DIVERSIDADE

O futuro das finanças é feminino, regulado, inteligente e descentralizado

Opinião foi compartilhada por Ingrid Barth, da PilotIn; Marcia Netto, da Silverguard; e Tatiana Pomar, da Sofi, em evento da Fin4She

Erica, Ingrid, Tatiana e Marcia durante o evento Fin4She | Imagem: Léa De Luca
Erica, Ingrid, Tatiana e Marcia durante o evento Fin4She | Imagem: Léa De Luca

O futuro das finanças é feminino, regulado, inteligente e descentraizado. A tese é compartilhada por quatro mulheres à frente de fintechs brasileiras, que debateram o tema nesta segunda-feira (16/6) durante painel em evento do Fin4She, plataforma que conecta mulheres e empresas na busca por maior equidade de gênero no mercado financeiro.

Feminino, porque segundo elas as mulheres, mais do que os homens, têm características cada vez mais importantes para esse futuro – além da profunda vivência técnica, têm mais empatia e propósito social. Regulado, porque o futuro nasce em diálogo com o Banco Central (BC) e outras instituições normativas; inteligente, com o uso intensivo de Inteligência Artificial (IA) em diferentes pontos da jornada financeira. E é descentralizado, porque rompe com a lógica tradicional de concentração bancária e entrega autonomia ao consumidor para montar seu próprio ecossistema financeiro.

Segundo elas, a revolução tem rosto, gênero e direção. E já está em curso nas operações de startups como a PilotIn, de Ingrid Barth, que funciona como um hub de consentimento no Open Finance, permitindo a análise de crédito baseada em dados compartilhados de forma segura; a Silverguard, de Marcia Netto, que atua na prevenção de fraudes com o uso de inteligência artificial; e a Sofi, de Tatiana Pomar, especializada em prever e reduzir inadimplência em empresas com modelos de receita recorrente. A conversa foi mediada por Erica Fridman, sócia da Sororitê Ventures, fundo de Venture Capital (VC) focado exclusivamente em startups fundadas por mulheres.

Do banco único à curadoria

A ideia de descentralização — frequentemente associada a criptoativos — ganhou um sentido mais amplo no painel. Para Ingrid, a transformação está em como o usuário passa a controlar sua vida financeira. “Hoje ainda consumimos finanças como marcas: ‘eu tenho conta no banco X’. Mas o futuro é montar sua curadoria de produtos — crédito em um lugar, investimento em outro, conta em um terceiro — tudo consultado de forma unificada, com autonomia. Os aplicativos de banco vão acabar”.

“Com o Open Finance, o cliente compartilha seus dados em milissegundos. A análise de crédito se torna mais precisa e mais barata. E se o perfil não se enquadra, a operação é ‘stopada’ com custo zero”, explica Ingrid. Isso representa uma ruptura com o modelo tradicional, onde os bancos retinham todas as informações e, por consequência, o poder de decisão.

Tatiana concorda. “O aplicativo bancário como conhecemos tende a desaparecer. O cliente vai se relacionar com diferentes plataformas. O banco deixa de ser o centro do relacionamento e vira um fornecedor — um entre muitos.” É a essência da descentralização: menos concentração, mais interoperabilidade, mais poder nas mãos do consumidor.

Infraestrutura inteligente

Se descentralizar é dar liberdade, é a IA que permite que essa liberdade seja funcional, eficiente e segura. Segundo Tatiana, a Sofi aplica IA para detectar comportamentos de risco antes da inadimplência acontecer. “Começamos monitorando após o calote, depois com 90 dias, depois 30, agora com 15 dias antes. E nem para todos: só para quem precisa. Isso é machine learning com propósito.”

Já na Silverguard, o uso da IA é voltado à segurança e à proteção de vítimas de golpes. “A gente pega relatos de golpes e joga no nosso AI ScamChecker”, explica Márcia. “Ele valida, classifica e envia alertas às instituições financeiras. Diferencia fraude real de autodeclaração ou simples desacordo comercial.” O resultado é eficiência para quem sofre — e economia para quem atende, afirma.

O modelo da Silverguard é um exemplo de inovação descentralizada: ela atua como intermediária entre o cidadão e as instituições, sem estar vinculada a nenhum banco, mas entregando valor para ambos os lados. “No fundo, somos um marketplace entre vítimas e instituições financeiras”, resume Márcia.

E as inovações não param aí. A discussão trouxe à tona tendências como “agentificação” — uso de múltiplos agentes de IA com funções específicas — e a criação de estruturas organizacionais entre agentes, com sistemas supervisores e subordinados, quase como uma “empresa dentro da IA”.

Força propulsora

No painel, elas afirmaram que o regulador não atrasa a inovação: isso é um mito. Para elas, ao contrário, Banco Central (BC), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e outras entidades são habilitadores do novo sistema financeiro.

“Antes de entrar nesse mercado, eu tinha medo de ser presa. Achava que fintech era um agiota de gravata”, brincou Ingrid, lembrando sua entrada no setor por meio do banco digital Neon. “Mas entendi que o BC está genuinamente preocupado em ampliar o acesso. Eles são brilhantes, e abrem espaço para diálogo real com o mercado.”

Márcia destacou o sucesso do Pix — “a maior startup do país” — como fruto desse ecossistema regulado. “Um time pequeno mas muito eficiente fez algo que já está sendo usado até na Argentina. Isso só foi possível com regulação que permite inovar.” E Tatiana trouxe o exemplo de mudanças fora da alçada direta do BC, como a apreensão extrajudicial de veículos, que também gera oportunidades para a transformação digital de processos antiquados.

A convergência entre regulação e tecnologia foi consenso: o Brasil está na vanguarda mundial da transformação financeira regulada.

Força transformadora

Mas talvez a característica mais potente dessa nova era financeira seja quem está à frente. O futuro das finanças é feminino porque ele está sendo construído com novas lentes: mais inclusão, mais empatia, mais conexão com problemas reais.

Tatiana foi direta: “Mais de 70 milhões de brasileiros estão negativados. Isso não pode ser normal. O mundo precisa ser mais justo. A gente precisa construir soluções que mudem isso”. Ingrid trouxe o foco para a inserção feminina: “Quero que as mulheres prosperem. Mas para isso, elas precisam estar inseridas. Educação financeira não é vídeo no YouTube. É prática. É vivência.”

Márcia, que lida diariamente com vítimas de fraudes — muitas delas mulheres — reforçou: “Os golpistas estão mais organizados do que as instituições. Nosso trabalho é fechar as portinhas do inferno. Não dá para fingir que isso não está acontecendo.”

Erica Fridman, da Sororitê Ventures, encerrou com um chamado: “Essas mulheres não estão disputando espaço. Estão criando um novo espaço. Um sistema descentralizado, inteligente, regulado — e caminhando para ser realmente representativo.