Correspondentes bancários estão deixando de ser só canais de distribuição para virar donos do próprio produto. O movimento, ainda pouco visível fora do setor, cresce baseado em três vetores: tecnologia mais acessível, FIDCs como fonte de funding e uma regulação que permite estruturar fintechs — e até SCDs — a partir de bases operacionais já maduras.
FIDC é a sigla para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. SCDs são Sociedades de Crédito Direto.
“Começamos no analógico, mas a pandemia acelerou tudo. Hoje o correspondente vende nacionalmente com assinatura eletrônica e biometria”, diz Gabriel Ramalho, do Corban360, evento nacional voltado a correspondentes bancários (os corbans). Para ele, o diferencial segue no relacionamento e no papel consultivo: “Trabalhamos com várias instituições e buscamos a melhor taxa para cada perfil. Acompanhamos a jornada do crédito, não é só CPF e algoritmo.”
Por que virar fintech
Com regras mais flexíveis e o apetite por parte de fundos de investimento, corbans de médio e grande porte passaram a calcular que vale mais originar o próprio produto do que viver de comissão. “O correspondente conhece o risco do cliente, às vezes melhor que o banco. Como fintech, consegue condições mais ajustadas ao nicho”, afirma Gabriel. Exemplos incluem prazos adequados a faixas etárias ou vínculos funcionais, algo que bancos tradicionais nem sempre atendem.
A virada muda incentivos. Se antes a portabilidade rendia uma segunda comissão, agora a perda do contrato dói no resultado do FIDC. “O caminho passa a ser refinanciar dentro de casa, com taxa melhor, para reter o cliente”, diz Gabriel.
O papel dos FIDCs
Para escalar, caixa próprio não basta. “O FIDC alavanca a operação. O risco do consignado é baixo, o desconto é em folha e isso atrai o fundo”, diz Gabriel. O apetite maior é por quatro vertentes. Uma é o adiantamento do saque FGTS. Com risco mínimo e taxa média atrativa, tem ainda a vantagem da recorrência.
Outra é o consignado de servidores – a inadimplência é baixa e juros cobrados estão no teto superior dos cobrados no consignado do INSS. Este, por sua vez, é um mercado grande (40 milhões de pessoas), “mas a portabilidade corrói retorno”, diz Gabriel.
Já o consignado privado, regulamentado neste ano de 2025, tem potencial próximo a 45 milhões de funcionários com registro em carteira profissional. “Ainda há entraves tecnológicos, mas a expectativa é de avanço”, diz o especialista.
O papel da Matera
Crescimento cobra robustez. “Se o software trava, perde-se venda e carteira. Quando o correspondente vira fintech, o produto é dele. Precisa tecnologia para atendimento, originação e gestão ponta a ponta”, diz Gabriel. A dor recorrente, segundo ele, não é “defasagem”, mas a falta de integração: ferramentas de marketing, voz, SMS e WhatsApp em silos, com suporte irregular.
Com mais de 30 anos no sistema financeiro, a Matera tem apostado nesse nicho com uma plataforma modular em nuvem, exposta por APIs, cobrindo o ciclo completo de crédito — da solicitação à gestão, contabilidade e informes legais. “A proposta é dar autonomia e velocidade sem amarrar o cliente a customizações pesadas. Versão única, atualizações contínuas e liberdade para o próprio corban/fintech desenhar jornadas e ajustar regras conforme o mercado”, diz Amilcar Chaves, diretor da vertical de crédito da Matera. API é a sigla em inglês para interface de programação de aplicativos.
Na implantação, a empresa segue metodologia padronizada para acelerar o go-live e manter qualidade, independentemente do porte da operação. Sobre cases, a Matera não divulga nomes, mas afirma ter corbans relevantes já rodando na plataforma e destaca que o sistema está preparado para requisitos de SCD do Banco Central. A avaliação interna é que ainda há desconhecimento do que a companhia oferece para esse público — e que haverá investimento em visibilidade, relacionamento e produto.
Próximos passos
A leitura do setor aponta para mais tecnologia embarcada, uso pragmático de inteligência artificial (sem substituir o contato humano), avanço do consignado privado e diversificação para produtos como financiamento de celular, home equity e crédito pessoal. “Quem não acompanhar a agenda de diversificação e tecnologia tende a encolher”, diz Gabriel.
No pano de fundo, há impacto social: corbans levam crédito a periferias e interiores, para públicos que nem sempre se resolvem por aplicativos. A digitalização do canal — agora como fintech — tende a ampliar alcance com governança e eficiência. Se essa transformação for sustentada por infraestrutura escalável, o resultado pode ser um mercado de crédito mais competitivo, regionalizado e inclusivo — com a Matera se colocando como fornecedora estratégica dessa nova fase.