Imagem gerada por InnerAI
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Com a publicação da Resolução Conjunta nº 16, em 28/11, o Banco Central (BC) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) oficializaram o marco regulatório do Banking as a Service (BaaS). A norma impõe regras rígidas para empresas que “alugam” licenças bancárias, bem como a “monogamia” para contas digitais e põe fim dos arranjos informais.

O modelo de BaaS consolidou-se no Brasil como a infraestrutura que permite a dissociação entre a licença regulatória e a interface de cliente.

O mercado brasileiro de serviços financeiros passa agora por um processo de institucionalização, com o fim do espaço para arranjos informais e arbitragem regulatória. A resolução confirma que a responsabilidade regulatória recai integralmente sobre a instituição prestadora, que deve monitorar o tomador como extensão de seus próprios controles, assegurando padrões equivalentes de conformidade, qualidade e supervisão operacional.

Definições e papéis

A norma define BaaS como a contratação onde uma instituição autorizada (prestadora) disponibiliza serviços financeiros e de pagamento a clientes finais por intermédio de uma entidade terceira (tomadora), parte ou não do sistema financeiro, via integração eletrônica. A norma também busca reduzir incertezas sobre a atuação de cada participante dentro do arranjo.

Isac Costa/Instituto Brasileiro de Inovação e Tecnologia, IBIT | Imagem: divulgação

A prestadora é a detentora da licença e responsável final perante o BC, devendo implementar “mecanismos de controle de qualidade” e auditoria sobre o tomador.

A entidade tomadora, que é a interface comercial e de distribuição, perde a autonomia de “banco invisível” e é obrigada a exibir ostensivamente que não é um banco e quem é o prestador real do serviço. Ainda, é vedada a “subcontratação” do serviço (fim do BaaS de BaaS). O cliente final passa a ter vínculo contratual direto e explícito com a prestadora para os serviços financeiros, e com a tomadora apenas para a interface e serviços agregados.

A publicação da norma trouxe confirmações duras para o mercado, mas também alívios estratégicos pontuais.

Exclusividade

A proposta original sugeria que uma entidade tomadora só poderia ter um único parceiro bancário para qualquer serviço de BaaS, o que gerou críticas ferozes sobre riscos de concentração e “lock-in” tecnológico. Conforme o art. 6º da Res. 16, a exclusividade foi mantida, favorecendo instituições que fornecem um pacote mais completo de serviços.

Assim, uma tomadora não pode ter contratos com múltiplos prestadores para a mesma modalidade de conta. Por outro lado, a norma não estendeu a exclusividade para o crédito de forma explícita. Assim, um varejista pode usar o Banco A para oferecer a conta digital e o Banco B para ofertar empréstimos.

Subcredenciadoras e morte do “falso correspondente”

Havia um receio de que as subcredenciadoras fossem forçadas a se enquadrar como “tomadoras de BaaS”, o que burocratizaria a aceitação de pagamentos por pequenos lojistas. O BC excluiu explicitamente as subcredenciadoras do escopo do BaaS, desde que operem dentro das regras de arranjos de pagamento.

Além disso, a resolução elimina o uso do modelo de correspondente bancário para encobrir relações que, na prática, configuram BaaS. Arranjos em que a tomadora atua como verdadeira dona do produto e da marca devem agora migrar para o regime formal de BaaS ou constituir instituição própria, encerrando a zona cinzenta que permitia esses modelos híbridos e reforçando a delimitação clara de responsabilidades entre prestadora e tomadora.

Aumento dos custos de observância

A norma exige que a prestadora tenha acesso a dados, relatórios de auditoria e métricas de qualidade da tomadora (art. 7º e 8º). Com isso, o custo de servir um empresas de menor porte irá aumentar, pois as prestadoras terão que auditar esses parceiros.

Poderá haver uma consolidação do mercado, no qual projetos de BaaS sem escala ou robustez de compliance serão descontinuados. Como a total responsabilidade da prestadora, varejistas grandes tenderão a migrar para parceiros com maior porte e tecnologia robusta de prevenção a fraudes.

A norma trouxe um regime relativamente curto de transição, frustrando as expectativas do mercado. Os contratos vigentes terão que ser ajustados até 31/12/26. Trata-se de um prazo desafiador para todas as revisões contratuais e adaptações tecnológicas necessárias.

Modelo mais maduro e sustentável

Espera-se um modelo mais maduro e sustentável, no qual BaaS deixa de ser um atalho para “virar banco sem licença”. Já a competição se desloca do “quem arruma o banco mais barato e flexível” para depender da qualidade da relação entre prestadora e tomadora, especialmente em conformidade, segurança e experiência do cliente.

A abordagem adotada pelo BC provavelmente fará com que o mercado brasileiro de BaaS se torne menor em número de arranjos. Porém, mais concentrado, robusto e visível para o regulador.

Nesse cenário, o novo marco ressignifica o papel estratégico dos arranjos de BaaS dentro do ecossistema financeiro contemporâneo. À medida que as exigências de governança e coordenação operacional se intensificam, a escolha de parceiros deixa de ser puramente comercial e passa a revelar, de forma concreta, o grau de maturidade regulatória que cada participante consegue manter no longo prazo.

*Advogado, professor do Insper e diretor do Instituto Brasileiro de Inovação e Tecnologia (IBIT)