
Quase cinco anos após o início da implementação do Open Finance no Brasil, o ecossistema começa a mostrar maturidade técnica e regulatória. Agora, enfrenta outro desafio: como transformar dados em valor real para o cliente. Cinco especialistas debateram caminhos para vencer a frustração do consentimento sem benefício, mantendo o foco na experiência e na conveniência. O tema foi discutido no “Fórum Bancos & Banking”, evento realizado nesta quarta-feira (21/5) pela empresa de eventos Cantarino Brasileiro em parceria com a Acrefi, associação que representa principalmente financeiras.
“O desafio agora não é mais convencer o cliente a compartilhar os dados, mas fazer com que ele mantenha esse consentimento”, disse Carlos Augusto Oliveira, CEO da Certdox, mediador do debate. “Sem retorno, ele cancela”.
Marian Canteiro, CEO do Banco Útil, afirmou que o consentimento precisa estar embutido em uma jornada clara. “O cliente quer o serviço certo na hora certa. Ele não precisa saber que está usando Open Finance. Ele só quer que funcione”, disse. “Temos cinco soluções mapeadas. Não vamos lançar todas de uma vez, mas entregar uma a uma, com valor claro para o cliente”, explicou.
‘Com-sentimento’ de angústia
O Open Finance brasileiro contabiliza cerca de mil instituições participantes, com mais de 50 milhões de consentimentos ativos e bilhões de chamadas de API. Mas esse avanço técnico contrasta com um sentimento de frustração percebido por muitos usuários: a falta de retorno tangível após o compartilhamento dos dados. APIs é a sigla em inglês para interfaces de programação de aplicações, que permitem troca de informações entre diferentes sistemas. “Consentimento sem benefício vira com-sentimento de angústia”, brincou Daniel Orlean, um dos fundadores da fintech Biz Capital.
Em vez de apresentar mais um “cartão colorido” ou soluções semelhantes às já existentes, os participantes defenderam a criação de produtos que respondam a problemas reais. Para Daniel, é necessário deslocar a paixão por soluções para uma paixão por problemas. “Não precisamos de mais um cartão roxo, preto ou amarelo. Precisamos de formas mais eficientes de pagar combustível, parcelar a conta de energia ou resolver inadimplência”, disse.
Ele defende que o Open Finance só faz sentido quando opera nos bastidores e desaparece da interface do consumidor. “A melhor experiência é quando o cliente resolve seu problema sem saber que há um banco por trás”, afirmou.
Feedback
Para Flávio Querci, coordenador de Open Finance na provedora de infraestrutura TecBan, a maior lacuna ainda está dentro das instituições. Segundo ele, os dados são coletados, mas raramente chegam às áreas de negócio de forma estruturada. “O dado precisa sair da TI e chegar ao produto, ao marketing, à experiência do cliente. Só assim se monetiza o Open Finance”, disse. Em sua visão, o futuro envolve integrar os dados recebidos com jornadas de onboarding, concessão de crédito e novos produtos.
Ele também alerta para a importância de entregar feedback ao usuário, mesmo que negativo. “Muitos dão consentimento e não recebem nem uma negativa. O cliente precisa saber que seus dados foram analisados, senão ele desiste”, explicou.
O Sicoob foi uma das primeiras instituições a implementar a portabilidade de crédito via Open Finance, segundo Jonathan Okata, gerente de arquitetura da cooperativa. Ele disse que a instituição acredita na “concentralidade”, conceito que substitui a ideia de “principalidade” tradicional. Ou seja, o cliente não precisa usar apenas o Sicoob, mas pode centralizar ali sua visão financeira completa.
No aplicativo da cooperativa, o saldo total de todas as contas de um cliente — incluindo aquelas de outras instituições — aparece logo na tela inicial. “A gente quer ser o retrato da saúde financeira do cliente”, explicou. Para isso, o Sicoob centraliza os dados coletados em um “lake” interno, ao qual todas as áreas de negócio têm acesso. “Os times contratam seus próprios cientistas de dados. O maior desafio foi trazer essas áreas para perto do Open Finance”, disse.
Novos desafios
Marian reforçou o peso da operação no cotidiano das fintechs. “Temos um cobertor curto. Muitas vezes o time de produto acha que dá para desenvolver tudo internamente, mas não é o melhor caminho”, afirmou. Para o Banco Útil, o segredo está em entender o problema do cliente antes de implementar qualquer tecnologia. “Fazer a jornada de trás para frente: mapear onde está o valor para o cliente, só depois buscar o dado e a tecnologia necessária”, defende.
Ela relatou casos em que funcionalidades foram desenvolvidas a partir de necessidades reais, como evitar que carteiras digitais fiquem com saldo zerado. A integração com outras contas e a automação de transferências são ações diretas nesse sentido. “A expectativa do cliente precisa ser gerenciada. Se ele dá o consentimento e nada acontece, ele não vai repetir o gesto”, alertou.
O que vem pela frente?
O painel também discutiu o futuro do Open Finance e sua integração com outros elementos da agenda regulatória, como o Drex e os pagamentos automáticos via Pix. A aposta comum entre os participantes é de que o futuro do sistema financeiro será marcado pela interoperabilidade total, jornadas fluidas e menos visibilidade do banco na interface final. “O Open Finance vai se fundir com Open Insurance, Open Data… o desafio vai ser nomear tudo isso”, disse Daniel.
A manutenção do consentimento — não apenas a coleta — aparece como ponto-chave da próxima etapa. Marian comparou ao ingresso em uma faculdade de engenharia. “Entrar já foi difícil, mas o segredo é manter-se lá. É isso que vai definir o sucesso do Open Finance: a capacidade de manter o consentimento ativo, gerando valor contínuo para o cliente”.