Depois de passar 13 anos como diretor financeiro de cinco empresas do grupo JBS, no Brasil e exterior, no ano passado o pernambucano Rafael Souza fundou uma fintech um pouco diferente. Segundo ele, a Segue é uma financeira especializada em crédito consignado com forte base tecnológica, mas “foco nas pessoas”. Além disso, atingiu o equilíbrio financeiro em oito meses, e distribui mensalmente 11% do lucro para projetos de impacto social. “Queremos lucro, mas não a qualquer custo”, diz Rafael.
Para ele, cartão de crédito pode ser mais danoso que arma de fogo, para quem não sabe usar. “Nunca tivemos uma sociedade tão negativada e endividada como agora”.
Seu modo de pensar e tocar o negócio parece mesmo bem peculiar – e talvez seja uma das explicações para o fato de ele não ter sócios. Quando entra em um mercado novo, por exemplo, a Segue investe recursos próprios “para ter mais liberdade e autonomia” na concessão dos empréstimos. E não se considera uma fintech, mas uma “fincare”. Ou seja, sua proposta é aliar finanças a cuidado.
Dinheiro e cuidado
Rafael revela que a Segue acaba de estrear no crédito consignado privado com R$ 1,5 milhão de funding próprio. Desde 1/3, os trabalhadores CLT podem utilizar a plataforma do FGTS Digital para conseguir empréstimos consignados sem a necessidade de autorização da empresa empregadora. Em dezembro de 2023, a taxa média de juros do consignado para empregados de empresas privadas foi de 38,1% ao ano, já o de beneficiários do INSS foi de 23,6%, segundo o Banco Central.
No crédito consignado público (destinado a funcionários públicos, aposentados e pensionistas do INSS), seu mercado de estreia, a Segue já fechou parcerias com bancos para a constituição de fundos de recebíveis (FIDC). Segundo ele, neste mercado a Segue fez R$ 35 milhões em operações desde janeiro de 2023.
O CEO – ou SEU Rafael, como prefere ser chamado – também reúne várias das características comuns a empreendedores de startups. Experiência prévia no mundo corporativo, precocidade, senso de propósito, desejo de deixar um legado e insatisfação com o status quo são alguns deles.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por ele com exclusividade ao portal:
Finsiders Brasil – Por que você abandonou uma bem sucedida carreira executiva para abrir uma fintech?
Rafael – Sempre quis deixar um legado, e nunca me conformei com a realidade social do país. Quis criar uma financeira que se preocupasse em melhorar a vida das pessoas, que focasse mais nos clientes do que em produtos. Queremos lucro, sim – e chegamos nele em apenas oito meses de operação com crédito consignado público. Mas não queremos lucro a qualquer custo. O sistema hoje precifica pelo erro, não pelo acerto: quem paga, paga por quem não paga. Nós não. O score do cliente não é nossa métrica principal. Estamos trazendo uma nova ótica para o sistema financeiro. Assim, se concluímos que nossa oferta não é a melhor para um determinado cliente, não concedemos o crédito. Não queremos aumentar o endividamento. O objetivo é ajudar realmente quem precisa.
Finsiders Brasil – Qual o segredo do modelo de negócio da Segue? A opção pelo consignado já dá uma pista, uma vez que a linha quase não tem inadimplência…
Rafael – Tratamos os colaboradores (hoje são 48) com o respeito que queremos oferecer aos clientes: pagamos salários acima do mercado e entregamos benefícios como psicólogos e fisioterapeutas. Mas cobramos resultados. Focamos em caixa e controle de custos. Não acredito em salvadores da pátria, mas na soma de esforços. E também não entramos na disputa pelos produtos mais disputados, como conta digital e cartão, para não fazer mais do mesmo. As fintechs, quando começaram, tinham o propósito de fazer diferente. Mas a grande maioria delas acabou fazendo igual aos que criticavam. Nós focamos no cliente, não no produto. Desenvolvemos uma metodologia própria e única no Brasil para isso.
Finsiders Brasil – Como é essa metodologia? Como a Segue ganha dinheiro?
Rafael – Nós abordamos o departamento de Recursos Humanos das empresas e apresentamos uma peça teatral para engajar os colaboradores. Depois fazemos um diagnóstico financeiro, para entender se nós temos a melhor solução para eles ou não . Esse diagnóstico é fundamental. Você não chega no consultório médico pedindo o remédio X. Você vai atrás de um diagnóstico, que por sua vez é obtido por exames. E só depois vem a prescrição. Oferecemos crédito consignado, um dos mais baratos do mercado – mas também assessoria financeira. Por essa assessoria, cobramos uma mensalidade – mas claro, só assina quem quer. A mensalidade começa em R$ 36, depois de um período “freemium”. E as taxas de juros cobrados no consignado privado vão de 2,5% a 5% ao mês.
Finsiders Brasil – Quantos contratos já fecharam? Qual é a meta para 2024?
Rafael – Nossa meta é fechar o ano com R$ 20 milhões/mês a partir de outubro no consignado público, e fazer R$ 30 milhões no privado. Já fechamos com uma empresa com 50 funcionários, e a meta é fechar com 500 vidas nos próximos três meses, bancados pelo nosso fundo próprio de R$ 1,5 milhão. O ticket médio do empréstimo é de R$ 3 mil. Após o piloto e análises dos resultados, a solução entrará em mar aberto e contará com a parceria de fundos de investimentos, já em negociação.
Finsiders Brasil – Vocês começaram com o consignado para funcionários do setor público. Por que decidiram entrar no privado? As taxas são maiores e não obedecem a um teto, e a concorrência é menor?
Rafael – O volume total do mercado de consignado privado corresponde a apenas 5% do total (segundo o Banco Central era 7,3%, ou R$ 45,6 bilhões, em dezembro de 2023). Poucas instituições acessam o funcionário CLT (de carteira assinada em empresas privadas) para dar consignado. Então, eles não têm tanto acesso a taxas mais baixas. Os bancos não têm tanto interesse porque o consignado privado não dá a mesma margem que o público, onde existe escala muito maior e é mais fácil operar.
Finsiders Brasil – Por que a aposta na consultoria financeira associada à concessão de crédito?
Rafael – Uma pesquisa realizada pela fintech Onze em parceria com a seguradora Icatu, com 8.573 trabalhadores, descobriu que para 68% deles as preocupações financeiras afetam diretamente seu dia a dia no trabalho. E 54% disseram que a maior preocupação atual é com dinheiro. Os problemas financeiros dos funcionários não ficam da porta pra fora. Ou seja, para as empresas é um bom negócio investir na saúde financeira dos funcionários. Nosso modelo funciona como um “Gympass” financeiro, beneficiando tanto os funcionários como o RH. Os funcionários passam a ter acesso ao Personal Financeiro para obter orientação personalizada. Podem fazer a solicitação de um empréstimo, conversar com o seu assessor financeiro e acessar conteúdos de educação financeira e de comportamento. Para o RH, o modelo traz a segurança de um parceiro com atendimento personalizado e a consequente redução do estresse financeiro dos colaboradores.
Finsiders Brasil – E quais os próximos passos que você está arquitetando?
Rafael – Está em incubação neste momento um produto desenhado nesses mesmos moldes para ajudar microempreendedores e autônomos. E também queremos abrir um hospital em São Paulo em 2026.