Em meio ao aumento e à sofisticação de fraudes e crimes financeiros, executivos de grandes bancos defendem o compartilhamento de informações e maior cooperação com o poder público. Para representantes de instituições como Banco do Brasil (BB), Bradesco e Itaú Unibanco, o acesso a dados é fundamental para enfrentar a escalada das organizações criminosas no País.
Na visão de Vinicius Santana, diretor responsável por PLD/FTP no Itaú e diretor da Comissão de PLD/FTP da Febraban, o setor privado se beneficiaria da ampliação do acesso a bases públicas. “Temos carência de dados que o setor público possui — como bases confiáveis de PEPs [Pessoas Expostas Politicamente], fugitivos e presos. Essas informações são fundamentais para aprimorar os controles e as análises”, afirmou ele, durante painel no “15º Congresso de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLDFT)”, realizado nesta quarta-feira (22/10) pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
O executivo foi além e defendeu que o compartilhamento de informações precisa avançar também entre as próprias instituições financeiras privadas. “Entre os privados, o compartilhamento precisa avançar”, disse. A Resolução 6 [Resolução Conjunta nº 6, de 2023] é um avanço”, afirmou. Segundo ele, não dá para um banco encerrar a conta de uma ‘empresa de fachada’, e no dia seguinte ela conseguir abrir conta em outra instituição. “Estamos lutando no âmbito da Resolução 6 para que a gente possa compartilhar as informações sobre empresas de fachadas entre os bancos.”
Alceu Del Petri Filho, superintendente-executivo de PLD/FT do Bradesco, destacou que os criminosos já operam com um nível de integração muito maior que o das instituições financeiras. “O outro lado também teve um avanço tecnológico e está se sofisticando. Eles [os criminosos] têm acesso a informações que muitas vezes nós lutamos para ter. Pode ter certeza de que agora mesmo tem um grupo na esquina trocando informações nossas, sabe qual a nossa renda, dados das nossas famílias. Não estão respeitando LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais], nem sigilo bancário.”
Crime organizado, tecnológico e sofisticado
O executivo deixou claro que os bancos não pretendem abrir mão dos princípios de proteção de dados, mas defendeu que há espaço para compartilhamento de informações. “Os bancos respeitam a LGPD, o sigilo bancário. Não estamos falando para negociar esses valores, isso é inegociável. Mas há que haver o compartilhamento de informações e inteligência. Lutar contra crime que se organiza e é tecnológico, que usa cadeias lícitas, é cada dia mais desafiador”, observou Alceu.
Núbia Tavares, executiva de PLD/FTP, Gestão de Crises e Continuidade de Negócios do Banco do Brasil (BB), reforçou a importância da integração. “O crime organizado é planejado e preparado. E temos que tentar estar à frente dele, com controles mais robustos, integração, parcerias público-privadas.”
Ela citou parcerias recentes do BB na direção da troca de informações para enfrentar o crime organizado. “No final de setembro, por exemplo, fizemos um acordo de cooperação com a ABIN [Agência Brasileira de Inteligência]. Recentemente, também fechamos um acordo com o Ministério da Justiça para capacitação. Então, dentro da nossa universidade corporativa, vamos ter um treinamento que é específico de PLD e o próprio ministério elaborou”, mencionou.
Além do compartilhamento de dados, os executivos defenderam punições mais duras para clientes que emprestam contas bancárias para golpistas, conhecidas como “contas laranjas“, um fenômeno que desafia todo o setor financeiro, inclusive o regulador. “Estamos trabalhando para aumentar punição a quem empresta contas”, afirmou Vinicius, do Itaú. O executivo fez um paralelo histórico: “Antigamente, tinha o cheque sem fundo. Quando você dava o cheque sem fundo, ficava suspenso lá cinco anos no sistema financeiro. Então, para fraudes, será que esse não seria o caminho?”, questionou ele.
Bets à margem
O avanço de casas de apostas (bets) sem licença para operar no Brasil é outra fonte de preocupação para os bancos. Segundo Alceu, do Bradesco, a circulação de dinheiro hoje é maior no mercado ilegal do que no legalizado. “Precisamos de controles e pessoas para identificar isso. Muitas vezes não temos certeza se é aposta. O que temos são indícios. Pesquisamos em várias fontes para idenificar se é de fato aposta ou não porque, do lado de lá, nunca tem uma bet claramente declarada”, disse.
Vinicius, do Itaú, reforçou que o tema das apostas ilegais mobiliza o sistema financeiro e que os bancos vêm atuando em conjunto com o regulador e a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) para definir critérios claros. O executivo disse que, por enquanto, as instituições não conseguem bloquear operações. Isso porque, segundo ele, não há uma classificação oficial do que é “casa de aposta ilegal”.
“Logo teremos uma publicação com os nomes dessas plataformas. Aí sim os bancos terão a obrigação de barrar pagamentos”, afirmou. De acordo com o executivo, há casos em que os beneficiários dessas contas são pessoas inscritas em programas sociais, o que mostra a fragilidade e o potencial de exploração do sistema por organizações criminosas. “Se nas casas de apostas legais, já tem um risco considerável de lavagem de dinheiro, imagina nas ilegais. Esse é um desafio que a gente tem que ficar bem atento mesmo.”