TRIBUTAÇÃO

Inclusão financeira pode estar em risco, alertam especialistas

Opinião é de painelistas que debateram a reforma tributária e o futuro das fintechs durante evento em Brasília em 19/8

Carol Conway/Abranet | Imagem: print de tela
Carol Conway/Abranet | Imagem: print de tela

A reforma tributária, se calibrada de forma equivocada, pode sufocar os avanços que transformaram o Brasil em referência mundial em inclusão financeira digital. “As fintechs representam o elo entre inovação e população de baixa renda”, disse Carol Conway, presidente do Conselho da Associação Brasileira de Internet (Abranet). “Seu enfraquecimento não afetaria apenas empresas, mas colocaria em risco conquistas sociais que mudaram a vida de milhões de brasileiros”, completou Raul Moreira, presidente do Conselho do Banco Original.

Ambos estiveram no Summit Reforma Tributária realizado em Brasília nesta terça-feira (19/8), ao lado de outros palestrantes.

A principal crítica foi à Medida Provisória 1.303/2025, que prevê elevação da carga tributária sobre as instituições digitais. Para os debatedores, a medida, embora justificada pelo governo como necessidade de arrecadação, atinge justamente as empresas responsáveis por democratizar o acesso a serviços financeiros no País.

Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), destacou que o Brasil alcançou a marca de mais de 160 milhões de contas digitais ativas, número que ilustra a dimensão da inclusão proporcionada pelas empresas de tecnologia financeira. “Estamos falando de milhões de pessoas que antes estavam fora do sistema bancário e que hoje podem fazer transferências, receber pagamentos, contratar crédito e participar da economia digital”, disse.

Diego alertou, no entanto, que a Medida Provisória em discussão pode comprometer esse avanço. Segundo ele, a tributação prevista eleva os custos de operação de forma insustentável para startups financeiras, especialmente as que atuam em nichos de baixa renda. “Esse aumento impacta diretamente os pequenos negócios, porque encarece as operações e desestimula investimentos. Estamos falando de 60% a 65% de elevação da carga tributária em alguns casos”, ressaltou.

Carol foi enfática ao lembrar o papel social dessas instituições. “Quando essa MP aumenta os impostos na verdade ela está pegando o andar de baixo. São essas pessoas que não têm acesso, nunca tiveram e que dependem de uma conta digital, dependem de uma maquininha para aceitar seus pagamentos”. A MP aumentou impostos sobre as fintechs e sobre instrumentos de captação (leia mais aqui).

Competição sob pressão

Para Vinicius Carrasco, diretor da Associação Brasileira de Instituições de Pagamento (Abipag), as plataformas de pagamento ajudaram a reduzir custos e estimularam bancos tradicionais a rever suas práticas. E a proposta tributária ameaça justamente esse processo de competição. “Se os custos subirem dessa forma, as fintechs perdem competitividade e o consumidor volta a ter menos opções. O risco é de concentração novamente no sistema financeiro”, disse.

A advogada Elidie Bifano chamou a atenção para a insegurança regulatória que a MP pode gerar. “Uma mudança tributária com esse impacto, feita via medida provisória, dificulta o planejamento das empresas e dos investidores. O setor precisa de previsibilidade para continuar crescendo”, disse. Segundo ela, o aumento de impostos pode reduzir o fluxo de capital para startups financeiras em um momento em que o ecossistema ainda busca amadurecer.

Conta e Pix

Raul, do Banco Original, complementou ressaltando a importância da gratuidade das contas digitais, que abriu caminho para a massificação do Pix e a inclusão de milhões de brasileiros no sistema bancário: “Foi a conta digital gratuita que pavimentou a construção do Pix. Então, veja tudo o que estamos colocando em jogo quando trazemos uma carga maior para as instituições financeiras digitais”. Para ele, o retrocesso não seria apenas econômico, mas social.

O deputado Pedro Lupion (PP-PR) também criticou a medida provisória, apontando que ela tem caráter meramente arrecadatório e pode encarecer o crédito.

Já o professor da FGV Carlos Ragazzo defendeu que, em vez de retrocessos, a agenda regulatória deveria priorizar avanços como a portabilidade de salário e crédito, que poderiam ampliar a competição e reduzir custos para os consumidores. Raul reforçou essa linha, lembrando que o Banco Central já aposta em iniciativas como o Open Finance e a evolução do Pix. Já são 60 milhões de brasileiros que aderiram ao Open Finance, e quase 70% vieram das instituições digitais, destacou.

Para Diego, da ABFintechs, “o que está em jogo é a continuidade da transformação que permitiu levar serviços financeiros a quem nunca teve acesso antes. Se esse avanço for interrompido, o maior prejudicado será o consumidor de baixa renda”.