TRANSFORMAÇÃO

Como o varejo está se transformando no "banco amigo do cliente"

Enquanto bancos tradicionais tentam manter relevância, varejistas se estruturam para transformar cada ponto de venda em um 'hub' de serviços financeiros

Letícia Alcantara/RPE, Carlos Benitez/BMP, Priscila Morais/Lojas MM e Alexandre Theoharidis/Polígono Capital
Letícia Alcantara/RPE, Carlos Benitez/BMP, Priscila Morais/Lojas MM e Alexandre Theoharidis/Polígono Capital | Imagem: divulgação

O varejo está se tornando o novo banco — e o consumidor parece gostar exatamente porque não o enxerga assim. Ao contrário da experiência fria e burocrática de uma instituição financeira, o crédito oferecido na loja vem com o cheiro de um sonho prestes a ser realizado: um eletrodoméstico novo, uma reforma na casa, um bem que melhora a vida. “O banco é necessidade, o varejo é prazer”, resumiu Carlos Benitez, CEO da BMP, em painel sobre eficiência financeira no varejo, realizado no evento “RPE Summit 2025“, nesta quinta-feira (14/8).

No palco, Carlos dividiu a conversa com Priscila Moraes, gerente financeira das Lojas MM, e Alexandre Theoharidis, gerente de carteira da Polígono Capital, numa discussão que revelou como o setor está disputando espaço — e faturamento — com os bancos na oferta de crédito.

Proximidade e duplo ganho

Para Carlos, da BMP, o varejista que financia seu próprio cliente colhe dois frutos: a margem do produto e o spread bancário. No passado, era comum sacrificar parte da margem para fechar mais vendas. Hoje, com análises comportamentais e uso intensivo de dados, é possível preservar ambos. “Quem está perto do cliente fideliza. E quem é a próxima agência bancária? O varejo”, provocou.

Ele contextualizou a mudança no mercado: após o boom de agências bancárias nos anos 1980 e a consolidação do setor nos anos 1990 e 2000, os bancos se distanciaram das pontas em busca de eficiência. Nesse espaço, cresceram fintechs e FIDCs — que já representam 11% da carteira de crédito em 2024, ante 4% em 2018. FIDCs são Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, que as empresas não financeiras (como as varejistas) usam como fonte de recursos (funding) dos financiamentos.

Essência e expansão

Priscila Moraes, com a visão de quem lida diariamente com a operação de mais de 220 lojas no Sul e Centro-Oeste, destacou que bancarizar o cliente é inevitável, mas precisa ser feito sem descaracterizar a experiência de “olho no olho”. “Nosso cliente busca proximidade e confiança, não burocracia bancária”, disse.

A Lojas MM já implantou um FIDC e prepara sua própria securitizadora, com planos de ofertar crédito pessoal e financiar clientes de pequenos varejistas que compram no atacado. O objetivo: manter o cliente no ecossistema da marca, mesmo quando ele compra em outra loja. “O melhor parceiro nem sempre é o mais barato. Segurança e tecnologia de ponta são essenciais para proteger a operação e a experiência do cliente”, reforçou.

Gerador de receita

Alexandre, da Polígono Capital, apontou uma mudança estrutural: se antes o crédito era visto como propulsor de vendas, hoje ele responde por até 30% da receita em grandes varejistas como Magazine Luiza e Lojas Renner. “A varejista, quando dá esses passos, cada vez mais se aproxima de um banco”, afirmou.

O executivo defendeu que o FIDC se consolidou como principal instrumento para financiar o braço de crédito, mas exige gestão de risco, adaptação de processos e governança compatível com o setor bancário. “Essa complexidade é justamente o que garante segurança jurídica e proteção contra perdas”, disse.

Linha cada vez mais tênue

Tudo indica que a disputa entre bancos e varejo pela primazia do crédito ao consumidor vai se intensificar. Enquanto bancos tradicionais tentam manter relevância, varejistas se estruturam para transformar cada ponto de venda em um hub de serviços financeiros. E o consumidor, que já enxerga o crédito no varejo como parte natural da compra, pode ser o grande motor dessa transformação.

“Não é mais só vender produto ou conceder crédito. É construir um ecossistema para que o cliente compre mais e volte sempre”, disse Priscila. Carlos arrematou: “O caminho já está traçado”.