algumas com tarifas. Os últimos dois anos têm sido generosos e essas fintechs se capitalizaram com rodadas de até US$ 10 milhões por parte de investidores – caso da Cora no final de 2019. Com isso, ganharam fôlego.
Resolvendo uma dor
Mais de 30% do PIB brasileiro é gerado pelas pequenas e médias empresas, segundo o Sebrae. Mas, quando o assunto é conta em banco, a maioria ainda é mal atendida– as menores são muitas vezes até mesmo desprezadas. “Cerca de 30% dos negócios no Brasil não têm sequer acesso a contas PJ”, diz Igor Senra, CEO da Cora. Elas são o foco principal das contas digitais para PJ – mas devido às facilidades que oferecem, até empresas maiores já gostam delas.
As fintechs que começaram sua trajetória abrindo contas para pessoas físicas logo perceberam essa “dor” e passaram a oferecer contas PJ também – entre eles estão Nubank, C6, Inter, Neon, Original, BS2, além de bancos tradicionais que também lançaram suas alternativas digitais para empresas, como BMG e BTG.
Os executivos entrevistados acreditam que a principal vantagem das fintechs especialistas em PJ em relação aos outros bancos digitais é entender e atender melhor as necessidades dos clientes. “Eles apenas replicaram o que já ofereciam nas contas digitais para pessoa física, mas uma empresa precisa de muitas outras funcionalidades”, diz Rodrigo Tognini, CEO da Conta Simples, que captou US$ 2,5 milhões no final do ano passado. “Uma conta PJ requer uma área de pagamentos, de cartões e de cobrança, gestão de fluxo de caixa, folha de pagamentos e de centro de custos, por exemplo”, explica David Mourão, CEO da Linker.
Eles estão otimistas com 2021, mesmo assistindo à entrada de outros concorrentes. “Existe uma demanda reprimida, o mercado é muito grande, cabe mais dez e ainda tem espaço para todo mundo ser feliz”, diz Senra, da Cora. “Mais do que concorrer por clientes que já têm conta, queremos incluir quem não tem”, completa.
Solução completa
“Nosso objetivo é proporcionar uma experiência completa de banco para os clientes. Já oferecemos PIX e estamos preparados para o Open Banking, que trará integrações com softwares de gestão e contabilidades digitais”, diz Mourão, da Linker, antecipando que vai usar os recursos captados na rodada de investimentos no final do ano passado para entrar em crédito. “A estratégia é ser um hub de soluções financeiras para as empresas, agregando também câmbio, seguros e outros serviços”.
A Stark conseguiu autorização do Banco Central (BC) para atuar como Sociedade de Crédito Direto (SCD) e já está perto de lançar um cartão de crédito corporativo, conforme disse ao portal Fintechs Brasil em novembro Rafael Stark, CEO da fintech.
“O sistema financeiro funciona da mesma forma para as empresas desde a década de 1990; o banco evoluiu para pessoas físicas, mas para empresas não. Nascemos para resolver algumas dessas dores, como a conciliação de contas, pagamento de folha, de fornecedores, administração de fluxo de caixa, tesouraria… Até hoje os bancos tradicionais não conversam com os sistemas ERP das empresas, é um caos. O mundo está em cloud e os bancos, ainda em disquetes. Nós ajudamos as empresas a automatizar tudo”, afirma Stark.
A fintech se especializou em atender empresas de médio a grande porte. Mas não qualquer empresa: aquelas digitais, com mindset aberto, e intensivas em tecnologia. “Queremos atrair os fundadores das startups com a proposta de ser um banco inteligente, digital, para atender todas as necessidades”, diz.
Já os cerca de 20 mil clientes da Linker são empresas com faturamento entre R$ 100 mil e R$ 4,8 milhões por ano (o limite do Simples). A fintech recebeu seu primeiro aporte de R$ 12 milhões no final do ano e, segundo o CEO, está preparada para dar um salto para o próximo nível. “Estamos operacionais, funcionando, com clientes satisfeitos. Agora vamos investir em marketing”.
Tognini, da Conta Simples, disse que a ideia da fintech surgiu da própria experiência quando ele e o sócio tinham uma outra startup e não conseguiam ser bem atendidos em bancos. “Queremos fazer o oposto dos bancos tradicionais, oferecendo atendimento próximo, sem burocracia, dar acesso a produtos básicos”, diz, informando que isso acabou atraindo clientes de grande porte também.
A cobrança de tarifas na Conta Simples tem uma tabela única, que isenta mensalidade, duas primeiras TED e DOC no mês, e não cobra para emitir cartão; neste ano, vai lançar a conta Basic (sem mensalidade) e a Plus (com mensalidade mas sem custos adicionais). Eles já oferecem cartão de crédito pré-pago e a plataforma de serviços bancários usadas é do BV. Neste ano, também vão introduzir oferta de crédito. A Conta Simples tem parceria com escritórios de contabilidade – muitos são seus clientes – para ajudar as outras empresas na abertura de CNPJ. “Temos um hub de parceiros para ajudar o empreendedor, e oferecemos descontos, benefícios e vantagens”, diz Tognini. Neste momento, estão conversando também com algumas seguradoras para oferecer seguro contra perda de renda.
Missão: reduzir a ineficiência
A Cora, segundo seu CEO, passou a deslanchar quando ele e o sócio encontraram o verdadeiro propósito: reduzir um pouco a ineficiência do sistema financeiro nacional e com isso elevar o PIB per capita/ano no Brasil de US$ 15 mil para US$ 20 mil em dez anos.
Senra explica que a fintech é uma evolução do Moip, que por sua vez surgiu para ser um facilitador de pagamentos para pequenos negócios conseguirem vender pela internet, que era quase um monopólio de grandes empresas. “Fomos nos envolvendo com os clientes e percebemos que havíamos deixado de copiar o PayPal”, diz. Em 2016, eles venderam a Moip para um grupo alemão e após conduzir a sucessão, saíram do negócio em 2018 e começaram pensar na próxima empreitada.
“Percebemos que o que faltava era um banco para pequenos negócios. Já havia 400 empresas de pagamento que ajudam a receber e entregam o dinheiro em quatro ou cinco bancos. Tínhamos que fazer o depois”.
A maior parte dos clientes da Cora são prestadores de serviços B2B, que faturam entre R$ 80 mil e R$ 4,5 milhões por ano. A Cora ainda não oferece cartão de crédito, mas já está a caminho de. “Em 2021 vamos ampliar nossa proposta de valor com novos produtos e serviços para atingir clientes de nichos que ainda não conseguimos atender, como B2C e varejo”, afirma.