
Ex-presidente do Banco Central (BC) e atual vice-chairman e chefe de Políticas Públicas do Nubank, Roberto Campos Neto disse na sexta-feira (31/10) que as stablecoins estão crescendo mundo afora. Segundo ele, nos mercados emergentes, essas moedas digitais lastreadas em ativos como dólar, euro e real vêm se tornando uma alternativa mais barata para as pessoas terem uma conta em dólar.
“As pessoas vão cada vez mais comprar stablecoins. No mundo emergente, é uma febre. Porque é uma forma muito barata de ter uma conta em dólar”, afirmou Campos Neto, durante o “LIDE Brazil UK Forum“, evento realizado na sexta-feira (31/10), em Londres, pelo Lide, grupo empresarial do ex-governador de São Paulo João Doria. O executivo comentou que abrir uma conta tradicional em moeda estrangeira é caro e burocrático em nações com moedas não conversíveis. Ele citou que, em alguns países da América Latina, o uso de stablecoins já cresce a taxas de até 300%.
“Hoje, 99% das stablecoins estão baseadas em dólar. Então, há um incentivo grande dos Estados Unidos para que a compra dessas moedas evolua”, disse. Campos Neto ressaltou ainda que, como essas moedas são lastreadas em títulos do Tesouro norte-americano, o avanço dessa tendência amplia a demanda pela dívida dos EUA — o que, segundo ele, também serve como forma de o país reduzir sua dependência da China.
O executivo afirmou que o futuro do dinheiro passa por um sistema financeiro sem fronteiras, e o crescimento das stablecoins é um exemplo nessa direção. “O pagamento transfronteiriço precisa ficar mais eficiente, e já está ficando”, afirmou. “E se eu tenho a capacidade de fazer finanças sem fronteiras, o próximo passo é a tokenização. É pensar que o dinheiro vai ser programável. O dinheiro vai ser programável porque os ativos físicos e financeiros vão ser tokenizados.”
Sistema financeiro digital x tradicional
Campos Neto apontou também que a popularização das stablecoins e das criptomoedas traz implicações diretas para o sistema bancário tradicional. “Se a gente tiver um monte de gente comprando stablecoins e criptomoedas, o que as pessoas estão fazendo é sacando o dinheiro do banco e colocando em uma carteira digital”, afirmou. Ele explicou que, ao contrário dos bancos, as carteiras digitais não oferecem crédito — o que pode gerar desequilíbrios estruturais. “Os bancos perdem depósito, porque as pessoas estão sacando o dinheiro de depósito para colocar nas carteiras digitais. E quando o depósito cai, o crédito cai.”
Para o ex-presidente do BC, o desafio está em encontrar um ponto de equilíbrio entre o dinheiro digital e programável e o crescimento do crédito a economia. Nesse contexto, ele destacou a importância do Drex, projeto do BC brasileiro que nasceu na própria gestão de Campos Neto à frente da autarquia. A iniciativa, no entanto, vem enfrentando desafios para avançar e, recentemente, abandonou a tecnologia blockchain na nova fase.
“Então, a gente tem um problema pensando no futuro. De como fazer a interação entre esse mundo digitalizado e o crescimento de crédito. A solução para isso, curiosamente, é um pouco o Drex”, disse Campos Neto. “O Drex foi pensado nisso: em ter alguma forma de capturar os ativos digitais sem atrapalhar o crescimento do crédito, sem desintermediar o balanço dos bancos”, afirmou, reforçando que “é muito importante seguir com o projeto”. Na visão de Campos Neto, o projeto não deve “se limitar a gravames”. De acordo com o vice-chairman do Nubank, há uma tentativa em andamento para “ajudar o Banco Central numa solução tecnológica” para o uso mais amplo do Drex.
Pix e Open Finance
Campos Neto comentou, ainda, sobre o avanço de iniciativas como o Pix e o Open Finance na modernização do sistema financeiro brasileiro. Segundo ele, o Pix foi criado em pouco mais de um ano e se tornou rapidamente uma porta de entrada para a digitalização. “Foi um instrumento que gerou engajamento. Todo mundo usa pagamentos no dia a dia”, afirmou.
O sistema de pagamentos instantâneos, disse Campos Neto, bancarizou 47 milhões de pessoas e permitiu a abertura de 80 milhões de contas no País. Também presente no evento, Fábio Araújo, coordenador dos trabalhos do Drex no BC, destacou que, antes do Pix, havia dificuldade de interação entre os vários participantes do ecossistema de pagamentos no País. “O Pix trouxe um trilho comum de pagamentos e permitiu fintechs a prestar serviços em todos os municípios do Brasil”, disse.
O Open Finance, por sua vez, trouxe dois pilares centrais: comparabilidade e portabilidade em tempo real. “A ideia era diminuir a assimetria de informações e permitir que o usuário tivesse poder de escolha a partir dos dados”, afirmou Campos Neto. Já Fábio Araújo disse que o sistema já tem possibilitado “serviços muito interessantes”. Para ele, o Open Finance representa uma mudança estrutural ao devolver ao cidadão o controle sobre seus próprios dados. “O Open Finance tem essa visão de dar o controle do dado para o usuário que criou aquele dado, que é a visão que nós temos hoje no ambiente de uma economia de dados, uma economia digital.”
Tributação das fintechs
No encerramento de sua fala, Campos Neto voltou a defender as fintechs, como tem feito nas últimas semanas em meio à discussão do aumento de imposto sobre essas empresas. Ele rebateu críticas de que as fintechs pagam menos impostos do que os bancos, apresentando dados em sentido contrário: “As fintechs pagaram 30% de impostos em 2024, enquanto os bancos pagaram 12%. Em 2023, as fintechs pagaram 36%, e os bancos, 9%”.
Campos Neto, que tem sido vocal sobre o tema em contraposição aos argumentos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), apontou uma diferença nas tarifas de cada perfil de instituição. “As tarifas médias das fintechs são de R$ 2,50. As dos bancos grandes, R$ 85. Ou seja, os bancos grandes cobram 30 vezes mais tarifas do que as fintechs”, afirmou.
Na visão do ex-presidente do BC, as fintechs foram cruciais para a inclusão financeira no País. “Quando a gente pensa em conta corrente, nós saímos de 81 milhões para 160 milhões. A bancarização foi de 74% para 97%”, disse. Segundo ele, das 47 milhões de pessoas bancarizadas com o avanço da digitalização, 28 milhões abriram a primeira conta pelo Nubank. “Em cartão de crédito, os bancos grandes tinham 85% de participação; hoje têm 57%. Vinte e nove milhões de pessoas que nunca tiveram cartão de crédito tiveram o primeiro com o Nubank”, disse. Campos Neto afirmou, ainda, que o crescimento das fintechs “baixou as taxas de juros em cerca de 2,9 pontos percentuais”, citando um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI).