Neste especial, vamos detalhar todas elas em partes: os textos serão postados diariamente a partir da semana que vem. A seguir, uma introdução – não perca os próximos capítulos!
Dario Palhares
Com inflação e juros em alta e atividade econômica em baixa, 2022 será, com certeza, uma temporada espinhosa para as empresas em geral, que, ainda por cima, terão de lidar com oscilações de mercado causadas pela corrida eleitoral.
Apesar desses pesares, especialistas no universo doméstico das fintechs, formado por mais de 1,2 mil startups, traçam perspectivas positivas para este ano.
Motivos para otimismo não faltam. Afinal, estão previstas para este ano novas etapas da implantação do Open Banking, a evolução do Open Insurance, a cargo da Superintendência de Seguros Privados (Susep), e avanços regulatórios nas áreas de câmbio e de garantias para empréstimos. O pacote de novidades promete gerar diversas oportunidades de negócios na esfera digital, que são detalhadas por quatro especialistas ouvidos por Fintechs Brasil neste começo de ano.
“A alta da Selic e a queda do consumo podem causar problemas para algumas fintechs, mas o Brasil e a América Latina seguem merecendo atenções de grandes investidores de venture capital, que olham a longo prazo”, diz Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem e autor do recém-lançado “A Nova Lógica Financeira” (Editora Gente). “Dois exemplos são a Sequoia Capital, que em 2021 anunciou planos de expandir seus investimentos na América Latina, hoje limitados ao Nubank e à Rappi, e a QED Investors, que está montando escritório em São Paulo.”
Os riscos conjunturais apontados por Diniz preocupam, em particular, as fintechs especializadas em operações de crédito, que somam 157, segundo a última edição do Distrito Fintech Mining Report, elaborado pela plataforma livre de inovação Distrito. A apreensão é maior entre aquelas que atuam no concorrido mercado de pessoas físicas.
Investimentos em ERPs
Na avaliação do investidor anjo Dorival Dourado Júnior, que também é membro de conselhos consultivos e de administração, a deterioração do quadro macroeconômico exigirá ajustes nos algoritmos utilizados pelas startups do nicho, e recursos a outras ferramentas, com destaque para tecnologias de machine learning.
“O fato é que os custos de liberação de empréstimos tendem a crescer, em razão da necessidade de uma melhor avaliação da capacidade de pagamento dos tomadores”, diz ele, que identifica, ainda, algumas questões pendentes no Open Banking relativas ao crédito. “A principal aresta são barreiras de integração de sistemas, especialmente os dos bancos. Sem acesso a dados dos clientes aderentes ao Open Banking, fica difícil estruturar políticas de crédito assertivas.”
A mesma análise se aplica, claro, às fintechs voltadas ao atendimento de pessoas jurídicas (PJs). Como uma parcela considerável desse público é formada por micro, pequenas e médias empresas, que não publicam demonstrações financeiras, Dourado recomenda a busca sistematizada de referências junto a clientes, fornecedores e até mesmo credores – opção aberta, aliás, pela plataforma Pague Bem Brasil, instalada no Porto Digital de Recife. “Para ter acesso a dados contábeis mais precisos, algumas fintechs também estão comprando ERPs”, diz ele.
Filões e zonas cinzentas
No segmento empresarial, os especialistas ouvidos por Fintechs Brasil identificam vários filões a serem explorados. O consultor Boanerges Ramos Freire, sócio-fundador da Boanerges & Cia., destaca, por exemplo, o enorme potencial da “zona cinzenta” entre os mercados PF e PJ, ocupada majoritariamente por microempresários individuais, os MEIs, e profissionais autônomos. “É um público que enfrenta grandes dificuldades para gerir seus recursos e costuma pagar caro por serviços financeiros”, diz ele. “O desafio é oferecer-lhes soluções à altura de suas necessidades, e não, como muitas fintechs fazem, empurrar-lhes cartões empresariais.”
Detentor de uma fatia ao redor de 8% do PIB, com viés de alta, o agronegócio também tem perspectivas de ampliar sua presença entre as especialidades das fintechs. A expansão passará pela Cédula de Produto Rural (CPR) Digital, criada pela Lei 13.986/2020, que começa a alçar voo no mercado. A modernização das CPRs, cujas versões convencionais tinham de ser registradas em cartório, garante ao setor agropecuário uma “moeda digital” própria, que pode ser usada para antecipações de créditos necessários para o desenvolvimento da produção.
“Algumas fintechs já estão atuando nesse mercado, que tem boas perspectivas”, assinala Diego Pérez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). “O setor de transportes também poderá contar, talvez em breve, com um instrumento semelhante à CPR Digital: a Carta frete Eletrônica, que, contudo, ainda carece de regulamentação pelo Banco Central.”
Beyond banking
Uma tendência a curto e médio prazo, avalia Diniz, é o acirramento da disputa entre empresas financeiras e não financeiras por fatias de seus respectivos mercados. São os casos, no primeiro grupo, formado pelos adeptos do beyond banking, do Banco Inter e da Pic Pay, que já oferecem, respectivamente, um market place e serviços variados (Netflix, Spotify, Deexer etc.) a seus públicos. Já o segundo pelotão, dos partidários da embedded finance (finanças embarcadas), inclui gigantes como o WhattsApp, que já dispõe de um meio de pagamento em seu sistema de mensagens, e a Ambev, por meio da Donus, fintech da casa que oferece maquininhas de pagamento, contas digitais, cartões de débito e empréstimos online para pequenos comerciantes.
“Um dos pioneiros em embedded finance foi o WeChat, um aplicativo de mensagens chinês que lançou um meio de pagamento há dois anos e fez escola”, lembra Diniz. “As empresas não financeiras, não há dúvida, vão comer expressivas fatias do mercado dos bancos e instituições assemelhadas. É um movimento natural, já que não há ninguém mais capacitado do que a Ambev, só para citar um exemplo, para analisar com precisão riscos de crédito de bares e restaurantes.”
No próximo post, segunda-feira, os entrevistados vão explicar por quê apostam que as fintechs vão se beneficiar de duas novidades fomentadas pelo Banco Central: o novo marco legal do câmbio e o Real Digital.