Uma fintech brasileira pediu à PilotIn que desenvolvesse um indicador para identificar tomadores de crédito com comportamento compulsivo em apostas. A ideia era simples — e direta: descobrir se o candidato ao crédito era viciado em bets. “Não é quem dá uma jogadinha ali, mas quem é viciado mesmo. Porque isso vai comprometer a renda da pessoa”, contou Ingrid Barth, CEO e co-fundadora da PilotIn, durante painel realizado pela Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) na segunda-feira (19/5).
A empresa – que atende negócios B2B – coleta dados via Open Finance, com consentimento dos usuários, e cruza essas informações para gerar indicadores de risco que vão além da análise tradicional. “A gente entra nessa jornada quando a pessoa está fazendo uma análise de crédito ou de risco por uma seguradora, por exemplo. A partir dos dados autorizados, conseguimos criar modelos mais sofisticados — e úteis”, disse.
Entre os clientes da PilotIn está uma fintech cuja taxa de conversão é baixíssima: apenas 2% dos pedidos de crédito são aprovados. Os 98% restantes não resultam em crédito, mas geram custos — de análise, de antifraude, de operação. E mesmo entre os aprovados, ainda há inadimplência. “A conta não fecha. É muito caro dar crédito hoje”, disse Ingrid.
O painel teve mediação de Sergio Costantini e contou também com Iago Oselieri, CEO da InvestPlay, e Gilson Paulillo, cofundador da Pagar. O tema era o uso da Inteligência Artificial no planejamento financeiro pessoal.
Reinclusão no crédito
Iago trouxe um caso de exclusão — e possível reinclusão pela IA. “Uma faxineira que ganha ao redor de R$ 5 mil por mês estava negativada. Ela não tem renda formal, então não passa na análise tradicional. Mas com os dados do Open Finance, é possível mostrar o fluxo de caixa dela. Assim ela poderia voltar a ter acesso ao sistema de crédito.”
A InvestPlay nasceu como uma plataforma de educação financeira. Mas, segundo Iago, o engajamento sempre foi o maior obstáculo. “O brasileiro não quer se educar financeiramente. Ninguém acorda e pensa ‘hoje vou aprender como o CET [Custo Efetivo Total] impacta no meu empréstimo’. Querem resolver e seguir com a vida.”
O uso da IA para entender o comportamento financeiro e antecipar ações está mudando esse jogo. Ele deu um exemplo: “Lá em casa, eu e minha esposa transferimos dinheiro no dia 7 para a conta da casa. Se eu esqueço, o assistente financeiro devia dizer: ‘Iago, você sempre transfere X reais nesse dia. Quer que eu faça isso por você?’. Isso é o mínimo que um bom sistema deveria fazer.”
Outro episódio ilustra esse potencial. Iago recebeu uma restituição do imposto de renda em uma conta do Bradesco. Horas depois, o Nubank enviou um push: “Vi que você recebeu X mil reais. A caixinha do Nu está rendendo tantos por cento. Quer trazer esse valor pra cá?”. “Achei sensacional. Era exatamente isso que eu queria que a IA fizesse por mim”, disse.
Conveniência e consciência
Para Gilson Paulillo, o uso da tecnologia precisa vir com responsabilidade. “Se tudo for automatizado, o usuário vira passageiro. E isso é perigoso, porque a pessoa perde a noção da própria vida financeira. A gente precisa de equilíbrio: conveniência, sim, mas com consciência.”
A Pagar já aplica IA Generativa (GenAI) em larga escala para personalizar seus produtos e aumentar o engajamento. Mesmo assim, Gilson reconhece que a maioria das pessoas ainda não entende como usar os próprios dados — e nem sabe que pode tirar proveito deles. “Ainda estamos engatinhando em cultura de dados. O Open Finance é poderoso, mas o consumidor só vai aderir se enxergar valor de volta.”
Segundo Ingrid, isso já está acontecendo. Mais de 50 milhões de CPFs no Brasil têm consentimento ativo para compartilhamento de dados. “É mais de um quarto da população economicamente ativa. E temos seis vezes mais consentimentos por CPF do que o Reino Unido, que foi o nosso modelo. Ou seja, o engajamento está aí — desde que o benefício seja claro.”
No fim do painel, Ingrid resumiu o espírito da transformação trazida pela IA no setor financeiro: “Hiperpersonalização não é pintar o aplicativo de rosa porque você gosta de rosa. É antecipar problemas, prever fluxo de caixa, renegociar antes que vire inadimplência. É isso que faz diferença de verdade.”