Durante mais de uma década, o sistema financeiro brasileiro viveu uma explosão de inovação e pluralidade. A regulação aberta do Banco Central (BC) criou terreno fértil para centenas de novas instituições digitais, cada uma mirando um nicho, uma dor específica, um pedaço do mercado. O resultado foi um ecossistema vibrante, mas disperso. Agora, passado o entusiasmo da expansão, surge um novo consenso entre executivos do setor: o futuro será de consolidação inteligente, não apenas de crescimento.
Essa é a leitura que une executivos de Efí Bank, RecargaPay e Mercado Pago, que participaram de um painel durante o “Fitch on Fintechs 2025“, evento realizado pela agência de classificação de risco Fitch Ratings na terça-feira (14/10). Os três concordaram que a próxima fase das fintechs não será marcada pela quantidade de novos players, e sim pela qualidade da integração entre eles — entre produtos, tecnologias e propósitos.
Tudo em um
Para João Abrikian, superintendente de Produtos do Efí — que começou há 18 anos oferecendo boletos e hoje atua como banco digital para pequenas e médias empresas (PMEs) —, o mercado mudou. “As PMEs querem tudo num só lugar: cobrar, receber, tomar crédito, gerir caixa. O problema é que o mercado ainda é fragmentado demais. O BC vem subindo o sarrafo regulatório, e isso vai levar à junção de empresas — algumas vão se unir, outras vão ficar pelo caminho.”
Na visão dele, essa consolidação é mais do que natural: é necessária para que o sistema avance. “O futuro não é ter mil fintechs oferecendo pedacinhos de serviço, mas sim plataformas robustas, com ecossistemas completos e sustentáveis”, projetou ele.
Felipe Montenegro, vice-presidente sênior de Finanças da RecargaPay, vê a mesma tendência, mas de outro ângulo. Para ele, o desafio não é a concentração — que ainda é alta, nas mãos de poucos bancos —, e sim o risco da pulverização ineficiente. “Do ponto de vista dos bancos, o Brasil ainda exibe muita concentração, mas, dentro do mundo das fintechs, a fragmentação é enorme. O próximo ciclo será de diferenciação: quem entender melhor o cliente, quem entregar valor real e tecnologia relevante, vai sobreviver.”
Felipe aposta em três pilares para definir esse novo ciclo: hiperpersonalização, velocidade e tecnologia. E acredita que o Open Finance e o Pix serão os vetores dessa transformação. “O Open Finance transforma a relação com o cliente — deixa de ser uma foto e vira um filme. O Pix, por sua vez, está virando uma plataforma de crédito.”
Reorganização de forças
A consolidação, portanto, não significa fechamento de portas, mas reorganização de forças. O excesso de players que marcou os últimos anos tende a dar lugar a ecossistemas mais integrados e complementares.
Patrícia Leal, chefe da área de Pricing do Mercado Pago, concorda. Ela lembra que, assim como a democratização do comércio eletrônico impulsionou o surgimento das fintechs, agora é a democratização do crédito e da informação que ditará o ritmo do setor. “Mais da metade dos nossos clientes nunca teve conta bancária. A entrada das fintechs foi essencial para incluir milhões de pessoas. Mas inclusão sem solidez não se sustenta. O desafio agora é manter a confiança e o crescimento ao mesmo tempo.”
Para ela, o diferencial competitivo deixou de estar no produto — e passou a estar na experiência e na confiança. “Produtos são parecidos. O que muda é a usabilidade, a transparência e a segurança. Não basta ser seguro — é preciso parecer seguro.”
Patrícia também enxerga na Inteligência Artificial (IA) e no Open Finance as bases da próxima etapa do sistema financeiro, uma etapa de hiperpersonalização e aconselhamento digital. “Vamos ter agentes financeiros consultivos na palma da mão, unindo dados e contexto para ajudar o cliente a tomar decisões melhores.”
No pano de fundo, há uma percepção compartilhada: o ciclo de expansão acabou; agora é hora de consolidar, integrar e amadurecer. A concentração bancária ainda é um problema, mas o excesso de dispersão entre fintechs também é. O ponto de equilíbrio está em construir soluções completas, com escala e propósito, sem perder o espírito inovador que marcou a última década.